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Convenção de Albufeira devia ser revista, pede especialista em água a propósito do Dia Nacional

A Convenção de Albufeira, que regula as relações ibéricas quanto aos rios comuns, devia ser revista, contemplando caudais diários mínimos, defende o especialista Afonso do Ó, da associação ambientalista ANP/WWF.

“A convenção é melhor do que nada, mas devia ser revista. A nossa luta na WWF é no sentido de que o acordo é bom mas que está longe de haver caudais diários mínimos. É mais importante haver volumes mais baixos mas constantes”, disse o responsável em entrevista à agência Lusa.

A propósito do Dia Nacional da Água, que se assinala no sábado, Afonso do Ó defendeu que Portugal e Espanha deviam rever os termos da convenção, para que o regime de caudais seja adaptado à realidade dos dois países.

É através da Convenção de Albufeira, em vigor há 22 anos, que Espanha liberta determinadas quantidades de água para os rios internacionais. Nos últimos dias foi noticiado, e alvo de um comunicado dos dois países, que Espanha não irá cumprir com os caudais anuais nos rios Tejo e Douro, que ficarão a 90% dos valores estabelecidos na Convenção.

Afonso do Ó criticou e lamentou a situação, afirmando que Espanha não podia deixar de cumprir porque não foi declarado um regime de exceção, algo que já fez algumas vezes.

O problema, referiu, é que sendo a Convenção tecnicamente clara ninguém “tem acesso a dado nenhum, não há informação” e por isso não há justificação visível para se cumprirem apenas 90% dos caudais.

“No fundo é um acordo de cavalheiros à margem do que foi acordado”, que surge depois de manifestações em Espanha contra a cedência de água a Portugal, num comunicado que na verdade só vem afirmar o que já está na Convenção, disse.

Ainda que por falta de informação não se saiba precisamente o que está a ser cumprido, Afonso do Ó considerou que em termos gerais “Espanha tem cumprido quase sempre” o acordo com Portugal e até hoje, que se lembre, houve três incumprimentos.

A verdade, acrescentou, é que no quadro da União Europeia, Espanha não pode cortar a água a Portugal. Mas a verdade também é que a Convenção de Albufeira prevê a existência de um Secretariado Técnico Permanente que pura e simplesmente “ficou na gaveta”.

E certo seria, resumiu, que os dois países revissem os termos da Convenção e que o regime de caudais fosse adaptado à realidade dos dois países.

E na realidade dos dois países o uso da água, frisou, tem de mudar.

Afonso do Ó falou ainda do setor agrícola, da expansão do modelo de cultura intensiva.

“Se não revermos a utilização da água no setor agrícola a água nunca vai chegar. Tem de se por um travão a isto”, aconselhou.

A produção agrícola representa em Portugal 75% do consumo e água e em Espanha representa 80%.

Afonso do Ó, especialista em gestão do risco de seca e em climatologia mediterrânica e ambiente, disse que devido à seca está previsto estudar o nível de escassez de água e, em função dele, minimizar ou cortar o consumo.

Mas é fundamental, acrescentou, que se reveja o preço da água para a agricultura, que não paga nem as infraestruturas nem tem um preço real.

Mas a água em termos gerais é barata? Afonso do Ó considera que os 10 milhões de consumidores portugueses têm uma “responsabilidade limitada” e muitos municípios até já têm escalões progressivos, em que quem mais gasta mais paga, e aponta o dedo ao setor agrícola, com custos “demasiado desiguais”, com uso ilegal de água e com preços que não pagam os investimentos.

E se o regadio de Alqueva, “que na verdade beneficia meia dúzia de multinacionais”, é robusto, outros sistemas de abastecimento de água, nomeadamente no Algarve, não têm água suficiente.

“O setor agrícola é muito protegido. Mexer com o que comemos é mau”, diz, advertindo que é preciso perceber em que bacias se pode fazer rega, em que bacias a rega não se pode expandir. “Se o preço for uma limitação de acesso à água o agricultor vai fazer outras opções” em termos de produtos a cultivar, diz.

Afonso do Ó, na entrevista à Lusa, diz concordar com o aproveitamento de águas residuais, que já está a acontecer em alguns locais, mas chama a atenção para a necessidade também de aproveitamento de águas pluviais, sobre o qual pouco se fala.

E em termos gerais estão os portugueses cientes de que a água é um bem escasso e que é preciso poupa-la? O especialista é perentório: “Não estamos a perceber que temos de gerir, controlar e limitar o uso da água. Os recursos são cada vez mais limitados e teimamos em não ver isso. Fazer aumentar o consumo é ir em sentido contrário do que devíamos. Corremos mesmo o risco de não haver água, sobretudo no Alentejo e Algarve”.

Afonso do Ó reconhece que há reservas importantes de água em determinados aquíferos, que respondem mais tardiamente à seca, mas diz que mesmo essas devem ser utilizadas “com algum cuidado”, porque também têm tendência para a redução.

A dessalinização pode ser uma opção, mas além de ser uma opção cara só é vantajosa em áreas de consumo muito próximas do litoral, e tem um impacto ambiental significativo, considera, acrescentando que no caso do Algarve “é uma solução interessante”.

O Dia Nacional da Água assinala-se anualmente a 01 de outubro desde 1983 para sensibilizar para a importância do recurso e para o seu uso mais eficiente. Este ano acontece quando Portugal atravessa um dos maiores períodos de seca de que há registo. O primeiro dia de outubro coincide com o início do ano hidrológico, a época em que por norma as reservas hídricas estão no mínimo e que começa o período de chuvas.

A ONU estabeleceu como o Dia Mundial da Água o dia 22 de março.

Afonso do Ó, especialista na matéria na Associação Natureza Portugal, que representa a internacional “World Wide Fund for Nature” (WWF), escolhe duas “grandes medidas” para assinalar a data: rever o preço da água nos regadios, para mudar opções dos agricultores e limitar o descontrolo desses regadios, e rever os termos da Convenção de Albufeira.


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