Estudo comprovou que o aumento da emissão de dióxido de carbono reduz a incidência do bicho mineiro no cafeeiro.
Essa é uma das piores pragas da cultura no Brasil, capaz de causar perdas de até 50%.
O experimento faz parte do modelo FACE, que testa o efeito do aumento das emissões de carbono a céu aberto.
O FACE Climapest foi o primeiro experimento desse tipo com o café na América Latina e o único no mundo.
Poucos estudos consideram os efeitos das mudanças climáticas sobre doenças e pragas de plantas.
Conhecê-los é fundamental para apontar estratégias de manejo das culturas agrícolas no futuro.
Estudo desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente indica que o aumento da emissão de dióxido de carbono (CO2) reduz a incidência do bicho mineiro, uma das piores pragas do cafeeiro no Brasil, capaz de causar perdas de até 50% na cultura. A conclusão é resultado de um experimento do tipo FACE – Free Air Carbon-dioxide Enrichment (saiba mais em quadro nesta matéria), que vem sendo muito utilizado pela pesquisa científica para obtenção de respostas em agroecossistemas naturais intactos. O trabalho, realizado entre os anos de 2011 a 2015, mostrou também impactos positivos na altura das plantas, número de folhas e diâmetro do caule, mas nenhum efeito na incidência da ferrugem, outra doença muito nociva a essa cultura no País.
Os experimentos do tipo FACE permitem a emissão de dióxido de carbono a céu aberto para avaliar os efeitos do gás nas plantas de interesse agropecuário. O FACE Climapest, idealizado pela então pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Raquel Ghini, com base nesse modelo, foi o primeiro da América Latina e o único no mundo a estudar a cultura do café nesse ambiente. Além disso, foi também pioneiro na priorização do estudo de problemas fitossanitários.
Para a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Katia Nechet, as mudanças climáticas representam uma ameaça às plantas, mas poucos estudos consideram o seu efeito sobre doenças e pragas de plantas, especialmente em biomas tropicais com culturas perenes. Entretanto, são informações cruciais para apontar estratégias de manejo das culturas no futuro, especialmente em relação ao clima, uma vez que as emissões cumulativas de dióxido de carbono determinarão em grande parte o aquecimento global no final do século XXI, com projeção de aumento em torno de 1,5°C na temperatura do planeta, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
“O FACE Climapest proporcionou conhecer o efeito desse aumento no café e em suas principais doenças e pragas, em estudos conduzidos a céu aberto, em condições mais realistas, para entender o efeito do aumento de dióxido de carbono na incidência de pragas e doenças. Experimentos assim requerem estudos que podem levar mais de três anos para plantas perenes, como o café”, explica o também pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Wagner Bettiol.
O Brasil, maior produtor de café do mundo, foi responsável por 33,6% da produção mundial na safra 2021/2022. A ferrugem do cafeeiro e o bicho mineiro podem levar a perdas que variam de 30% a 50% e de 30% a 70%, respectivamente. O estudo da relação entre as variáveis climáticas e a produção agrícola é essencial, não só para identificar a vulnerabilidade dos sistemas de produção, mas também para propor estratégias de adaptação, visando garantir a oferta de alimentos nas mais diversas condições ambientais.
Como funciona o FACE Climapest
O FACE Climapest foi implantado em março de 2011 na Embrapa Meio Ambiente, utilizando mudas das cultivares de café Catuaí Vermelho IAC e Obatã IAC. As mudas foram transplantadas em uma área de 7 hectares com 12 parcelas experimentais, sendo que metade recebia o enriquecimento com dióxido de carbono e a outra metade da área, plantas sob concentração natural de dióxido de carbono.
O gás foi injetado de modo que o vento promovesse uma mistura do dióxido injetado com o ar e o transportasse para o centro das parcelas. A Embrapa Instrumentação ficou responsável pela estrutura baseada em uma rede de sensores sem fio, que permitiram que as mudanças de concentração de dióxido de carbono, influenciadas pelo vento, fossem rapidamente acompanhadas.
Crescimento das plantas
Ao longo dos três anos de avaliação, o diâmetro dos cafeeiros cultivados sob dióxido de carbono elevado foi de 3% a 12% maior do que os submetidos ao carbono-ambiente em todas as avaliações. O número de folhas apresentou variação ao longo do período, uma vez que foi influenciado por fatores externos, além do dióxido de carbono, como, por exemplo, colheita manual e incidência de pragas. “Mesmo assim, das 17 avaliações realizadas, 10 apresentaram maior número de folhas”, explica Regiane Iost, que durante seu mestrado e doutorado na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), participou da condução do experimento.
A incidência da ferrugem do cafeeiro nos tratamentos com aumento de dióxido de carbono foi baixa e estatisticamente semelhante, nos anos de 2014 e 2015, em função das condições climáticas e da aplicação de fungicidas. Por outro lado, a incidência do bicho mineiro foi menor em plantas cultivadas sob o aumento de dióxido de carbono, o que mostrou a mesma tendência apresentada em resultados preliminares conduzidos no FACE Climapest entre 2011 e 2013.
“Sabe-se que a duração do ciclo total do bicho mineiro é fortemente influenciada pela temperatura. No experimento, a temperatura foi semelhante para os tratamentos com diferentes concentrações de dióxido de carbono, o que sugere que o aumento pode ser responsável pela menor ocorrência da doença”, explica Nechet.
O café e as mudanças climáticas no Brasil
O Departamento Econômico do Sistema Faesp – que engloba a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e sindicatos rurais – divulgou o boletim de “Acompanhamento da Safra Paulista 2022”, relativo a setembro, com a síntese do levantamento das safras brasileira e paulista de café no período. Os dados são da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Começando pelos destaques no estado de São Paulo, a terceira estimativa da Conab para a safra de café 2022 traz uma queda de 530,8 mil sacas, em relação ao último levantamento. A perspectiva é de que sejam colhidas 3,9 milhões de sacas de café arábica. A queda de 2,6%, na comparação com o volume colhido em 2021, demonstra a severidade dos impactos dos eventos climáticos adversos sobre as lavouras paulistas de café, visto que o ciclo anterior foi marcado pela bienalidade negativa, em que o rendimento das lavouras é geralmente bem menor.
Esta safra foi marcada por períodos críticos de escassez hídrica, em decorrência do fenômeno climático La Niña, e também por geadas em importantes regiões produtoras, ocasionando perdas no potencial produtivo das lavouras. Além disso, o longo período de estiagem ocorrido no estado de São Paulo em 2021, somado às altas temperaturas e aos episódios de geada em momentos importantes para o desenvolvimento das lavouras, já apontava para a expectativa de que não se alcançaria o potencial produtivo característico deste ciclo.
Em termos de superfície plantada, a área total com café na safra atual foi mantida em comparação a 2021 (menos 0,22%) e está avaliada em 210 mil hectares. Desse total, 199,8 mil hectares são de área em produção (alta de 0,81%) e 10,25 mil hectares de área em formação (queda de 16,9%). O número total de cafeeiros é estimado em 746 milhões (incremento de 9,8%), sendo 709,4 milhões de pés em produção (alta de 11,5%) e 36,6 milhões de pés em formação (queda de 15,1%).
No que se refere ao panorama nacional, o terceiro levantamento da Conab para a safra 2022 reduziu em 3 milhões de sacas as estimativas para a produção brasileira de café (de 53,43 milhões de sacas para 50,38 milhões de sacas estimadas). Esse volume, embora represente um aumento de 5,6% em relação aos resultados da safra anterior, quando comparado a 2020, ano marcado pela bienalidade positiva assim como o atual, indica uma queda de 20,1% no volume total de café produzido. (Com informações da Faesp).
Artigo publicado originalmente em Embrapa.