Estado admite erros graves na impensável história de Luís Dias, o agricultor que esteve em greve de fome. Culpados? Eventuais sanções já prescreveram

Investigação do Estado às queixas de Luís Dias é demolidora para organismos da Agricultura, que gerem fundos europeus e apoios financeiros, mas também para decisores políticos. Ao contrário do que disse António Costa no Parlamento, o agricultor tem razão e o funcionalismo público só não incorre em sanções disciplinares porque prazos para atribuir culpas foram ultrapassados

O agricultor Luís Dias terminou a greve de fome, que levou a cabo ao longo de 30 dias em São Bento, após ter obtido a garantia de Miguel Alves, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, de que o seu caso irá ser analisado, estando agendada uma reunião para esta segunda-feira, 10 de outubro.

Apesar de este ter sido o terceiro protesto de Luís Dias nos mesmos moldes, o agricultor e Maria José Santos, a sua ex-companheira, veem agora o Estado assumir que houve falhas muito graves no tratamento do caso que envolve a Quinta das Amoras, um projeto agrícola que os organismos da Agricultura terão tratado com displicência e que pode ter sido negligenciado até por um chefe de gabinete do Governo.

Em causa está o relatório da investigação levada a cabo pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), a pedido do Ministério da Agricultura, em 19 de maio de 2021, e que passou a pente fino a atuação de quem gere apoios financeiros neste setor, desde técnicos até a diretores.

No documento, os auditores admitem que não faltaria, “em abstrato”, gente neste processo que incorreria em “responsabilidade disciplinar”. “Porém, os factos (ou omissões) cuja comprovação faria incorrer os seus autores em responsabilidade disciplinar encontram-se prescritos“, lê-se, nas conclusões.

Estas são as conclusões do relatório do IGAMAOT, que a VISÃO dá agora a conhecer. E não; não é O Processo, do escritor checo Franz Kafka. Mas, dada a sua dimensão e pormenores, conta com todos os ingredientes que facilmente o tornariam uma obra prima do insólito. Só que é preciso folego para o ler.

O início de tudo: uma garantia bancária mal explicada

O IGAMAOT sinaliza, sobre o arranque deste caso que leva quase uma década, que Maria José Santos apresentou uma candidatura ao PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), a 22 de março de 2013. O objetivo seria que o PRODER, financiado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), a apoiasse através do plano de “Instalação de jovens agricultores” a criar uma plantação de quatro hectares de amoras e dois hectares de goji, em Zebreira, no município de Idanha-a-Nova.

Apenas em novembro de 2014, o investimento elegível de mais de meio milhão de euros teve a candidatura aprovada, tendo o projeto merecido um apoio de 280 mil euros (250 mil de apoio ao investimento e outros 30 mil de prémio à instalação naquela zona do Interior).

Trata-se de uma decisão obscura, subjetiva, arbitrária, discriminatória e materialmente não sustentada

Conclusão de auditoria a decisão de direção de agricultura do centro

Ora, o problema começou logo ali: a Direção Regional da Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC) decidiu exigir uma garantia bancária de 275 mil euros à agricultora, que a contestou em março de 2015.

O IGAMAOT critica esse gesto, ao apontar que a garantia bancária era apenas “uma exigência especificamente direcionada aos projetos agrícolas de produção de cogumelos shitake“. Mais: registam os auditores que, apesar de terem solicitado, não houve qualquer parecer técnico da DRAPC que justificasse existir um risco no projeto, para que o Estado tivesse de ter uma garantia, e, por isso, não se percebe como se deixou a agricultora sem o apoio.

“Trata-se de uma decisão obscura, subjetiva, arbitrária, discriminatória e materialmente não sustentada, cuja ponderação do risco (inexistente) advém apenas da percepção do técnico analista face a experiências anteriores”, lê-se no documento, que a VISÃO pediu ao Governo sem sucesso.

A descrição dos passos que tal decisão fez é um exemplo máximo de burocracia, sendo que entre técnicos e chefias ninguém assumiu aos auditores responsabilidades. Resumido: “Não havia base legal” para exigir a garantia e “não existiu qualquer evidência ou fundamentação técnica, clara e transparente” sobre uma qualquer avaliação da direção regional.

Por isso, a Inspeção reconhece razão a Maria José Santos, na altura representada […]

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