medronho

Da tradição do medronho às novas formas de o saborear

No que toca ao medronho, a tradição já não é (só) o que era. Os produtores portugueses começam a redescobrir este fruto de outono, que se come fresco e inspira novas bebidas e receitas. Descubra as aplicações mais antigas e as novas formas de o saborear.

Quando o outono se anuncia, os cachos de medronho, já encarniçados, indicam que a apanha está para breve. É assim em praticamente todos os países do mediterrâneo onde o medronheiro cresce naturalmente e onde a apanha – e transformação – são costumes antigos. Em Portugal, a aguardente de medronho é a aplicação tradicional por excelência.

Quem viaja pelas serras algarvias do Caldeirão e Monchique, e também pelas do centro do país, não terá dificuldade em avistar os medronheiros (Arbutus unedo) coloridos pelos frutos maduros e encontrará também as destilarias, muitas delas renovadas, mas onde a arte da produção da aguardente se perde no tempo.

Embora menos comuns, os rituais da apanha e da produção artesanal, muitas vezes feitos em conjunto pelas comunidades, ainda se mantêm vivos. Em Marmelete, Monchique, o projeto Casa do Medronho nasceu para os preservar, com a criação de uma destilaria típica e comunitária, onde se desvendam os segredos da produção e se degusta a aguardente.

O mesmo projeto criou o Roteiro do Medronho, que percorre várias destilarias na freguesia e convida os visitantes a participar na apanha e fabrico de aguardente em workshops promovidos com os produtores locais. Esta é também uma oportunidade para saborear o fruto fresco, que nas cidades poucos terão provado, mas que tem despertado interesse crescente.

Tanto no sul como no centro, existem Confrarias do Medronho, também com o objetivo de defender e valorizar a cultura do medronheiro, a produção do medronho e dos seus produtos. Em ambas as regiões, há várias outras aplicações culinárias tradicionais, como é o caso da melosa, bebida que junta aguardente de medronho e mel, dos bolinhos secos com aguardente de medronho (borrachões) ou da compota feita com o fruto maduro.

A aguardente de medronho é de tal forma tradicional em Portugal que figura até na letra de fados: em “Lisboa menina e moça”, de Carlos do Carmo: “E no bairro mais alto do sonho / Ponho o fado que soube inventar / Aguardente de vida e medronho / Que me faz cantar”; ou em “Fado Quimera”, em que a fadista Mísia canta: “Eu quis um vinho feito de medronho / De veneno, de beijos, de suspiros”.

Tal como em Portugal, o medronheiro e o medronho são presença assídua nos sabores tradicionais de vários países mediterrânicos. Na Sardenha, por exemplo, o mel amargo feito a partir do néctar da flor de medronheiro, “miele di corbezzolo” , é típico desta ilha italiana. Em vários países balcânicos, como na Albânia, por exemplo, é também tradicional a “rakia”, uma aguardente destilada duas vezes para reduzir o teor alcoólico.

Além da presença gastronómica, o medronho e medronheiro são encontrados em muitos elementos da cultura mediterrânica.

Em Itália, o medronheiro é a árvore nacional por apresentar, em simultâneo, as três cores da sua bandeira: frutos vermelhos, flores brancas e folhas verdes.

Em Espanha, o símbolo da cidade de Madrid mostra um urso e um medronheiro. Diz-se que ambas as espécies estavam presentes em torno da cidade e que o símbolo estará associado a uma disputa de terras, no século XIII, entre a administração e o os representantes do clero, que ficou sanada com a separação e atribuição dos pastos ao clero e do território arborizado à cidade.

É também em Madrid, no Museu do Prado, que está exposta a obra “O Jardim das Delícias Terrenas”, um tríptico do pintor holandês Hieronymus Bosch, onde o medronheiro simboliza a fugacidade do prazer, que era conhecido na corte espanhola como “La pintura del madroño”.

Medronho para além da tradição
Mas há mais no medronho para além da tradição, já que esta baga vermelha e carnuda tem inspirado novas aplicações, com as bebidas a manterem-se em primeiro plano. Licor de medronho, gin de medronho, vodka de medronho e medronho & café são alguns dos exemplos, muitos dos quais com produção no Algarve, Alentejo e na região da Serra da Estrela.

A Medronho Bottle, de baixo teor alcoólico, é outra das novas bebidas: alia a aguardante de medronho, com o fruto vindo de Mértola, no Alentejo, aos sumos de outras frutas, como laranja, limão ou frutos vermelhos. E não falta também entre as inovações a cerveja de medronho.

Mas há muito mais potencial gastronómico neste fruto, desde o vinagre à gelataria, como lembra a publicação “O medronho e suas utilizações alimentares”: os frutos frescos, em calda ou congelados, a polpa enlatada, o doce e a geleia podem ser utilizados em pastelaria, em geladaria, ou em sobremesas diversas.

Quanto a novas iguarias culinárias, há também várias novidades, como as trufas e o pão de medronho:

As trufas de chocolate com licor ou aguardente de medronho são um projeto da Quinta das Solelas, em Castelo Branco, e uma homenagem ao chef Artur Norberto, sob a chancela da marca My Medronho.

O pão medronho foi distinguido pelos Prémio Food Fab Lab 2020. A inovação é do investigador do Politécnico de Leiria Rui Lopes que, após anos de desenvolvimento, produziu um pão que concilia os benefícios do medronho com baixo teor de sódio e uma longevidade de até seis dias. O consumo de 100 gramas garante cerca de 19% de atividade antioxidante e 20% de fibra considerando os valores diários recomendados.
Entre os benefícios do medronho para a saúde, destaca-se precisamente a atividade antioxidante, que é “superior à de frutos de outras proveniências”, refere a Universidade de Aveiro, que estudou os medronhos da Serra da Beira, e elucida: “A atividade antioxidante reflete a capacidade de evitar a formação de radicais livres, substâncias que, quando produzidas em excesso no organismo são responsáveis pelo stress oxidativo, conhecido por provocar danos no organismo humano, os quais estão associado ao envelhecimento e aumento da suscetibilidade a diversas doenças, nomeadamente as doenças civilizacionais emergentes”.

O mesmo projeto de investigação identificou a presença de ácidos gordos insaturados, entre os quais ómega 3 e 6, com um papel no controlo dos níveis de colesterol, na saúde da pele e dos ossos. A presença de betacaroteno (outro antioxidante natural), e das vitaminas E e C tinham sido já anteriormente documentadas. De resto, é elevada a presença de açúcares na composição do medronho, pelo que o seu valor energético é relativamente elevado, reforçando-se com a maturação.

Um trabalho de revisão das várias propriedades medicinais sublinha a necessidade de se estudar mais profundamente a composição do medronho para que os benefícios e segurança da sua aplicação na indústria fitofarmacêutica se possam confirmar e ampliar. Entre estes benefícios são referidos desde os usos tradicionais medicinais – diurético e laxante, por exemplo – aos identificados em análises científicas, decorrentes das propriedades antifúngicas e antibacterianas, antidiabéticas, anti-hipertensivas, anti-inflamatórias, anti-tumorais, diuréticas e antiespasmódicas, entre outras.

Medronho para saborear e saber mais

Sendo um fruto de outono, é precisamente nesta altura do ano que o medronho começa a estar disponível para comer fresco, preparar bebidas ou confecionar iguarias culinárias. Para o saborear, sugerimos uma melosa algarvia e um bolo simples de preparar. E para saber mais, fique a par dos principais preceitos da tradicional aguardente de medronho.

Melosa

Ingredientes

500 ml de aguardente de medronho
500 ml de água
600 gr de mel
casca de 1 limão
3 paus de canela

Modo de preparação

Num tacho grande, adicione os ingredientes exceto a aguardente. Ferva em lume médio entre dois e cinco minutos, mexendo para garantir que o mel dissolve totalmente. Retire as cascas de limão e os paus de canela e deixe arrefecer. Junte a aguardente de medronho, mexendo alguns minutos antes de engarrafar e leve ao frigorífico, onde a deve manter. Agite a garrafa antes de servir. Conserva-se por seis meses.

(receita tradicional)

Bolo de medronho

Ingredientes

250 g de açúcar
130 g de manteiga derretida
5 ovos
250 g de farinha com fermento
100 g de polpa de medronho sem sementes ou doce de medronho

Modo de preparação

Pré-aqueça o forno a 180 °C. Unte e polvilhe uma fôrma grande com farinha. Misture o açúcar e os ovos e depois a manteiga. No final, adicione a farinha. Coloque na fôrma alternadamente a massa e a polpa ou o doce de medronho. Leve ao forno durante 40 a 45 minutos.

Fonte: O Medronho e as suas Utilizações Alimentares

Do medronho à aguardente

Após a colheira dos frutos bem maduros (geralmente entre outubro e dezembro), há várias fases e tarefas, como explica a Casa do Medronho:

Fermentação em barricas (transformação dos açúcares em álcool) – o fruto permanece durante 45 a 60 dias, em potes ou tanques de madeira, barro ou cimento, borrifando-se diariamente para que a polpa se mantenha húmida, sem azedar. Depois deste período, alisa-se o mosto à superfície e tapam-se as barricas, que assim ficam até à primavera.
Destilação em alambique – a caldeira é cheia com a massa fermentada do medronho e o lume aceso, juntando-se água e a chamada aguardente frouxa, que foi guardada do final da destilação anterior e tem, por isso, menos álcool. Quando esta mistura ferve, os vapores libertados são transportados por um tubo que, ao passar por um tanque de água fria, os transforma de novo em líquido. E a aguardente começa a gotejar.
O líquido que goteja ao início, chamado “cabeçada”, e o que sai no final, o “rabo” (ou “frouxa”, pelo teor alcoólico inferior) são descartados e só o “coração” (ou a “boa”, cerca de 80 a 85% no intervalo entre ambos), deve ser aproveitado. Assim, é preciso controlar o fogo e mudar vasilhas para que cada uma destas partes não se misture. E é necessário também saber quando começa e acaba “a boa”, coisa que os mais experientes identificam pela cadência contínua do líquido à saída do alambique.
A aguardente que será depois analisada e engarrafada corresponde a este líquido cristalino do meio da destilação e tem, em média, um teor alcoólico bastante elevado: entre 40% a 50%.
Cada medronheiro produz uma média anual de sete a dez quilos de medronho e são necessários cerca de 10 para obter um litro de aguardente.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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