Nas vésperas do Conselho de Estado, um trabalhador precário, um professor, um agricultor e um pequeno empresário contam como olham para o futuro próximo, com a crise no horizonte.
O planeta não tem plano B e, por isso, o agricultor António Tavares tem ainda mais receio da crise climática (e da falta de água), do que da crise económica. A primeira tem impactos sequenciais e a longo prazo que o deixam apreensivo, mesmo que a segunda esteja já a bater à porta e a pedir alguns ajustes. E a pedir também planos B, como o que o próprio agricultor alentejano desenhou para reduzir os custos da sua produção ou como o que o músico Luís Coelho, de Penafiel, procurou para fazer face à precariedade laboral.
O desassossego em relação ao futuro é transversal a várias áreas. André Torres, pequeno empresário no sector da restauração, em Gaia, tornou-se patrão e empregado para reduzir gastos. Mesmo assim, o seu receio é ser obrigado a “fechar” as portas. O optimismo não reina, nem quando quem fala é um jovem funcionário do Estado, com supostamente maior estabilidade laboral. Supostamente porque os 17 ou 18 mil euros que ganha por ano como professor (a andar pelo país) não dão para Tiago Leitão planear uma vida. “Nunca foi tão difícil ser jovem”, diz o docente de 27 anos.
Eis quatro casos que mostram como a degradação da situação socioeconómica do país, que Marcelo Rebelo de Sousa quer discutir no próximo Conselho de Estado, está a preocupar os portugueses. Mesmo com as ajudas anunciadas para famílias e empresas.
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A dupla crise na Agricultura
Pensar no futuro, mesmo a curto prazo, tornou-se para António Tavares, pequeno agricultor em modo de produção biológico, um exercício de gestão repleto de incertezas. “É muito complicado planear o futuro quando as alterações climáticas nos trazem tantos receios”, conjectura.
Nem mesmo o aumento desmesurado nos factores de produção (que em modo biológico são superiores aos que estão a ser sentidos na agricultura) o preocupam tanto como os efeitos das alterações climáticas que podem ser devastadores. “Assusta-me pensar que um dia me pode faltar a água de Alqueva”. É este o seu receio maior quanto ao futuro, mesmo comparado este cenário crítico com a diminuição no número de encomendas recebidas. “Nem foi preciso aumentar o preço dos nossos produtos” observa o agricultor. Outros encargos e restrições no orçamento familiar obrigam a optar por produtos não biológicos, porque estes são, inevitavelmente, mais caros.
A actividade da pequena empresa de António Tavares está baseada na entrega de cabazes com produtos hortícolas na casa dos clientes. “Nós produzimos e distribuímos”, acentua, realçando o “enorme esforço” que é feito para manter a autonomia, quando os combustíveis aumentam. “Quase de certeza vamos ter de subir os preços”, antecipa, embora ainda não se reflicta no que entrega aos clientes.
“Estamos a ser bastante afectados pela crise” reconhece o pequeno agricultor, admitindo que já foi forçado a fazer escolhas: os produtos que têm menos venda já foram retirados do cabaz e já negociou a partilha de encargos com a empresa do Oeste que fornece a fruta. “Eles transportam-na até Évora e nós vamos lá buscá-la” para assim dividir o custo da deslocação.
“Olhando para o futuro, honestamente e na parte agrícola, não é nada promissor”, salienta António Tavares, dando um exemplo: “Tenho um acordo com um pequeno produtor pecuário que traz o seu rebanho para a minha exploração para a limpar de ervas e matos e ao mesmo tempo fertilizar os terrenos”. Com a seca prolongada, associada às altas temperaturas ambiente e fraca precipitação atmosférica, os animais deixaram de ter pasto.
A situação que é recorrente tornou-se dramática para os donos dos rebanhos de ovelhas e cabras. Deixaram de ter fundo de maneio para a aquisição de rações que estão a um preço inacessível, uma situação que se tornou dramática devido à falta pasto para os animais. Sem condições para sustentar os rebanhos resta-lhes vender os borregos abaixo do preço do que gastaram com eles para que os animais não morram à fome.
“A agricultura, tal como está, passou a ser uma actividade muito complicada e vai obrigar-me a ponderar um plano B, para garantir a sustentabilidade da minha família”. C.D. […]