Transformar um mau presságio num novo paradigma para a biodiversidade
A 15.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica – COP15 decorre de um longo processo negocial. A reunião estava inicialmente prevista para o final 2020 em Kunming na China, mas os anfitriões chineses adiaram a reunião quatro vezes devido a preocupações com a Covid-19 antes de ser transferida para Montreal, no Canadá. A China já celebrou a sua própria Cimeira da Biodiversidade, aquilo que se considerou a primeira parte da COP15, em outubro de 2021 – um evento com a presença do presidente chinês Xi Jinping, mas poucos convidados internacionais. Esta segunda parte da COP15, agora em dezembro, tem logo à partida um protagonismo menor dado pela China, dado que não contará com a presença do presidente Xi e terá uma difícil copresidência conjunta da China e Canadá. Apesar dos sinais positivos nas negociações que duram há alguns anos, há um conjunto de preocupações que permanecem pela dominância de interesses de algumas empresas e a relutância de muitas Partes em se comprometerem com os passos necessários para garantir o futuro de toda a vida na Terra.
Não podemos subestimar a importância da COP15. O planeta está em crise, com mais de um milhão de espécies ameaçadas de extinção. A menos que tomemos medidas efetivas para lidar com as causas subjacentes da perda de biodiversidade, espera-se que o declínio continue a acelerar, impactando a nossa qualidade de vida, bem-estar e o futuro de toda a vida na Terra.
Mas o verdadeiro mau presságio para a COP15 está num mau resultado relativamente ao novo plano estratégico na forma de um Quadro Global de Biodiversidade que colocaria a humanidade no caminho certo com a visão de “viver em harmonia com a natureza” em 2050. Este Quadro é frequentemente visto como o “Acordo de Paris” para a biodiversidade; um novo compromisso político que gerará ação política e apoio financeiro nos próximos anos. Mas com apenas 14 dias de negociação restantes e centenas de desacordos entre as Partes, muitos deles profundos, teme-se um desastre diplomático.
Mais ainda, o que precisamos não é apenas metas simbólicas, mas um Quadro Global para a Biodiversidade que reflita um paradigma verdadeiramente novo na conservação da biodiversidade, sublinhando a visão 2050 da Convenção: “Viver em harmonia com a natureza”. Tal paradigma deverá ser construído com respeito pelos direitos, funções, necessidades e aspirações de elementos como os Povos Indígenas, mulheres e comunidades locais na conservação da biodiversidade. Em vez de proteger as áreas das pessoas, deverá promover a conservação por e para as pessoas.
Cinco princípios-chave
Para a ZERO e demais organizações não-governamentais, há um conjunto de princípios que devem orientar as negociações na COP15 em Montreal.
- Urgência – não podemos esperar mais;
- Responsabilização – é fundamental que haja comprometimentos válidos e seguros e que haja mudanças pelos responsáveis da destruição da biodiversidade;
- Justiça – tem de se contrariar o facto de serem as populações mais vulneráveis as que menos beneficiam dos recursos;
- Direitos – é fundamental respeitar os direitos de Povos Indígenas e de comunidades locais;
- Ecossistemas – sem os serviços que nos prestam e com uma maior resiliência quando maior a sua diversidade, a humanidade não tem suporte para a vida.
Quatro metas para 2050 e 21 metas de ação urgente para 2030
Como já referido, o documento principal em que estará assente toda a negociação durante esta Conferência é o designado Quadro Global para a Biodiversidade pós-2020. Este documento propõe quatro metas com marcos a serem avaliados em 2030 e 21 metas de ação urgente já para 2030.
As metas para 2050 consignam:
- assegurar a integridade de todos os ecossistemas, com um aumento de pelo menos 15% da sua área, garantindo-se a conectividade e integridade dos ecossistemas naturais, apoiando-se populações saudáveis e resilientes de todas as espécies, com a taxa de extinções a ser reduzida em pelo menos dez vezes, e o risco de extinção de espécies a ser reduzido para metade;
- valorizar as contribuições da natureza para as pessoas através de ações de conservação e uso sustentável dos ecossistemas;
- garantir que os benefícios da utilização dos recursos genéticos são compartilhados de forma justa e equitativa, com um aumento substancial nos benefícios monetários e não monetários compartilhados;
- ultrapassar a lacuna entre os meios financeiros disponíveis e outros meios de implementação e os necessários para alcançar a visão para a salvaguarda da biodiversidade em 2050.
Entre as 21 metas para 2030 destacam-se:
- Assegurar que pelo menos 30 por cento das áreas terrestres e marítimas mais importantes em termos de conservação da natureza são classificadas como áreas protegidas;
- Garantir que pelo menos 20 por cento dos ecossistemas degradados de água doce, marinhos e terrestres estejam em restauração;
- Reduzir a poluição de todas as fontes a níveis que não sejam prejudiciais à biodiversidade e às funções do ecossistema e à saúde humana;
- Minimizar o impacto das alterações climáticas na biodiversidade;
- Garantir benefícios dos ecossistemas, incluindo nutrição, segurança alimentar, medicamentos e meios de subsistência para as pessoas, principalmente as mais vulneráveis;
- Integrar totalmente os valores da biodiversidade em políticas, regulamentos, planeamento, processos de desenvolvimento, estratégias de redução da pobreza, contas e avaliações de impactos ambientais em todos os níveis de governo e em todos os setores da economia, garantindo que todas as atividades e fluxos financeiros estejam alinhados com os valores da biodiversidade;
- Assegurar que as pessoas sejam encorajadas e capacitadas a fazer escolhas responsáveis e tenham acesso a informações e alternativas relevantes.
Mais do que o novo financiamento é evitar o financiamento prejudicial
Um enorme problema para a biodiversidade são as ameaças externas que continuam a crescer, como a conversão de terras em monoculturas agroindustriais. A extração contínua de combustíveis fósseis, mineração e desflorestação também representa uma ameaça significativa à biodiversidade. Cinicamente, muitas dessas ameaças são financiadas direta ou indiretamente pelos países: os governos gastam cerca de 500 mil milhões de dólares anualmente em subsídios e outros incentivos perversos que promovem atividades que prejudicam a biodiversidade. Além disso, mais de 2,6 biliões de dólares são gastos anualmente em investimentos públicos e privados prejudiciais à biodiversidade. Isto é, os recursos financeiros prejudiciais são os verdadeiros impulsionadores da perda da biodiversidade. Felizmente, há um crescente reconhecimento de que o chamado “alinhamento” desses fluxos financeiros com o Quadro Global da Biodiversidade deve estar no cerne da sua estrutura para ter êxito a par de aumentar o dinheiro efetivamente bem utilizado proveniente de todas as fontes para pelo menos 200 milhares de milhões de dólares por ano, incluindo recursos financeiros novos, adicionais e efetivos, aumentando em pelo menos 10 milhares de milhões de dólares por ano os fluxos financeiros internacionais para países em desenvolvimento.
E Portugal?
Em Portugal, a destruição de ecossistemas relevantes pelos incêndios e as suas consequências em termos ambientais e também sociais e económicas são um dos maiores fatores de preocupação, principalmente com o agravamento das alterações climáticas. O país está também atrasado nos planos de gestão das Zonas Especiais de Conservação e na cartografia de habitats, bem como na publicação de legislação sobre o cadastro dos valores naturais classificados. Temos casos relevantes de conservação que merecem a nossa preocupação – a preservação das aves estepárias e o lobo ibérico. A ZERO continua a apelar à necessidade de se atingir 30% de áreas classificadas, 10% de área com um estatuto estritamente protegido, e 30% de incremento no estado de conservação de habitats e espécies em estado de conservação desfavorável.
Fonte: ZERO