De todas as pessoas que podem desempenhar um papel fundamental no combate às alterações climáticas, há um grupo fulcral cuja opinião falta muitas vezes ouvir neste debate global crucial: Dar voz aos agricultores.
Atualmente, a agricultura é um fator importante na equação ambiental: contribui com 12% das emissões globais de gases com efeito de estufa (GEE) e utiliza 70% de toda a água doce disponível. No entanto, estima-se que 828 milhões de pessoas passaram fome em 2021.
É um facto que o problema da fome se agravou, em parte devido ao impacto negativo que a guerra na Ucrânia teve no abastecimento alimentar mundial. E a fome não é apenas um problema em algumas partes do mundo. Recentemente, a Administração Biden realizou a Conferência da Casa Branca sobre Fome, Nutrição e Saúde, destinada a ajudar os milhões de americanos afetados pela insegurança alimentar e doenças relacionadas com a alimentação.
Em suma: precisamos que a agricultura mundial seja ainda mais produtiva, e não o inverso. Com efeito, nas próximas décadas, os agricultores terão de enfrentar um desafio crescente: produzir alimentos suficientes para alimentar uma população mundial que se estima que atinja os 10 mil milhões até 2050, e, simultaneamente, reduzir drasticamente o impacto da agricultura no meio ambiente.
Além disso, uma vez que os agricultores ambicionam produzir até 60% mais alimentos até 2050, terão de lidar com o impacto devastador que as alterações climáticas já estão a ter nas sua atividade: eventos climáticos extremos sem precedentes, migração de pragas e doenças relacionadas com o clima, e diminuição do acesso a fontes de água doce que já não estão disponíveis.
As alterações climáticas foram o centro do Diálogo Internacional na cerimónia do Prémio Mundial de Alimentação de “Borlaug”, onde a proeminente climatologista, agrónoma e ex-agricultora, Drª. Cynthia Rosenzweig, recebeu o prémio de 2022 pelo seu trabalho pioneiro na modelação do impacto das alterações climáticas na alimentação e na produção agrícola a nível mundial. Como patrocinador de longa data deste evento, nós da Syngenta felicitamos a Dra. Rosenzweig e apreciamos o seu trabalho de décadas de investigação que agora prova ser tão importante.
Se queremos reverter as alterações climáticas e erradicar a fome no mundo, é imperativo que dêmos aos agricultores um lugar à mesa deste debate ambiental e encontremos novas formas de os apoiar com inovações, com políticas governamentais e com parcerias globais que tornem as práticas agrícolas inteligentes, escaláveis e economicamente viáveis.
A agricultura regenerativa é uma peça fundamental do puzzle
Uma das vias mais promissoras para transformar a agricultura é a “Agricultura Regenerativa”. Trata-se de uma abordagem baseada na ciência que prioriza a conservação e a regeneração da saúde do solo e da biodiversidade, com o duplo objetivo de combater as alterações climáticas e melhorar o rendimento e a rentabilidade dos agricultores.
As práticas da agricultura regenerativa incluem a não mobilização do solo, a rotação contínua de culturas, culturas de cobertura e o pastoreio gerido de forma adequada. Outro componente importante é a “agricultura de precisão“: a utilização de tecnologia de ponta e análise de dados para otimizar o rendimento e minimizar a necessidade de produtos químicos.
Muitos agricultores constataram que a agricultura regenerativa pode ser económica e ambientalmente benéfica. Permite que os agricultores poupem dinheiro em fatores de produção como o gasóleo, necessário para a mobilização intensiva do solo, e cria um círculo virtuoso em que o solo cada vez mais saudável produz rendimentos mais constantes. A agricultura regenerativa também sequestra carbono, retirando-o da atmosfera, onde contribui para as alterações climáticas, retendo-o no solo, aumentando a absorção de água e diminuindo a necessidade de produtos químicos como os fertilizantes à base de azoto.
No entanto, tal como em qualquer grande mudança, a transição para a agricultura regenerativa pode ser arriscada para os agricultores e requer uma fase inevitável de tentativa e erro. A agricultura regenerativa necessita de novas máquinas, novas formas de trabalhar e, para maximizar o seu impacto, novas ferramentas e tecnologias digitais. Dado que as condições do solo e do clima variam muito, práticas específicas que geram elevado rendimento para um agricultor em Idaho, nos EUA, por exemplo, não podem simplesmente ser replicadas por um agricultor na Indonésia.
Compensar os agricultores pelos serviços ambientais
Os agricultores são empresários, por isso temos de os ajudar a ganhar a vida pelo trabalho essencial que prestam ao nosso planeta. Isto significa políticas que subsidiem e ajudem os agricultores na transição para a agricultura regenerativa e que continuem a apoiá-los à medida que a investigação e o desenvolvimento evoluem. Nos EUA e na UE, os agricultores regeneradores não são suficientemente compensados pelo seu trabalho em prol do ambiente.
Apoiar os agricultores significa também desenvolver ferramentas e soluções inovadoras que lhes permitam minimizar a utilização de produtos químicos, maximizar o rendimento e dar prioridade à saúde do solo, utilizando dados em tempo real e análises avançadas. Um exemplo é a plataforma digital Cropwise da Syngenta, que os agricultores já estão a utilizar para gerir quase 200 milhões de hectares. A Cropwise permite que os agricultores monitorizem dados agronómicos com grande pormenor e tomem decisões informadas, desde a seleção das sementes, à proteção das culturas e à data de colheita.
Também podemos ajudar os agricultores a rentabilizar os serviços ambientais que prestam através da criação de um mercado de créditos de carbono agrícola bem-sucedido. Medir o sequestro de carbono, certificar o contributo dos agricultores e garantir que o mercado de carbono funcione de forma equitativa exigirá a cooperação entre empresas, governos e organizações sem fins lucrativos. Temos um longo caminho a percorrer: um inquérito da Universidade Purdue, realizado em 2021, a produtores de culturas à escala comercial concluiu que 39% sabia que pode receber uma compensação pelo sequestro de carbono, mas apenas 1% se candidatou a essa ajuda.
Estamos todos juntos neste desafio
O Grupo Syngenta também faz parte do Imagine Food Collective, que reúne mais de duas dezenas de CEOs do setor agroalimentar para agilizar soluções e práticas amigas do clima. Grandes empresas multinacionais, que normalmente competem, unem-se aqui num propósito de colaboração. E estamos a trabalhar cada vez mais em parceria com universidades e outras organizações de investigação, criando um valioso grupo de especialistas dedicado a encontrar soluções agrícolas sustentáveis e resultados verificados de forma independente. Um exemplo é uma parceria com universidades e institutos de investigação na Dinamarca, para investigar como diferentes sistemas agrícolas podem ajudar a cumprir as metas do clima, do solo e de rendimento em diferentes tipos de terrenos.
Há alguns anos, teria sido invulgar ver grandes empresas agrícolas unirem esforços e colaborar com organizações ambientalistas desta forma. Mas o desafio de travar as alterações climáticas, e, simultaneamente, aumentar a produção de alimentos exige uma mudança radical na forma habitual de fazer negócios.
Os agricultores são os administradores supremos da nossa terra, mas sozinhos não conseguem fazer a transição para práticas sustentáveis e regenerativas. Ao dar-lhes um lugar à mesa do debate sobre o clima, e instrumentos, financiamento e assistência técnica para implementar as melhores práticas de forma rentável, a nossa sociedade global tem a oportunidade de alimentar o planeta e também de o preservar.
O artigo foi publicado originalmente em Alimentar com inovação.