Mais do que conhecer a qualidade do animal que comemos, parecemos estar cada vez mais preocupados em saber tudo o que se passa com ele antes de se tornar uma refeição
Era o início de uma manhã gélida de quinta-feira em Los Cardales, na zona rural de Buenos Aires, e cerca de 30 cozinheiros e empregados de mesa já estavam a afiar facas, martelar ripas, empilhar bacias de alumínio e acender uma pequena fogueira para espantar o frio de 5 graus Celsius. Tinham saído de Buenos Aires às 7h para conseguirem chegar a tempo de realizar as tarefas que se estenderiam por dois dias. Num grande quadro de madeira, o roteiro das próximas horas, escrito a giz, dava conta de 37 atividades, entre “picar salsinha”, “cortar o toucinho” e “limpeza das tripas”. Quando um dos cozinheiros riscou a primeira palavra da lista — “sacrifício” —, todos deixaram a pequena choupana, uma cabana, em direção ao curral onde estavam os porcos. Naquela manhã, o escolhido foi um animal adulto, gordo, da raça Duroc, com pelagem castanha.
Todos os anos, quando o inverno chega, os argentinos que vivem no campo organizam a faena. É o nome que dão ao ritual de sacrifício do animal, que é morto para se tornar alimento nos meses difíceis que virão, quando as baixas temperaturas impedem a Natureza de agir com generosidade. Mais do que uma tradição, é um ato de respeito para com todas as partes do animal, que depois são assadas em confraternização e se transformam em todo o tipo de enchidos para os dias de inverno: pé, fígado, couro, intestino, rins… nada é desperdiçado. Ao final da 37ª atividade, os ossos do porco são exibidos sobre a mesa onde foi dissecado e processado, como forma de honrar sua morte. […]