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Conselho de Presidentes – Discurso do Presidente da CAP

No dia 25 de Novembro, no encerramento do Conselho de Presidentes, o Presidente da CAP, Engº Eduardo Oliveira e Sousa, fez este discurso, dirigindo-se à Ministra da Agricultura:

Exma. Sra. Ministra da Agricultura

Faz hoje exactamente três anos que nesta mesma sala e perante uma assistência semelhante (alguns dos presentes são outros, como é natural acontecer nas organizações vivas e dinâmicas) aqui a recebemos no primeiro dia de trabalhos deste Conselho.

Estávamos em 2019, pouco tempo após o seu inicio de funções como Ministra da Agricultura.

Foi uma reunião memorável, que culminou, no dia seguinte, com a condecoração com que Sua Excelência o Senhor Presidente da República agraciou a Confederação, reconhecendo publica e institucionalmente o trabalho que esta realiza na defesa do sector e dos agricultores de Portugal, no seu conjunto, mas muito especialmente enaltecendo o resultado de já perto de 50 anos de vida activa junto do poder institucional, de forma isenta, objectiva, ponderada, verdadeira e, muito particularmente, pela sua acção alicerçada em conhecimento técnico e interligado com a evolução contínua que caracteriza a agricultura, hoje, mais do que nunca, a braços com um conjunto de matérias de grande impacto no dia a dia do sector e da vida dos agricultores.

Mas é uma evolução incerta, face a um futuro angustiantemente imprevisível, como sejam conhecer-se a evolução das alterações climáticas, da guerra em solo europeu, (que não abranda e menos ainda se vislumbra o seu tão almejado fim), mas também um assunto que considero dos mais difíceis de equacionar, que é a relação com uma sociedade inebriada e intoxicada pela demagogia, pela ignorância e pela intolerância.

A facilidade com que hoje se comunica, desligada de uma análise ponderada, leva à percepção do momento e não a um discernimento sensato. É uma comunicação que se torna facilmente viral e na maioria dos casos errada e deturpadora da realidade.

É um domínio que se afasta demasiado do nosso ADN, e que embora esteja identificado, os seus efeitos podem ser tão ou mais devastadores que os anteriormente referidos, por si só de gravidade extrema.

Exa. está hoje nesta sala com dupla representação. Representa o Ministério da Agricultura, e também da Alimentação (e muito bem), mas está especialmente em representação do Senhor Primeiro Ministro, que por impossibilidade pessoal, em V. Exa. delegou a sua vinda até Tomar para encerrar os trabalhos destes dois dias de reflexão e preparação para abraçarmos os próximos três anos.

Aliás, aproveito para referir que o próximo Conselho de Presidentes ocorrerá em pleno aniversário dos 50 anos da fundação da CAP, o que não só desejo que aconteça em

ambiente de muita alegria, mas principalmente que possa ocorrer em ambiente mais favorável do que hoje, pelas preocupações que referi e, particularmente, pelas que referirei de seguida.

Dizia eu, Sra. Ministra, que V. Exa. hoje, representando o Sr. Primeiro Ministro, personifica o próprio Governo, pelo que lhe peço alguma atenção sobre alguns assuntos que muito condicionam a vida futura deste sector, cada vez mais “embrulhado” em assuntos da esfera de outros Ministérios, com destaque para o do Ambiente e Acção Climática, e agora, pelos vistos também, o da Coesão Territorial.

Escolhi a palavra “embrulhado” de propósito. Não é simpático, devo reconhecer, mas espelha de forma directa a confusão e a mistura de conceitos, de regras, de falta de objectividade, de sentido de oportunidade, de razoabilidade, de compatibilidades, de reconhecimento e até de conhecimento básico ou elementar sobre inúmeras matérias que impactam com a vida dos agricultores e com o progresso da actividade agrícola.

Eis algumas questões mais objectivas.

A Senhora já me conhece, sabe que não fujo aos assuntos nem às palavras, pois aprendi desde cedo com o meu Pai, que é a verdade que nos deve guiar na vida. Por vezes é dura e até cruel, mas se fugirmos à verdade, viveremos na mentira, no fingimento, ou mesmo na omissão. Nesta questão, não tenho nem meio-termo nem meias tintas. Opto pela verdade.

Por isso lhe digo, Sra. Ministra, que a passagem das Florestas para o Ministério do Ambiente é hoje, na análise que fazemos e pelos números oficiais conhecidos, um desastre. Basta vermos os indicadores económicos e patrimoniais do sector florestal desde o início da implementação da anunciada “Reforma da Floresta”, em 2015. E após a passagem do ICNF para o Ministério do Ambiente, em 2019, as curvas desses indicadores, sempre descendentes, ainda mais se acentuaram e, infelizmente, se nada se alterar no curto prazo, assim continuarão até à irrelevância e falência do sector, na maioria dos seus componentes. O pior disto tudo, é que o governo sabe.

O que deveria ser alvo de imediata reflexão seria a separação do ICNF em duas estruturas, devolvendo as Florestas à sua verdadeira expressão de sector misto de economia e protecção ambiental, deixando o ICN com os assuntos mais “puros” de defesa da Natureza.

Tivemos razão no início deste processo, temos razão hoje, e não o reconhecer é, usando uma expressão simples, meter a cabeça na areia, como faz a avestruz.

Deveria de ser recuperada a Direcção Geral das Florestas, regressando ao Ministério da Agricultura, mantendo o ICN no Ambiente. Houve um tempo em que se lhe juntou um B de Biodiversidade. Pois que seja, mas as Florestas justificam, e é urgente, terem de volta a sua casa própria, a sua cabeça própria, a sua estratégia própria.

Outro assunto que tanto impacta com o sector, e nos dias actuais com uma importância cada vez maior e urgente, é a água. A tarde toda não seria suficiente para debatermos em detalhe e em profundidade o tanto que há para fazer no que à água respeita. Mas é incompreensível, inadmissível, mesmo, assistir à inoperância, à falta de visão, até mesmo a uma postura contra a utilização da água pela agricultura, como se fosse possível, num país como o nosso, olhar para o sector agrícola sem ser com uma envolvência absoluta com a gestão do mais precioso recurso que sustenta qualquer cultura, qualquer actividade, qualquer projecto, qualquer sub-sector, agrícola, pecuário, intensivo, extensivo, em estufa, ao ar livre, com ou sem floresta, com mais ou menos drenagem, regada ou não regada, há alguma coisa que se possa fazer no campo sem que a água esteja no seu cerne? Já me ouviu seguramente dizer que a água está para a agricultura, como o sangue está para o nosso corpo. Até mesmo o sangue é constituído por água. Água é vida, não é verdade?

Ora, temos (ou melhor, creio que ainda temos) uma Direcção Geral no Ministério da Agricultura, a DGADR, (a minha Direcção Geral, de que fui eu próprio funcionário 30 anos e que infelizmente não está presente na sala) uma casa de técnicos, uma casa de projectos, uma casa de implementação de estratégias, muitas delas definidas em conjunto com a denominada Hidráulica (os Hidráulicos, como lhe chamávamos no meu tempo), mas que hoje quase passa despercebida, tal é o desdém que a toda poderosa APA, a “dona” da água, lhe (des)considera.

Mas não só. Na minha opinião, e é apenas minha, o próprio Ministério da Agricultura, no que aos assuntos da água respeita, reduziu a importância da DGADR deixando o sector agrícola, e obviamente os agricultores, entregues a si próprios na luta inglória que diariamente travam com os processos, regras ou a inércia seguida pela APA. Um exemplo, o incompreensível impasse que se vive no Regadio a Sul da Gardunha, com origem na Barragem de Santa Águeda, onde a opinião (ou oposição) de um autarca se sobrepõe ao anseio colectivo dos agricultores de toda uma região e impede o avanço de um tão desejado projecto de regadio. Ainda não ouvi a DGADR a impor-se.

A APA, é fundamental. Nada temos contra a APA, ou o velho Instituto da Água. Ela é necessária e é mesmo impensável não haver um organismo que se dedique, em exclusividade, diria mesmo, à salvaguarda do recurso, à promoção da sua gestão (governança, como gostam que se diga), à implementação de políticas condizentes com objectivos de salvaguarda, seja de qualidade ou de quantidade, no espírito da Directiva Quadro ou mesmo do Pacto Ecológico Europeu.

Mas infelizmente não é assim. A APA é hoje uma força de bloqueio, um obstáculo de oposição gratuita, levando à exaustão os agricultores por falta de oportunidade e de objectividade das suas orientações. É um saco sem fundo, onde a palavra taxa deve valer mais que a palavra sobrevivência.

Sobre taxas, Sra. Ministra, muito há também para dizer. Como V. Exa. está em representação do Governo, apenas lhe refiro que as taxas, o exagero das taxas, onde a APA e a DGAV são as campeãs nacionais, são o reflexo de um Estado mal concebido, obeso, pesado, faminto de dinheiro que, por não o conseguirem através de orçamentos internos equilibrados e adequados a um funcionamento correcto e moderno, (o que válido também para o próprio Estado), é através das taxas que equilibram as contas das suas envelhecidas e desajustadas estruturas, que hoje, ainda no reflexo das medidas do COVID, cada vez mais se fecham e isolam, afastando-se da razão para a qual existem… a de Servir.

Sem me querer alongar, mas como prova do que estou a dizer, estamos há mais de um ano, muito mais de um ano, com o meu próprio empenho pessoal, ao nível mais elevado, a tentar estabelecer um protocolo de colaboração com a APA, para facilitar a ligação dos agricultores às regras por ela instituídas. Facilitar o entendimento dos regulamentos, ajudar na construção dos processos, agilizar os procedimentos administrativos, tirando partido da nossa presença no território, da nossa ligação aos agricultores pela proximidade estabelecida através das regras da PAC. Pois nada. Nem mesmo a realização de dois ou três seminários fomos ainda capazes de realizar, para esclarecimento e percepção das regras em vigor. NADA, apenas desdém, como quem diz… Não nos chateiem!

Lamento dizer, mas, no que respeita à agricultura, o único pensamento que reconheço à APA é o de a querer sistematicamente combater e contrariar o seu progresso e desenvolvimento.  O que significa senão isso mesmo a expressão “têm que viver com o que há” ou, “têm de adaptar as culturas à disponibilidade”, em vez das disponibilidades às culturas! Paramos no tempo? Congelamos a actividade? Morremos? Como imagina a APA o futuro? Alguém consegue vislumbrar? E onde está a DGADR a fazer contraponto? Onde está o próprio Ministério da Agricultura a defender o sector e a lutar por uma mudança deste paradigma?

As alterações climáticas são uma ameaça, ninguém hoje duvida que temos por diante uma enorme incerteza. Não deveríamos estar todos unidos a debruçarmo-nos sobre as inúmeras vertentes que têm obrigatoriamente de ser trabalhadas, para vislumbramos caminhos de enfrentamento deste mega assunto? Mas não, não estamos. Não estamos entre as distintas tutelas, nem tão pouco internamente com o nosso próprio Ministério, onde a DGADR poderia e deveria ser o centro da análise destas matérias. É de opções técnicas e de aplicação de conhecimento que estou a falar, e que deveriam ser trabalhadas antes de serem tomadas decisões políticas, sempre permeáveis a facções ou a ideologias.

Ainda sobre a DGADR. Precisamos que seja um baluarte na defesa do uso da água na agricultura. Sentimos que na sua génese está lá esse sentimento de defesa, está lá o reconhecimento da verdade e da objectividade da questão, mas onde está a força? A força está aqui, Sra. Ministra, está nesta sala. Estão aqui todos os agricultores de Portugal. São a sua força, assim a senhora a sentisse, ou, mais importante ainda, assim a desejasse. O Ministério da Agricultara tem de reivindicar o seu lugar. Tem de impor a sua importância, tem de puxar pelos agricultores. Existe para os defender e ajudar, enquanto outros, mesmo não o dizendo, agem em sentido inverso.

É isto que lhe exigimos, Sra. Ministra. Que seja Ministra da Agricultura, que lute por um Ministério forte, focado e defensor dos agricultores.

Mudando de assunto, poderia, caso o meu propósito fosse o de fazer uma radiografia completa ao passado mais recente, entrar pela análise do muito que criticámos no que respeita às denominadas ajudas da seca. Mas estou cansado, Sra. Ministra. Não me é agradável de cada vez que se aborda este assunto, ter sempre de dizer a mesma coisa. Por isso concentro a questão das ajudas da seca e também as da guerra numa única palavra. Virtuais. Apenas isso. As ajudas da seca, são VIRTUAIS. E mais não digo

E já que falo em virtuais, Sra. Ministra, é provável que não se recorde, mas, no meu discurso quando aqui esteve connosco há três anos atrás, falei-lhe da necessidade de se agilizar e avançar com o acesso ao financiamento de investimentos fora do PDR, com recurso ao acordo firmado entre Portugal e o Banco Europeu de Investimentos. Que é feito disso, Sra. Ministra? Ainda existe? Serviu para alguma coisa? Alguém sabe? Foi um sucesso? Teve resultados? Onde estão? Alguém os analisou? Preocupou-se sobre isso? Ou será antes mais um assunto que se esfumou e passou a virtual?

O sector, ou melhor, os sectores que compõem a nossa actividade, são vários, todos o sabemos, e nenhum é imune às vicissitudes que atravessamos. A crise energética e dos combustíveis é talvez a que mais nos ameaça actualmente, podendo levar à falência centenas de explorações. O que tem o governo pensado sobre estes assuntos de forma específica para a agricultura? Não nos basta ouvir falar em “mecanismos” ou em painéis agrovoltaicos. Aliás, sobre os painéis fotovoltaicos, à semelhança do que se passa com os licenciamentos dos processos em torno da água (furos, charcas, barragens, etc) a inoperância da DGEG é como a da APA, quem sabe até pior, levando a que muitos desistam ou estejam a aguardar há mais de um ano um simples registo ou autorização de produção. Há alguma envolvência do Ministério da Agricultura nestes assuntos? Não temos notícia, apenas sofremos as consequências.

Sei que me estou a alongar um pouco, mas não posso deixar de fazer algumas chamadas de atenção sectoriais. Começo pelas frutas (frutas, hortícolas e plantas). Para além da enorme demagogia que rola em torno do sector, muito focada numa ou duas regiões, como Odemira e Algarve, onde por mais que os agricultores se esforcem e provem estar a fazer o que deve ser feito, em especial no que aos trabalhadores imigrantes respeita, há sempre um ataque para denegrir o enorme esforço e contributo daqueles empresários para a economia da região e do País, que tanto tem contribuído para as exportações e colheita de impostos. Para quando uma defesa institucional e desmistificadora desta absurda postura “politicamente correcta”?

Quando em 1997 surgiu uma nova política Europeia, muito inovadora, a OCM das frutas e legumes, o sector teve a oportunidade de criar dimensão e organizar-se através das OPs, beneficiando em especial dos programas operacionais. O sector modernizou-se, criou escala e adaptou-se a um mercado cada vez mais global e complexo. Foi um enorme sucesso, mas que não foi aproveitado da mesma forma por todos os Estados membros.

Por cá, apenas 25% do valor da produção é comercializada através de Organizações de Produtores. A média Europeia ronda os 50%, e países com a Bélgica superam os 90%, evidenciando um extraordinário poder negocial e remunerando adequadamente os seus produtores. Uma única OP Belga factura mais do que o conjunto de todas as OPs nacionais.

Entre nós, as políticas de apoio aos pequenos agricultores, muitos deles associados da CAP, são fundamentais e têm o apoio total da Confederação, desde que seja efectuado de uma forma profissional, planeado e com visão de mercado. Mas na prática, as políticas adoptadas não incentivam que os produtores se juntem e organizem, já que quando crescem e ganham alguma dimensão, passam a ser prejudicados e perdem acesso aos apoios.

A prova são os exíguos 25% que referi. Quando a visão é curta e não privilegia a dimensão, o resultado só pode ser fraco! Os pequenos, de tanto se querer ”protegê-los”, mais empobrecem, e os restantes são travados no progresso. O estado em que se encontram muitas OPs é o reflexo desta realidade.

Ainda sobre fruticultura, mas extensivo a outras actividades, como a viticultura, olival e mesmo culturas arvenses, não posso deixar de abordar uma outra questão, que se enquadra no Green Deal, em particular nas “Estratégias do prado ao prato e da biodiversidade”. Tem a ver com a retirada do mercado de cada vez mais produtos ou matérias activas de combate a pragas, doenças e infestantes. A evolução desses produtos tem sido enorme, fruto do trabalho contínuo de cientistas dedicados desde há dezenas de anos, mas a tal comunicação a que me referi no início, associada a muita ignorância e preconceitos, evolui ainda mais rápido, e as decisões políticas uma vez mais ultrapassam e menosprezam a ciência, o conhecimento e a técnica.

Começa a ser difícil cultivar. Pela primeira vez na minha vida profissional, vi e são ainda visíveis, dezenas de hectares de arroz que não foi possível colher e se perdeu definitivamente, por ineficácia na utilização dos produtos autorizados. Toneladas de arroz a serem enterradas e a perderem-se. O mesmo se passa na uva, em hortícolas, na fruta, e até no olival.

O que isto significa (?), para além das perdas de carácter económico (?), significa “Desperdício Alimentar”. Não é apenas no frigorífico, nos produtos fora de prazo, no que sobra nos pratos dos restaurantes ou em casa. É no campo, na perda real e na perda potencial, que se promove o desperdício alimentar, ao invés do que (em teoria) se pretende com a implementação da tal estratégia. Somos contra a estratégia? Não, não somos, mas somos contra a velocidade e à falta de objectividade e ligação ao conhecimento com que está, e vai por ventura agravar-se, a ser promovida e imposta a sua implementação. Cá está, mais uma vez, a política antes da técnica. As consequências são já visíveis, com prejuízo de todos.

O mundo precisa de mais alimentos, de alimentos produzidos de forma mais sustentável (parto do princípio que hoje todos sabemos o que isso significa), e por isso precisamos de rearranjos, tal como fazemos nas nossas casas. De arrumar as coisas de maneira diferente, de promover esta ou aquela estratégia. Por isso, a recém-aprovada estratégia para a produção de cereais, traz expectativa. Precisamos de voltar a produzir cereais, é verdade, mas de forma diferente, numa casa arrumada de outra maneira, escolhendo lugares, ajudando à escolha de novas técnicas de cultivo, novas formas de regar, de rodar culturas. A estratégia precisa de isso mesmo, estratégia, com apoios expressivos, com divulgação enquadrada nos sistemas culturais existentes, com variedades novas, mais produtivas e em busca de produtos de nicho e de formas de agregação de valor. Caso assim não seja, a estratégia esfuma-se mais rápido que o fumo de um cigarro apagado. Será bom que tal esteja já a ser devidamente equacionado. Pelo lado dos produtores o trabalho e o empenho têm sido hercúleos, por isso não podemos, chegados onde se chegou, que possa vir a falhar. O Ministério volta a ter aqui uma enorme responsabilidade. Aqui está o exemplo de uma das tarefas típicas que compete às Direcções Regionais desenvolver e acompanhar.

Também no sector do Vinho se receiam e identificam condicionantes. Nem entro muito pelas questões relacionadas com o tema álcool, pela posição da DG Santé ou mesmo da Organização Mundial de Saúde, ignorando a importância do vinho nas regiões como a mediterrânica, mas não posso deixar de referir o Referencial Nacional para a Certificação da Sustentabilidade:

A Certificação da Sustentabilidade é sobretudo um instrumento de natureza comercial na disputa dos mercados internacionais, pelo que a sua gestão deve ser exclusivamente privada, devendo ser responsabilidade da ViniPortugal, a Interprofissional do Vinho. Mas o Estado continua a cativar verbas, quer no IVV quer no IVDP, que resultam do pagamento de taxas pagas pelos operadores económicos. Se anualmente as taxas geram excedentes deverá o Estado garantir a sua aplicação anual em favor do próprio sector (acabando com as cativações) ou admitir reduzir-lhes o valor, adaptando-as aos custos. Cobrar acima dos custos e gerar excedentes, isso é que não. É inaceitável.

No Olival e no azeite, Sra. Ministra, já que falei de uma interprofissional, desde 2006, ano em que foi constituída a AIFO, entidade que congrega toda a fileira do azeite, o sector tem vindo a discutir com o Ministério a aprovação de uma extensão de norma, que permita a criação da Interprofissional, entidade que tem como objectivo a valorização do património olivícola nacional e a promoção da excelência dos azeites portugueses. O sector sofreu uma enorme revolução nos últimos anos, com a plantação de extensas áreas, sobretudo de regadio, passando Portugal a ser um País auto-suficiente e exportador de um produto de excelente qualidade.

É um sector que enfrenta (como os outros) temas problemáticos, como as alterações climáticas, a mão-de-obra, a valorização dos subprodutos e especialmente do próprio azeite: É urgente terminar este processo.

Na Pecuária, Sra. Ministra, em particular a pecuária extensiva, as preocupações são também muitas. Recordo-lhe que a pecuária extensiva é talvez a mais expressiva actividade do mundo rural, na relação com o território e a sua ocupação regular ao longo de todo o ano. É uma actividade da maior relevância no equilíbrio do ordenamento, na fixação de pessoas que vigiam esses territórios, seja nas planícies, na montanha, perto ou longe das povoações. A pecuária é o berço da agricultura no seu todo, uma actividade que traz benefícios a todas as outras.

Mas, como disse, o sector está preocupado, muito apreensivo. Foi muito mal tratado, no pior período de seca que temos memória, entregue ao seu próprio destino, com inúmeros casos de colapso por falta de apoio na hora certa. Não é justo!

E agora, com o aproximar das novas regras do PEPAC, a angústia está já instalada. Redução de valores, desadequado ajuste de medidas como a Prodi, que deixa de fora os prados, a degressividade das ajudas, desconhecimento da compatibilidade de conjugação de Eco-regimes, o costumado complicómetro burocrático, como na valorização orgânica, ou mesmo a exclusão do sector às ajudas respeitantes ao Bem-estar animal e Uso Racional de Antimicrobianos. São tudo reflexos de uma falta de objectividade no processo de montagem da denominada Arquitetura Verde, que decorreu à margem de um indispensável envolvimento e colaboração com as entidades representativas e conhecedoras dos vários sectores.

Para terminar, Sra. Ministra, dois assuntos, que de propósito deixei para o fim, pois serão ambos, alvo de um documento que lhe entregarei de seguida e que reflecte a análise que fizemos e ontem aqui aprovámos em conjunto, do muito que temos insistentemente referido nos últimos tempos, em especial nos últimos três anos. PDR e agora o PEPAC.

O retrato que fazemos não é positivo. Não nos temos entendido na análise nem nos números do PDR. Permanecem ou não por pagar 1400 M€ (incluindo o Next Generation)? Um financiamento a 100% pela UE. É incompreensível. É inaceitável, num momento em que o investimento se revela da maior importância.

Por mais resiliente que seja a agricultura, o investimento é o motor da sua economia, mas a Administração não se empenha em proporcionar as condições necessárias à prossecução desse investimento. Não é flexível, não é estável nem é previsível. Navega ao sabor das ondas, sem plano, quase mesmo à deriva, diria. Não se entende, assim como não se entende que não aceitem ser ajudados a resolver o problema.

Mas a história parece querer repetir-se com o PEPAC, o seu PEPAC, feito à porta fechada sem a devida e lógica colaboração activa de quem vive e conhece o terreno, quem sente os problemas do dia a dia, quem representa os produtores e agentes do mundo rural.

Talvez no caso do PEPAC esta questão seja até mais grave, uma vez que o sistemático anúncio de milhões para todas e para todos, espelha uma máquina de “propaganda” em torno dos milhões e das certezas de que tudo será melhor no futuro. Mas não é assim, o que se estabeleceu, por exemplo através de um apoio público proporcionalmente decrescente em relação aos montantes de investimento, ignora, ou menospreza, o impacto na economia dos investimentos mais avultados, na criação de valor, em mais emprego e na competitividade.

Misturam-se conceitos, confundem-se realidades, desvalorizam-se estratégias. Em resumo, até para aqueles que são do sector têm dificuldade em deslindar e perceber a coerência dos sucessivos discursos. A deriva é constante.

Seca, guerra, crise energética e alterações climáticas. Como vamos abraçar este gigante? Com estas políticas? Tenho as maiores dúvidas. O PEPAC deverá de ser revisto e alterado, já no próximo ano.

Por fim, Sra. Ministra, mesmo para terminar. A Sra. deve-nos uma explicação.

Explique-nos qual a razão da decisão tomada em Conselho de Ministros na semana passada, de acabarem com as Direcções Regionais de Agricultura, integrando-as nas CCDR.

Foi uma decisão do Governo. O que é que vos vai na ideia?  Porque é que não fomos ouvidos? Quais são os objectivos?

Precisamos de saber, porque, se é para acabar com o Ministério, e na nossa perspectiva é, asseguro-lhe, Sra. Ministra, todos, ouviu bem, TODOS os agricultores de Portugal e as suas organizações, empenhar-se-ão num sério combate a tão absurda decisão.

A decisão está tomada e foi aqui ontem aprovada, a nossa oposição será frontal.

Muito obrigado

Fonte: CAP


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