Henrique Pereira dos Santos

O ambientalismo silencioso (parte quatro) – Henrique Pereira dos Santos

Na prática, em que é que se traduz este ambientalismo de manada, em que discussão sobre a melhor forma de intervir sobre realidades complexas foi substituída pela fronteira moral que separa os “bons” dos “vendidos aos interesses”?

Uma história recente ilustra bem o resultado prático das opções que têm vindo a dominar o movimento ambientalista (que, volto sempre a insistir, é muito mais diverso do que se poderia supor a partir do que se ouve comummente por aí).

Depois dos fogos de 2017, houve umas quantas iniciativas para alterar estruturalmente as condições que estão na base desses fogos.

O Estado entreteve-se a tomar decisões administrativas, como proibir o aumento da área de eucalipto, ou a fazer planos e papéis afins, com especial destaque para os Planos de Transformação da Paisagem, uma matriosca de planos, operações, estratégias e as coisas do costume em que o Estado se entretém nestas situações. Cinco anos depois, nada disso tem qualquer tradução no terreno: nem a área de eucalipto alterou as suas tendências, nem há qualquer indício de que haja qualquer tendência diferente na evolução das paisagens.

Outros actores tomaram decisões filantrópicas, como a Jerónimo Martins, que resolveu apoiar um projecto de florestação em Arganil, e outras coisas que tais. Menos mal, há coisas a acontecer no terreno, é cedo para saber a sua sustentabilidade a prazo. Sempre são coisas melhores que as iniciativas desgarradas de plantações de árvores, sem associação a qualquer plano de gestão de longo prazo.

As celuloses, através da sua associação, a CELPA, entendeu empenhar-se na melhoria da gestão de áreas de produção de eucalipto, suponho que também apertada pela dificuldade em ter novas áreas de produção eficiente de eucalipto, face ao puzzle administrativo e legal que rodeia da produção de eucalipto que liquida a produção racional e legal e potencia a produção irracional e ilegal. Para isso, pretende mobilizar proprietários, financiando operações iniciais de plantação, de acordo com projectos que visam contrariar o abandono e a falta de gestão. Há execução de alguma coisa no terreno, embora seja difícil saber como vão evoluir os projectos porque, aparentemente, não está definido o modelo de compensação entre proprietários que permita aos que têm produções economicamente viáveis financiar as áreas dos proprietários que cederam áreas para outras produções que não o eucalipto.

O problema central na gestão do fogo, de acordo com a melhor ciência que existe sobre o assunto neste momento, é o abandono e a falta de gestão, mas o movimento ambientalista escolheu concentrar-se no eucalipto (e, marginalmente, no pinhal), como maus da fita (tal, como aliás, fazem alguns dos consultores e investigadores a quem o Estado resolveu entregar o desenvolvimento dos tais planos de transformação da paisagem).

Como o inimigo são as celuloses, o movimento ambientalista é muito passivo em relação à ineficiência do Estado ao fim destes cinco anos, mas muito sensível ao que está a ser feito pelas celuloses.

É este o contexto em que começam a aparecer notícias sobre o projecto “Replantar Pedrogão”, um dos quatro projectos apoiados pelas celuloses, já executado no terreno, envolvendo várias dezenas de proprietários, e formalmente apresentado pela associação florestal que, por isso, ficou responsável formal pela execução do projecto.

Desde sempre é muito claro que se trata de um projecto promovido pelas celuloses, que não é a Santa Casa da Misericórdia, e alinhado com os seus interesses de abastecimento das suas fábricas.

Nas notícias de Agosto, uma associação ambiental, a QUERCUS, e uma fraude, a Acréscimo, acusam as celuloses de andarem a enganar toda a gente apresentando um projecto que prevê a plantação de medronheiros e depois plantam eucaliptos.

Os factos eram claros: em cerca de 130 hectares de projecto, havia uma desconformidade em quatro hectares.

O ICNF fez uma verificação da situação, levantou um processo de contra-ordenação à associação florestal (quem tinha formalmente apresentado o projecto de florestação) por ter verificado que dois proprietários, nas partes que lhes diziam respeito, tinham feito coisas diferentes do previsto.

Sem surpresa, o movimento ambientalista esquece os factos, e perante o levantamento do processo de contra-ordenação, volta a fazer mais uma manobra de propaganda que visa atacar as celuloses, e não os problemas reais com que estamos confrontados como sociedade.

Posteriormente a CELPA fez um levantamento total da execução do projecto, e verificou mais algumas desconformidades como uma redução de áreas de circulação porque o proprietário resolveu que ainda tinha espaço para mais uma fila de eucaliptos, não prevista no plano, mas que o proprietário entendeu que era espaço desperdiçado (só quem nunca executou projectos, em especial projectos deste tipo, espera que não haja discrepâncias nenhumas entre previsto e executado).

Grande parte destas desconformidades de projecto, em especial os quatro hectares de eucaliptos indevidamente plantados, estão hoje corrigidas ou em vias de o ser.

Por influência deste escrutínio público, com certeza, não é esse escrutínio que está em causa, é a forma como se manipulam os factos que se verificam nesse escrutínio, com o objectivo de impor opções a terceiros.

Em que é que este projecto, que é do interesse das celuloses, se cruza com o interesse público?

Sendo o problema central dos fogos o abandono e a falta de gestão, qualquer projecto que traga gestão para zonas em sério risco de abandono, é um projecto útil (pode ser melhor ou pior, ter coisas mais ou menos aceitáveis, mas a ideia base é a de que é um projecto socialmente útil).

Para uma parte relevante do ambientalismo, o problema é o eucalipto, portanto qualquer projecto que se baseie na produção de eucalipto, é um projecto para abater, mesmo que o resultado seja mais abandono, mais pobreza e um padrão de fogo socialmente inaceitável.

E esta cisma é de tal maneira profunda, que mesmo uma fraude como a Acréscimo, uma associação uninominal de uma pessoa sem qualquer credibilidade técnica e ética, consegue manipular uma quantidade enorme de ambientalistas para quem os factos não interessam nada, desde que haja a possibilidade de fazer andar a sua agenda pré-definida.

Farei ainda uma quinta parte sobre como o ambientalismo silencioso é um problema global, influenciando a forma como burocracias poderosas, como a da União Europeia, acabam a tomar decisões completamente irracionais, para responder a este ambientalismo de manada, que se afirma pela superioridade moral de estar “livre de interesses”, o que o torna evidentemente vulnerável a qualquer escroque que resolva apresentar-se como um corajoso defensor da “linha justa”: quando se impede que os factos influenciem as nossas ideias, é muito fácil que terceiros nos levem a moldá-las a partir das fantasias mais infantis.

O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.


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