Ilhas Urok, Guiné-Bissau. As guardiãs de sementes dos Bijagós

Na Área Marinha Protegida Comunitária das ilhas Urok, na Guiné-Bissau, as mulheres bijagós garantem a soberania e a segurança alimentares, enfrentando a ameaça das alterações climáticas e a imposição da monocultura de caju. Sábado Maio, Beatriz Lopes, Anjuleta Gomes, Maimuna Augusto, Esperança Correia, Sábado Madjo e Sábado Luís são sete das 12 guardiãs de sementes crioulas.

Sanhá está inquieto. Exige que todos sejam rápidos a sentar-se no barco. O tempo não espera e não podemos perder a oportunidade de viajar até à Ilha Formosa. Por isso, às 8:00 do dia 6 de Setembro, a embarcação da ONG Tiniguena atracada no porto de Pindjiguiti, em Bissau, começa a lotar-se de passageiros e carga. São, sobretudo, dezenas de garrafas com água potável, combustível e sacos enormes com arroz. Aproveita-se a ida à capital guineense para levar o máximo para as ilhas Urok, onde quem lá mora depende somente do que se planta e do que a terra dá. Logo, para chegar daqui até às sementes crioulas nas mãos de Anjuleta Gomes, Beatriz Lopes, Esperança Correia, Sábado Maio, Sábado Madjo, Sábado Luís e Maimuna Augusto, é preciso cruzar, durante 4 horas, o temido braço-de-mar do Canal do Geba.

É época de chuvas fortes. O tempo pode mudar, inesperadamente, assim: o céu tolda-se de cinzento-cobalto, os relâmpagos cortam-no em clarões estrondosos e as ondas sacodem as canoas. “Só os Bijagós sabem como atravessar o mar até às ilhas Urok. Para se navegar em segurança tem de se pedir permissão aos deuses”, adverte-se.

O aviso remete para a cosmogonia da etnia Bijagó que habita várias das ilhas do arquipélago com o mesmo nome, ao largo da costa atlântica norte-africana, e classificado pela UNESCO como reserva da biosfera desde 1996. As ilhas Urok — que significa “união”, na língua bijagó — são formadas por Formosa, Chediã e Maio e estão classificadas como Área Marinha Protegida Comunitária (AMPC), desde 2005. Lá moram cerca de três mil pessoas.

Sementes distribuídas e preservadas

Mancara bijagó, mancara tombali, manfafa, inhame vermelho, inhame genebra, milho basil, abóbora garganti cumprido, limão-da-terra, graviola, mandioca macaxeiral, batata vermelha, coqueiro gigante, feijão-sete-semanas, tomate, quiabo, beringela

Ao leme da “Cantoucha”, a embarcação da Tiniguena, em homenagem póstuma a uma guardiã de sementes, revezam-se três marinheiros bijagós e um ex-marinheiro, agora engenheiro agrónomo da Tiniguena, Sanhá João, outro filho das ilhas. Junto com o coordenador operacional Emanuel Ramos, ele é um dos técnicos de sensibilização agroecológica em Urok.

Entre 2015 e 2018, a ONG guineense Tiniguena implementou o projecto das Mulheres Guardiãs de Sementes da Biodiversidade Agrícola na AMPC, em parceria com a New Field Foundation, para salvar e conservar várias sementes crioulas que se estavam a perder, como milho e mancara bijagó (espécie de amendoim). “São as sementes adaptadas às condições climáticas da região que são repassadas de geração em geração e não queremos que elas desapareçam, porque são uma herança importante e mais resistentes às pragas”, esclarece o engenheiro agrónomo.

O projecto formou e capacitou cerca de 150 mulheres e uma dezena de agricultores para “o cuidado com sementeiras”, de forma a “garantir a soberania e a segurança alimentares da comunidade”. A par dessa sensibilização, há responsáveis eleitos que não podem falhar: 12 guardiãs de sementes e três guardiões.

Variedades de arroz

Há dois tipos fundamentais de rizicultura na Guiné-Bissau: por inundação, culturas conhecidas por bolanhas — e que se divide em bolanha de água doce e bolanha de água salgada — e rizicultura de sequeiro (pampam).

As variedades de arroz cultivadas são: Arroz 40 dias, Arroz Sabi 12, Arroz bani malo, Arroz Camilo, Arroz sulemane branco, arroz preto, Arroz Merengue, Arroz grós, Arroz de rabo preto, arroz de rabo branco, Arroz branco, Arroz China, Arroz Cassini, Arroz de pilão

“Mulher é chão [tchon], o homem é céu [seu]”

Guardar sementes é, culturalmente, uma tarefa das mulheres bijagós, ligada ao trabalho na terra. Sábado Maio nasceu há 69 anos na tabanca de Canhabaque, uma das aldeias da ilha Formosa. Tem um quintal com cerca de 19 variedades de culturas. Lá a bananeira já dá sombra, prometendo um cacho que amadurece. Faz questão de mostrá-lo antes de chegar a chuva que há-de ali cair pesada em breve. A anciã garante que tem chovido mais do que no ano passado. É uma queixa recorrente nas três ilhas e em Bissau.

Ela guarda sementes de feijão-sete-dias, inhame de casca vermelha, inhame genebra, manfafa, mandioca, milho, arroz, milho-cavalo, milho preto, pepino e abóbora, essencialmente. “Sou guardiã porque vi os meus avós guardarem-nas. Então sei da importância de termos sementes para garantir a nossa forma de sobrevivência”, diz em bijagó, uma língua hoje em extinção, falada pelos mais velhos. “Este é o meu trabalho na natureza desde o princípio. A mulher é a mãe de tudo, por isso ela cuida das sementes mais do que os homens. Mulher é chão, o homem é céu. A mulher dá à luz, o homem não, por isso as plantas sobrevivem da mulher.”

Projecto Guardiãs de Sementes

O projecto “Mulheres Guardiãs de Sementes da Biodiversidade Agrícola na AMPC Urok” permitiu a consciencialização das comunidades locais sobre a importância da conservação das sementes através da mobilização em torno de uma rede de guardiões de sementes que construíram duas bembas comunitárias (tabankas de Abú, Ambó), onde são armazenadas variedades de sementes locais, das quais 15 variedades de arroz foram multiplicadas e distribuídas aos produtores associados.

Anjuleta Gomes reforça as palavras de Sábado. É presidente do agrupamento de mulheres horticultoras da tabanca de Abu e faz parte do grupo das 45 mulheres disseminadoras de saberes de agroecologia de Urok, outro projecto da Tiniguena. Guarda sementes desde pequena. “Retirava-as, secava-as e protegia-as em frascos”, explica. “Tenho 44 anos e, em 1993, fui a mais jovem horticultora. A comunidade escolheu-me para ser uma das guardiãs de sementes.”

Debaixo do colmo de palmeira, protegida da chuva intensa que não dá tréguas, Anjuleta está ocupada a retirar o chabéu, o fruto da palmeira. Na tradição bijagó, “a palmeira é tudo”, porque se consegue aproveitar todas as partes. É de lá que se faz vinho, óleo de palma, fruta, cestos para peixe, cordas, esteiras, tectos, etc. Dali a pouco, ela vai cortar fruta-pão, separar feijão-sete-semanas, o mais tradicional por aqui e, depois, lavar o combé, molusco bivalve de água salgada. O marisco é outra das actividades principais das mulheres bijagós.

A bemba [celeiro] onde guarda a sementes fica a menos de dez passos da casa dela. É feita de palha, adobe e tem uma elevação para proteger as sementes dos bichos. “Conservo sementes de tomate-cereja, abóbora, quiabo, pepino, beringela, milho, arroz, inhame e limão-da-terra”. Em crioulo, vai explicando como o faz. “Para os tomates, primeiro temos de os juntar, fazer uma calda, amassar o recheio todo e coar os pedaços duros que são as sementes.” Depois, continua, “coloca-se tudo numa superfície seca, põe-se a secar ao sol, quando já estiverem mais duros coloca-se num frasco seco, põe-se cinza, para afastar os bichos, e fecha-se bem”.

Ilhas Urok

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