Filipe Martins

Está tudo ardido – Filipe Martins

E a natureza? Recuperemos os equilíbrios e os ecossistemas que a natureza fará o resto. Chamem-lhe renaturalização, rebravamento ou rewilding, mas deixem-na fazer o que fez maravilhosamente durante 500 milhões de anos.

Há vários anos que a intelligentsia nacional repete o famoso mantra: a floresta arde porque o interior está despovoado. Além de empregar “floresta” e “interior” em sentido muito lato, essa afirmação parece alheia ao facto de que os distritos com mais ignições estão entre os mais populosos, incorrendo assim numa tropelia lógica que é non sequitur tão gordinho e roliço que nem capão de Freamunde.

Vamos a números: só o populoso distrito do Porto arrecada 25% do total de ignições (teve 2428 incêndios em 2020 contra 241 no despovoado distrito de Bragança, por exemplo). Tem a segunda densidade populacional mais alta do país, com 746 habitantes por km2, perdendo apenas para a muito mais citadina Lisboa.

Este distrito é uma malha urbana com epicentro na Área Metropolitana do Porto e que irradia para o resto do território (e parte do dos vizinhos), variando entre o semi-urbano e o semi-rural. É a dispersão da população, numerosa mas salpicada por todo o lado, e a consequente pouca vegetação contígua, que fazem do distrito campeão nas ignições mas medíocre na área total ardida.

Mas vejamos os sedutores equívocos que ofuscam a singeleza dos números e da lógica.

“O mundo rural é harmonioso”

8h30 da manhã: José, monda que monda desde que sol é sol, apoia o braço escarmentado na enxada enquanto limpa o suor da fronte. A nuca rubra e o semblante de homem honrado são a sua cédula. À porta do humilde mas asseado tugúrio, Hermenegilda sacode os tapetes ruçados enquanto lê a carranca ao tempo. De pronto ordena ternamente à prole que vá brincar para o terreiro. As vozes apressadas e indecisas de oito criancinhas, todas espaçadas na idade em pouco mais de um ano, misturam-se e confundem-se com o chilrear dos passarinhos, como que exultando a perfeita união entre o Humano e as outras criações, que cada qual à sua maneira do duro chão arranca o seu sustento.

Ou…

Os campos estão abandonados porque a agricultura de subsistência não é nem nunca foi vida de sonho para ninguém, e os tugúrios foram substituídos […]

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