Centenas de imigrantes vivem em condições precárias, em quartos sobrelotados. Muitos vivem na rua, sem trabalho e sem dinheiro. O PÚBLICO acompanhou uma equipa da Cáritas durante um dia, em Beja.
Com o fim da apanha da azeitona que se espera para os próximos dias, este ano condicionada por uma quebra drástica no volume de produção, espera-se que o número de imigrantes sem abrigo aumente nas ruas de Beja e nos concelhos limítrofes de Serpa, Ferreira do Alentejo, Cuba e Vidigueira.
O provedor da Cáritas Diocesana de Beja, Isaurindo Oliveira, disse ao PÚBLICO já ter alertado o director do Centro Distrital da Segurança Social de Beja para que seja accionado o Plano de Protecção Civil e preparado “o apoio que terá de ser dado às pessoas em situação de sem abrigo”, que vão aparecer nas ruas de Beja com o finalizar da campanha de colheita de azeitona.
“Nestes últimos dias já foi sinalizada mais de uma dezena de pessoas” em situação de sem abrigo, alerta o dirigente da Cáritas, frisando que “estas pessoas têm de ser alojadas num período em que o frio aperta”.
Madalena Palma e Inês Féria, dirigentes da associação Estar, uma plataforma de apoio logístico a imigrantes, corroboram a preocupação expressa por Isaurindo Oliveira: “A cidade de Beja está a enfrentar situações muito dramáticas sem conseguir dar resposta ao nível de habitação de emergência e, mais grave ainda, está a enfrentar situações de fome num número de casos bastante considerável”, uma realidade que está a ser superada com o apoio de particulares e das ofertas provenientes dos supermercados. As dirigentes da associação destacam uma dificuldade no apoio alimentar: cerca de 90% dos imigrantes apoiados são muçulmanos e a confissão religiosa “obriga a constrangimentos para nós na questão alimentar; noutros casos, surgem-nos pessoas que dizem ser vegetarianas”.
Em apenas uma hora, o PÚBLICO contou sete pessoas que se deslocaram à sede da Associação Estar, para recolher alimentos, produtos de higiene e roupa. “Por dia, chegamos a atender cerca de 80 pessoas”, adiantou Madalena Palma.
“Estamos perante um problema social grave”, e o maior problema reside na “falta de organização e de planeamento” para intervir no apoio às pessoas nestas circunstâncias, observa o provedor da Cáritas, realçando a importância do trabalho que a equipa de rua está a desenvolver. Presta apoio às pessoas que se encontram sem alojamento, a suportar as vagas de frio e de calor, identificando problemas de saúde e de comportamentos adictivos e acompanhamento aos diversos serviços em caso de necessidade.
Apoio alimentar e acesso a higiene
Os sem-abrigo recebem, através da Cáritas, apoio alimentar e têm acesso à higiene e ao tratamento das roupas, medicação assistida e cuidados de saúde primários.
O PÚBLICO acompanhou também durante um dia uma equipa da Cáritas, que sai todos os dias ao encontro dos que dormem na rua. Deparamo-nos com percursos de vida “muito desestruturados”, dizem Filipa Duarte e Diogo Santana, funcionários da Cáritas. Alguns revelam resistência à procura de ajuda. É o caso de “Zé”, apenas “Zé”, com cerca com 50 anos, que a equipa encontra a caminhar sem destino à procura de beatas de cigarro. É difícil o diálogo. “Durmo aqui”, aponta com um movimento de queixo e mãos nos bolsos. E o local onde dorme é no chão no meio de arbustos e por debaixo de uma árvore, junto a um supermercado.
Diogo Santana diz que “Zé” dormia anteriormente num sítio mais resguardado, “até que lhe disseram para sair”. Filipa Duarte recorda o momento em que a equipa se deparou com as “mantas encharcadas e os papelões” que lhe serviam de colchão “desfeitos pela humidade”.
Em silêncio, aceita uma máscara para se proteger da covid, leite, bolachas, que coloca nos bolsos do casaco ressequido pela sujidade e pelo uso. “Quando é que vais à Cáritas buscar uns sapatos em condições? Os que trazes já estão estragaditos”, pergunta-lhe Diogo Santana. Mas “Zé” opta por se afastar para prosseguir mais uma das suas caminhadas diárias sem destino. Filipa Duarte realça o progresso que representa aquele curto diálogo. “Já conseguimos que fosse às instalações da Cáritas tomar banho, cortar o cabelo e a barba”, observa.
Já dentro da cidade de Beja, a equipa procura um jovem marroquino, mas só consegue perceber o local onde dormia, por debaixo de uma […]