25 guardiães dos sabores de Portugal

Passámos o ano às voltas pelo país, destacando mestres das tradições, produtos e sabores. Das batatas ao fumeiro, dos melões às vinhas, carnes, bacalhau, maçãs e mais: eles são guardiães de Portugal.

O fumeiro histórico da dona Octávia do Cano

“É património nacional, mas pouca gente sabe isso”, titulava-se. Agora são muitos mais portugueses a conhecerem a história desta mestra septuagenária do fumeiro.

Octávia Rebelo é uma mulher destemida nestes tempos doidos quando nos recebe. Estende as mãos, e nós fazemos o mesmo. Quando se juntam, sentimos um choque. Dona Octávia (assim é tratada) não tem mãos, tem dois blocos de gelo que comunicam com os antebraços. “Sentiu? É quase meio-dia, não é? Pois eu estou assim desde as sete de manhã, a hora em que comecei a lavar tripas.” Com caridade sugerimos, baixinho, talvez uma água menos gelada ou – quem sabe – umas luvas.

Dona Octávia olha-nos com benevolência, suspira e diz: “Senhor Pacheco, venha cá que vou-lhe mostrar por que é que as tripas só podem ser lavadas com água bem fria e à mão. Luvas?! Essa agora!” E é assim que dona Octávia inicia a coreografia da produção de enchidos que, julgamos nós, são do melhor que se faz em Portugal. Na casa alentejana do Cano (Sousel), tudo é respeito pelas tradições, tudo é paixão pelo fumeiro e tudo é carregado de sabor – os enchidos, mas também as palavras que saem da boca de Octávia Rebelo.

O Alto Minho preservado por João Guterres

Chega a ficar irritado quando ouve falar em lampreia à bordalesa. “Não tem nada a ver com a receita de Bordéus, que é cozinhada com pedaços de alho francês e cogumelos”, explica João Guterres, o homem que leva décadas a recolher histórias e receitas da cozinha e tradições populares da gastronomia no Alto Minho. Guterres é um guardião de histórias e receitas, que recolhe com as pessoas mais velhas, nos meios rurais, em registos das casas senhoriais ou conventos.

Dona Zefa, enciclopédia viva da cozinha alentejana

Há uma cozinheira soberba no restaurante da Herdade do Sobroso, na Vidigueira. Josefa Repas sabe dominar o fogo, tem arte e sabedoria. O seu ensopado de muflão é um troféu gastronómico, mas não lhe faltam outros troféus, da açorda de cação à sopa de beldroegas. Porque há coisas que não se aprendem, é a vida que ensina. A dona Zefa é um desses casos, uma cozinheira soberba. Sagaz e intuitiva, e com aquele dom raro de transformar em maravilha de sabor tudo aquilo que passa pelas suas mãos rudes e calejadas.

Quando se lhe pergunta quando começou, onde aprendeu, quem foram os seus mestres, a resposta é ao mesmo simples e desarmante: “Sei lá, cozinho desde que me lembro de ser gente, fui aprendendo com todos”

Victor Peixoto, bacalhau com carinho

​Com 85 primaveras, invejável jovialidade e ainda uma inquietude traquina, Victor Peixoto é um dos símbolos maiores da tradição do consumo de bacalhau. O seu restaurante está no radar de todo o país (e não só) e também ele se sente a gosto no papel de guardião-mor do culto minhoto pela posta inteira assada na brasa, acompanhada por cebola às rodelas, alho, batata a murro e um bom fio de azeite.

Há mais de 50 anos que O Victor, na Póvoa de Lanhoso, é venerado pela posta de bacalhau assado. Victor, seu fundador, enuncia os três predicados fundamentais: cura, demolha e calor constante.

As manas do talho

O Talho das Manas que se tornou um falatório. Quatro irmãs herdaram um talho e transformaram-no num negócio em que até o catálogo das peças distribuídas da região de Lisboa dá gosto de ver. O Talho das Manas é outra coisa.

O negócio das carnes nesta família começa com José Pedro Cartaxo, em 1995, na região de Torres Vedras. Das quatro filhas do fundador, Margarida e Inês começaram a trabalhar na empresa. Algum tempo após o falecimento de José Pedro Cartaxo, em 2014, Maria João, que tinha um espaço de massagens, e Ana, que se dedicava às artes, juntam-se e criam o Talho das Manas. A história das massagens tem alguma importância porque, ao longo da semana, e tendo em conta a dureza da vida de talhante, os conhecimentos técnicos da Maria João dão jeito. O resto é uma história de sucesso.

Raul Rodrigues, o senhor das maçãs

O professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima cuida de inúmeras variedades regionais com um orçamento minúsculo e com o programa PAFS – Pesquisa Altruísta de Fim-de-Semana. É um investigador pobre, mas bem-humorado. Cultiva o conceito da biodiversidade e do património cultural: em 2008, percebendo que havia um sério risco de se perderem muitas variedades regionais que suportam a cultura popular, religiosa e gastronómica, criou um campo para instalar todas as variedades que apanhava em quintais e jardins.

Para isso andou – e ainda anda – por todo o território minhoto à procura de macieiras perdidas em terrenos meio abandonados, em solares, ou onde quer que ouvisse dizer que havia uma variedade que era famosa e tal. Padres, caseiros, agricultores octogenários, bombeiros, descendentes de famílias donas de solares ou elementos de grupos de folclore, toda a gente é fonte de informação.

Cláudia, a socióloga das castanhas assadas

A socióloga Cláudia Rodrigues assa castanhas no centro de Braga, uma tradição agarrada à milenar memória da cidade da qual é hoje uma das guardiãs. “Quentes e boas, castanhinhas quentinhas”, é o pregão que já quase nem precisa de soltar, tão habituada que está a clientela à sua presença. “Os clientes sabem onde estamos, não é preciso chamá-los”, diz a jovem mulher, de 34 anos, que abraçou este negócio de tradição já depois de ter concluído o curso de Sociologia na Universidade do Minho.

Ele é o rei dos melões

O melão picante, com gás e sabor único, é um tesouro gastronómico que só pode ser apreciado no Entre-Douro-e-Minho. E há um produtor de referência que faz tudo para se manter na sombra dos casca de carvalho. Uma certeza: “O importante é o toque, o modo como soam”: “com manhãs de orvalho, até parecem sinos a tocar”.​

Palpites que nos últimos tempos têm destacado um produtor, fornecedor privilegiado para os restaurantes e tido como o mais fiável e autêntico guardião da tipicidade e sabor dos melões casca de carvalho. Mas, apesar de todos saberem já quem é, Aires Mesquita resiste em dar a cara. “O que interessa são os melões. […]

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