escócia floresta

Na Escócia, há que se abater alces para se resgatar a floresta

Entramos numa das pousadas da Reserva Natural de Alladale, na Escócia, e a primeira coisa que vemos é, pendurada no topo de uma das paredes do corredor de entrada, a cabeça empalhada de um alce. É uma imagem violenta e parece também contraditória, tendo em conta que estamos numa propriedade onde, supostamente, está a acontecer (há cerca de duas décadas) um processo de “regeneração natural” da floresta das Terras Altas, a zona montanhosa do Norte da Escócia. Mas não terminaremos a nossa estadia sem que nos venha a ser explicado que os alces constituem um problema — há quem diga mesmo “uma praga” — na nação britânica.

De acordo com o Governo escocês, o número de alces nesse país duplicou ao longo dos últimos 30 anos: passou de aproximadamente 500 mil para cerca de um milhão. Ainda segundo o Governo, estima-se que, em certas regiões do território, o número de alces por quilómetro quadrado chegue aos 64. De modo a ser garantida a protecção da biodiversidade, esse número não poderia ser maior do que sete, dizia há um ano a agência governamental que é responsável pela gestão da floresta escocesa.​

Por que é que demasiados alces são más notícias para a biodiversidade? Se um animal está presente num ecossistema de forma muito acentuada, ele pode exercer pressão sobre outras espécies, competindo contra elas por comida e abrigo. Relativamente às quatro espécies de alce que podem ser encontradas na Escócia — o veado-vermelho (Cervus elaphus), o corço (Capreolus capreolus), o gamo (Dama dama) e o cervo-sika (Cervus nippon); apenas os dois primeiros são espécies nativas —, elas têm proliferado nas Terras Altas em parte devido à ausência de uma espécie predadora.

A floresta escocesa já teve lobos, que se alimentam de alces, bem como de outros mamíferos corpulentos. Mas isso foi há muito tempo. Séculos, na verdade. Entre os séculos XIII e XVI, caçar lobos foi um hobby comum na Escócia. Reza a lenda popular que o último lobo selvagem nas Terras Altas terá sido abatido em 1680.

Hoje em dia, a mão humana tenta fazer aquilo que o lobo fazia naturalmente. Regularmente, o Governo escocês traça planos com metas para, numa determinada janela temporal, abater um certo número de alces. Eis o plano actualmente em vigor: até 2026, numa operação que poderá vir a custar cerca de 31 milhões de libras (mais de 36,5 milhões de euros), o executivo de Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa desde 2014, vai accionar mecanismos para proceder ao abate de aproximadamente 150 mil alces.

Existe um entendimento generalizado de que, sem este controlo populacional, é simplesmente impossível proteger a floresta, de cujos recursos os ruminantes alces se alimentam — e que está numa situação de fragilidade há muito tempo.

Historicamente, a população escocesa sacrificou a sua floresta para poder ter terrenos agrícolas, por um lado, e criar gado, por outro. O auge da exploração dos recursos florestais escoceses (que terão atingido a sua expansão máxima há qualquer coisa como cinco mil anos) terá ocorrido no século XVIII, com a revolução industrial a trazer consigo uma grande procura de madeira — e, consequentemente, a exercer pressão sobre a natureza.

Nos cerca de 9300 hectares da Reserva Natural de Alladale, que dista uma hora e meia do aeroporto mais próximo (o pequeno aeroporto de Inverness, cidade no Nordeste da Escócia), está a tentar-se reerguer a floresta. Vem a acontecer desde 2003, ano em que o britânico Paul Lister, filho de Noel Lister (co-fundador de uma empresa de mobiliário que, durante vários anos, foi bastante bem-sucedida — a MFI, que cessaria em 2008), comprou a propriedade. Devidamente ajudada por voluntários, a equipa que o filantropo e ambientalista emprega já plantou quase um milhão de árvores — sobretudo da espécie Pinus sylvestris, localmente conhecida como Scots pine (pinheiro escocês) —​, ajudando a reabilitar um vale que, embora deslumbrante do ponto de vista da paisagem, estava em condições precárias do ponto de vista da biodiversidade.

A mão humana a tentar resolver os problemas que causou

Paul Lister, que nos diz que “estamos no fim do fim da estrada” — a reserva, além de ficar relativamente longe do aeroporto mais próximo, também não fica muito perto de cafés, farmácias, supermercados ou edifícios no geral —​, é um adepto assumido daquilo que, no ramo da biologia, com um enfoque na conservação da natureza, é conhecido como rewilding. Defende apaixonadamente que, se a mão humana deixar de comprometer o equilíbrio de diferentes ecossistemas, estes conseguem, com o tempo, regressar ao seu estado natural.

É claro que isto não acontece do dia para a noite. E, pelo menos no início, requer alguma intervenção humana. “Durante muito tempo, influenciámos a natureza negativamente. Agora, aqui em Alladale, estamos a fazer uso da mão humana para ela ser benéfica para o ecossistema”, conta-nos Paul Lister, dentro da tal pousada onde os hóspedes e convidados são recebidos pela imagem de uma cabeça empalhada de um alce. “Com o tempo, chegaremos a um ponto em que o ecossistema é capaz de se regular a si mesmo. Mas ainda não estamos aí, ainda precisamos de fazer um trabalho mais ou menos significativo.”

Esse trabalho é plantar quase um milhão de árvores. É montar uma cerca para proteger essas mesmas árvores dos alces, que podem causar danos significativos ao esfregar os seus chifres contra os troncos. É abater até 300 alces por ano nos 9300 hectares da propriedade.

Não é com grande orgulho que Paul Lister diz que alguns dos elementos que integram a equipa da Reserva Natural de Alladale têm, pontualmente, de operar como caçadores de alces. Matar centenas destes mamíferos por ano é uma triste inevitabilidade, refere. “Se, num terreno, tens 25 alces por quilómetro quadrado (era esse o número quando comprei a propriedade), nada crescerá. Podes plantar as árvores que quiseres; nada crescerá. Agora, estamos com cinco alces por quilómetro quadrado. […]

Continue a ler este artigo no Público.


Publicado

em

, ,

por

Etiquetas: