Porque se rega nas horas de maior calor?

Um amigo ficou sobressaltado ao ver “regas de jardins públicos ou campos agrícolas nas horas de maior calor”, convicto que “uma grande parte da água evapora antes de chegar ao solo”. “Porque não efetuam essas tarefas a outras horas?” Penso que é uma boa pergunta, que deve inquietar muita gente e aqui estou para responder. Da parte dos jardins públicos não quero falar, deixo para jardineiros e autarcas, sobre a rega de culturas agrícolas, como o milho, posso dizer alguma coisa.

Eu sou um dos agricultores que, às vezes, rega nas horas de maior calor e também nas horas mais frescas e nas horas de temperatura intermédia. Rego a qualquer hora, quando posso, se tiver água, conforme ela nasce nos poços, em períodos intermitentes, ao longo das 24 horas do dia. Há poços que dão meia dúzia de horas de água por dia (muito bom), outros apenas meia hora, mas não tenho capacidade de armazenamento para escolher regar apenas de noite, quando há menos evaporação. Tenho que aproveitar a água disponível. Só quando tenho excesso de vento é que me sinto obrigado a suspender as regas.

Em sentido oposto, noutros campos não rego. No caso de algumas parcelas não tenho água disponível, noutras não tenho eletricidade, noutros tenho tudo mas não tenho tempo para fazer o trabalho e em alguns casos específicos, os tradicionais “lameiros” não é preciso regar porque a terra tem humidade suficiente (no inverno costuma ter excesso, daí serem “lameiros”, com lama).

Quem tiver água armazenada, acesso ilimitado a um rio ou regadio e um sistema de rega sofisticado, pode programar a hora de rega. Quem tem de “mudar a rega”, afinar o aspersor e vigiar como corre, aproveitar a água disponível e estar atento para desligar o motor quando a água acaba, está limitado a fazer isso durante o dia, quando tem luz, e, por vezes, depois de ordenhar e alimentar as vacas, portanto, quando tem tempo. 

Entretanto, há novos fatores a ter em conta. Tradicionalmente, a eletricidade era mais barata de noite, altura de menos consumo, mas para quem tiver painéis solares a eletricidade é “grátis” durante o dia (ou será a única disponível). Reparem nisto: À medida que tivermos mais sistemas de energia solar a injetar eletricidade na rede poderemos ter de mudar o paradigma e aconselhar a rega nas horas de maior calor.

No caso do milho, os especialistas dizem que a rega por aspersão tem uma eficiência entre 85% a 90% durante o dia e 91% a 95% durante a noite. Portanto, 5 a 10% não é uma grande diferença nem é “uma grande parte da água”. 

É preciso ter em conta que o milho é uma planta muito interessante em termos de aproveitamento de água. Ao contrário de outras plantas, as folhas do milho conduzem a água até ao caule por onde desce para junto da sua raiz. Acresce que o milho não sofre por ser regado nas horas de maior calor, pode até agradecer o arrefecimento em dias de aquecimento excessivo, ao contrário de outras plantas. Não se pode generalizar, é preciso ver caso a caso, ouvir os especialistas, pesar os prós e contras de cada opção e decidir sem fundamentalismos.

#carlosnevesagricultor

O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.


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