No estuário do Tejo capturam-se aves para aprender com elas

Uma noite de captura de aves é sempre uma incógnita, nunca se sabe quais e quantas vão aparecer. Quando se procura espécies específicas, ainda é mais complicado.

Não chove, há lua nova e o vento não é forte. São 22h30 e nas Salinas de Vale de Frades, em Alcochete, oito biólogos preparam-se para montar as redes que os vão ajudar a capturar as aves que procuram refúgio nesta zona, quando a maré começa a subir no rio Tejo. O pico da maré está marcado para as 3h, pelo que, muito antes dessa hora, tem de estar tudo pronto, para, com sorte, conseguirem capturar as espécies que mais desejam nesta noite: maçaricos-de-bico-direito (Limosa limosa), pernas-vermelhas (Tringa Totanus) e tarambolas-cinzentas (Pluvialis squatarola).

São essas as espécies que estão no centro do doutoramento em Biologia e Ecologia das Alterações Globais, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, de João de Freitas Belo, e, como explica o seu orientador, José Alves: “É sobretudo para o João que estamos aqui hoje.” Entre o muito material que o grupo carrega para a área de trabalho estão 12 GPS, que esperam conseguir colocar ao longo da noite, em aves capturadas daquelas três espécies.

A informação que daí sairá, permitirá a João perceber os movimentos das aves dentro do estuário do Tejo e, cruzando esses dados com outros recolhidos pelo biólogo, espera-se perceber se elas estão a utilizar as melhores áreas de alimentação e, caso não estejam, porquê. “Estamos a lidar, é claro, com desequilíbrios do clima, mas aqui as principais perturbações parecem ser os mariscadores. Se as aves não vão para as melhores áreas de alimentação, tentamos perceber porquê”, explicará ele, ao longo da noite.

Umas horas antes, João esteve nas salinas, a ver que zonas tinham sido privilegiadas pelas aves na maré alta diurna. Uma informação que, agora, ajuda o grupo a escolher o local para colocar as redes. Mochilas e todo o material que não é necessário são deixados numa tenda montada para a noite, que aparece como um farol de luz, no meio dos campos escuros. Embora, como salienta José Alves, a poluição luminosa causada pelas cidades em redor seja, hoje, muito superior ao que era há 20 anos. Rodando o corpo ele aponta as manchas de luz de Porto Alto, Alcochete, Lisboa. Em ruído de fundo, estão os carros que passam ao longe. Mas, quando as nuvens se afastam, deixando o céu a descoberto, ainda se vê ali um manto de estrelas que já não é acessível aos olhos de quem está nas cidades portuguesas. E isto, associado ao canto das aves em redor, ajuda a perceber que, ainda assim, há ali algum isolamento.

Os biólogos contam com isso e com vários truques para conseguir capturar as aves. Usam apenas luzes frontais e quase sempre vermelhas, para não serem demasiado fortes; colocam aves falsas (negaças) junto às redes, na expectativa de atrair as verdadeiras que ali cheguem; e deixam gravações com cânticos variados presas nas estruturas, criando a ilusão de que é um bom sítio para parar.

De galochas altas e muito cuidado para não perder o equilíbrio enquanto caminham na lama que cobre as salinas alagadas, prendendo os pés a cada passo, o grupo divide-se em dois e monta quatro redes em outros tantos pontos distintos. É um trabalho feito quase na escuridão, com cuidado para que tudo fique perfeito – colocar varas, esticar redes, prendê-las com guias presas na vegetação e a ajuda de estacas. Depois, deixar as negaças, activar a gravação e afastarem-se para a tenda, com a luz, entretanto, desligada, para não perturbar as aves que chegam.

A última rede está quase pronta quando se começa a ouvir o guincho repetido de uma ave. João e Ana vão ver o que se passa e […]

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