Do preço da cortiça depende, em muito, a rentabilidade do montado de sobro e, por inerência, a capacidade financeira dos proprietários para assegurar a sua gestão sustentável. O preço, por sua vez, depende do calibre e qualidade da cortiça. Joana Amaral Paulo ajuda-nos a perceber os fatores que condicionam calibre e qualidade da cortiça.
O preço da cortiça é determinante para a sustentabilidade económica do montado de sobro. Por sua vez, a gestão contínua deste sistema agroflorestal, apoiada por profissionais qualificados, é crítica para a sustentabilidade ambiental e social deste ecossistema e do meio rural onde se integra.
Mas nem toda a cortiça tem o mesmo valor: ele varia em função do destino que irá ser dado a este bioproduto agroflorestal, sendo atribuído um preço mais elevado às cortiças cuja qualidade e calibre permitem a produção do mais valorizado produto final – as rolhas de cortiça natural – e minimizem o desperdício de matéria-prima no decorrer do processo industrial.
O preço da cortiça é, assim, determinado pela conjugação de duas características centrais da casca do sobreiro (Quercus suber): calibre e qualidade. Ambas determinam também qual a cortiça que é viável (ou não) para a produção de rolhas naturais.
A chamada “cortiça rolhável” é a que tem entre 25 e 39 milímetros de espessura, ou seja, a que nem é muito delgada nem excessivamente grossa para produzir rolhas com o mínimo desperdício, e que, em simultâneo, tem uma “boa massa”, isto é, baixa porosidade e ausência de defeitos, explica Joana Amaral Paulo, professora e investigadora do CEF – Centro de Estudos Florestais, no Instituto Superior de Agronomia.
A obtenção de cortiça com estas características ditou, inclusive, que os descortiçamentos sucessivos de um mesmo sobreiro respeitem um intervalo mínimo de nove anos, período considerado ótimo para que a casca do sobreiro se torne viável para produzir rolhas naturais – e que está, por isso, inscrito na legislação portuguesa desde 2001 (Decreto-Lei n.º 169/2001).
A cortiça delgada, que não tem espessura para produzir rolhas naturais, é menos valorizada, seguindo para aplicações menos exigentes, como a produção de materiais de isolamento ou peças várias de decoração e até outros tipos de rolha que não a designada natural.
Preço da cortiça acima dos 25 euros para 72% do total vendido em 2021
Apesar da crescente amplitude de materiais e produtos que usam a cortiça como matéria-prima, as rolhas para vinhos e outras bebidas espirituosas continuam a ser o mais importante destino desta matéria-prima, com uma média de 40 mil rolhas produzidas diariamente em Portugal e 73% dos produtos de cortiça a ter como destino a indústria vinícola, revelam indicadores da APCOR – Associação Portuguesa da Cortiça.
Como referido nem todas as rolhas implicam a utilização exclusiva de cortiça natural de qualidade e calibre certos, mas ela está presente em parte significativa:
- As rolhas de cortiça natural são feitas de uma única peça (as mais valorizadas);
- A cortiça natural é também a matéria-prima das rolhas com cápsula, sendo outros materiais aplicados na parte da cápsula.
- As chamadas rolhas colmatadas também são feitas de cortiça natural, embora esta possa ser mais porosa, já que os poros são preenchidos com pó de cortiça.
- As chamadas rolhas técnicas, tal como as de champanhe, juntam discos de cortiça natural a uma estrutura de cortiça aglomerada.
- As únicas que são feitas apenas com granulados de cortiça são, tipicamente, as habitualmente mais baratas (chamadas rolhas aglomeradas).
Em 2021, as exportações de rolhas de cortiça natural representaram 40% dos produtos de cortiça vendidos ao exterior e os outros tipos de rolha 33% (25% de materiais de construção, 1% de matéria-prima e 1% de outros produtos perfazem os 100%), indica o Boletim Estatístico Mercados da Cortiça. O valor das exportações de rolhas de cortiça natural representou mais de 451 milhões de euros e o das restantes rolhas mais de 377 milhões, segundo as Estatísticas Agrícolas do INE – Instituto nacional de Estatística.
Em anos com melhores colheitas vitivinícolas, cresce tendencialmente a procura por rolhas de cortiça natural, já que os produtores de vinhos, a nível mundial, as reservam para vedar os seus néctares premium. Os preços pagos aos produtores portugueses – que são, no seu conjunto, os maiores produtores de cortiça no mundo (46% da produção) – têm flutuado ao sabor desta procura, mas também consoante se registam variações na quantidade de cortiça colhida anualmente, e no seu calibre e qualidade.
Em 2021, 72% da cortiça portuguesa foi comercializada a preços superiores a 25 euros por arroba (a arroba equivale a quase 15 quilogramas), abaixo dos 85% do ano anterior, indica a UNAC, na síntese da campanha da cortiça desse ano. 18% foi vendida no intervalo de preço mais elevado em 2021, entre 35 e 40 euros por arroba, uma descida pronunciada face a 2020, em que 30% tinha sido comercializada na mesma classe de preço.
A média de preço da cortiça amadia (recolhida após o terceiro descortiçamento e, à partida, com propriedades que permitem a produção de rolha) foi de 31,18 euros por arroba, em 2021, recuando desde 2018, um ano excecional no qual ultrapassou os 40 euros.
Seca prejudica calibre e adia descortiçamento
O calibre da cortiça é o resultado do somatório dos anéis anuais do crescimento da casca do sobreiro. Estes anéis são principalmente determinados pelas condições climáticas que se fizeram sentir durante o período de crescimento da casca, assim como pelas propriedades do solo (profundidade e capacidade de retenção de água, por exemplo) e pelas características intrínsecas de cada árvore.
“Está documentado pela comunidade científica o efeito positivo da precipitação até valores de 900 milímetros por ano, mas é mais recente a conclusão de que este efeito não é constante ao longo de todo o ciclo de crescimento da cortiça”, elucida Joana Amaral Paulo, acrescentando: “verificou-se que o efeito positivo da precipitação de um dado ano é tanto maior quanto menor for o calibre da cortiça nesse ano”. Dito de outra forma, a mesma quantidade de chuva é mais eficaz para o crescimento anual da cortiça quando a precipitação ocorre no início do ciclo de crescimento dos anéis.
Em paralelo, o crescimento da cortiça está também positivamente influenciado pela relação entre a precipitação e a temperatura, estabelecida pela razão entre as duas variáveis (Índice de Lang). As melhores condições para o crescimento da cortiça encontram-se em zonas em que esta relação apresenta valores ótimos em torno de 60, características das regiões de transição de climas semiáridos para húmidos.
Se a chuva tem um papel positivo, principalmente na fase inicial de formação dos anéis que conferem calibre à cortiça, a falta dela tem, compreensivelmente, o efeito contrário.
“São vários os trabalhos publicados pela comunidade científica que demostram os efeitos das alterações climáticas no calibre da cortiça, em particular os anos de seca extrema”, refere Joana Amaral Paulo. Os resultados destes estudos reiteram a observação e preocupação crescente dos proprietários (e dos restantes intervenientes do sector) que, já com alguma frequência são levados a adiar o descortiçamento, aguardando que a cortiça atinja a proporção de calibres de cortiça rolháveis.
O calibre é, assim, uma variável que pode ser controlada no decorrer da gestão florestal sustentável ativa, uma vez que pode ser otimizada com recurso ao cálculo do intervalo entre descortiçamentos que maximiza a quantidade de cortiça rolhável. “Em alguns povoamentos, acaba por compensar esperar um pouco mais até ter calibre rolhável numa maior percentagem das árvores, de modo que o preço da cortiça (mais elevado) compense o atraso na obtenção desta receita. É cada vez mais importante a realização de inventário florestal ao calibre e qualidade da cortiça antes da extração numa exploração. A informação recolhida permite caracterizar não apenas a situação presente do recurso cortiça, assim como simular o impacte do prolongamento do período de crescimento nos benefícios económicos resultantes da venda da cortiça”, sublinha.
Muitos proprietários têm verificado que, no ano em que é suposto procederem ao descortiçamento, uma considerável fração da cortiça a extrair ainda não tem o calibre necessário para a produção de rolhas naturais. Esta observação é, em boa parte, consequência das alterações climáticas, nomeadamente da seca e, embora, adiar o descortiçamento seja uma opção, implica mais tempo até obter retorno da exploração agroflorestal.
O que influencia a qualidade da cortiça?
O segundo aspeto determinante para o preço da cortiça é a qualidade, que é determinada pela avaliação da porosidade deste biomaterial e pela frequência das imperfeições (defeitos) que apresenta.
“São poucos os estudos sobre os fatores que determinam a qualidade da cortiça para aplicação industrial”. O primeiro foi publicado em 1938, por Domingos Pereira Machado, então professor do ISA – Instituto Superior de Agronomia. Na altura, alertou para a dificuldade de estabelecimento de relações entre a qualidade da cortiça, avaliada pela porosidade, e as variáveis relacionadas com o crescimento da árvore e da cortiça (dendrométricas). Esta dificuldade evidenciou a complexidade em fazer previsões relacionadas com a qualidade da cortiça.
Pouco se acrescentou, desde então, sobre a predição desta vertente da qualidade da cortiça, em que o grupo investigação “ForChange”, do ISA, tem vindo a trabalhar. Após um longo trabalho de campo, que monitorizou a evolução da qualidade da cortiça obtida em três descortiçamentos consecutivos (3 extrações x 9 anos) de um vasto número de sobreiros (com análise individualmente de cada sobreiro), observou-se que:
- Uma proporção significativa das árvores que integram a amostra apresentaram decréscimo da qualidade da cortiça entre a década de 90 do século XX (primeira amostragem) e a primeira década do século XXI (segunda amostragem);
- O decréscimo de qualidade da cortiça foi menos acentuado entre a primeira e a segunda década do século XXI (da segunda para a terceira amostragem), mantendo-se inalterada a classe de qualidade da cortiça na maior parte das árvores.
- O número de árvores onde se observou uma melhoria da qualidade da cortiça entre os três descortiçamentos foi muito reduzido.
As causas por detrás das observações efetuadas deste estudo, intitulado “Avaliação da qualidade industrial da cortiça ao nível da árvore individual em três tiradas consecutivas” não estão, ainda, elucidadas: o número de variáveis que podem estar relacionadas com estes resultados é muito elevado e muitas das variáveis são correlacionadas, influenciando-se mutuamente, explica a investigadora, o que torna a caracterização da qualidade da cortiça num desafio complexo para a investigação e para a gestão florestal.
“Por exemplo, se colocarmos a hipótese de as alterações climáticas serem uma variável determinante para a porosidade da cortiça (à semelhança do que acontece para o crescimento dos anéis), esta mesma variável poderá ser também determinante para a ocorrência de ataques de alguns insetos depreciadores da qualidade da cortiça, como a cobrilha da cortiça”, exemplifica.
Tratando-se de uma linha de investigação atualmente em curso estabelecida para um horizonte temporal de longo prazo, prazo este característico da gestão do montado e do sobreiro, permanecem ainda muitas incógnitas relativamente às determinantes da variável qualidade da cortiça.
Até que a ciência consiga providenciar mais resultados, Joana Amaral Paulo deixa duas recomendações técnicas que importa reforçar na gestão da agrofloresta portuguesa:
A seleção cuidada dos sobreiros produtores de bolota para reflorestação, tendo em consideração na escolha das progenitoras a qualidade da cortiça que produziram;
A realização de um inventário florestal e de amostragem da qualidade da cortiça antes da operação do descortiçamento e do processo de venda.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.