Biogás

“Em França não há gás mas há ideias”. Vi esta imagem há uma semana partilhada por Paul Aballea no grupo “La page des producteurs de lait” e recordei uma visita de estudo feita há mais de 30 anos com os colegas da Casa-Escola Agrícola Campo Verde, em S. Pedro de Rates, concelho da Póvoa de Varzim. A escola funcionava então na antiga casa da D. Laura, agora sede da junta de freguesia, a nascente da velha igreja romana que fica no caminho de Santiago.

Foi uma das viagens para visita mais curtas de sempre. Saímos da escola a pé e caminhamos pelas ruas da povoação até encontrarmos uma “casa de lavoura” com um arcaico sistema de biogás a funcionar. O senhor tirava uma pequena cisterna de 3000 ou 4000 litros de chorume (estrume líquido) da fossa das vacas e colocava numa outra fossa, circular, (feita com argolas de poço) e com dupla parede. Entre as duas paredes havia água que servia como vedação para o gás não escapar e havia também uma tampa oscilante, que subia ou descia consoante a presença do gás libertado e acumulado. Do centro dessa tampa uma mangueira conduzia o gás até um pequeno fogão a gás colocado no alpendre, à porta da cozinha (ficava cá fora por causa do cheiro).

Não sei se o senhor ainda vive e o sistema ainda funciona, provavelmente não. Sei que mais tarde, de autocarro, visitamos um complexo sistema de biogás na “Quinta dos Ingleses” em Lousada, que anos mais tarde foi desativado, antes da vacaria e aviário que também já fecharam. Sei de um outro sistema a funcionar atualmente numa vacaria em Monte Real (Leiria) e outras unidades que aproveitam o biogás libertado em aterros sanitários. Sei que antes de eu chegar à Escola agrícola o meu pai já tinha um dossier com informações sobre o biogás e sempre teve esperança de ver o sistema avançar. Sei que na França, na Alemanha e noutros países do norte da Europa há várias unidades de biogás, algumas inclusive produzindo biogás a partir da silagem de milho (sem passar pelos animais).

O princípio do biogás consiste em colocar matéria orgânica num “digestor” para libertar o gaz que depois vai ser acumulado e usado para aquecimento ou produção de energia. O efluente restante mantém as qualidades fertilizantes com menos mau cheiro. Ao longo dos anos, por diversas vezes prestei informação e colaboração a investigadores que tencionavam desenvolver um sistema “chave na mão”, para o aproveitamento do biogás para aquecimento ou produção de energia elétrica. Por razões que desconheço nunca chegaram a bom porto.

Mantenho uma dose elevada de ceticismo em relação ao biogás, porque se fala disto há muito tempo sem ver a tecnologia expandir-se. Regra geral, quando uma tecnologia funciona e é rentável, quando dá resultados, essa tecnologia é adotada sem precisar de grandes apoios. Admito que ainda falte alguma ou muita coisa. Certamente o gás russo era mais barato, mas agora as contas certamente mudaram. Talvez valha a pena olhar de novo e com mais atenção para esta tecnologia.

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O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.


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