A passagem de Amílcar Cabral pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa, onde se formou engenheiro agrónomo, está registada em obras disponíveis para consulta, as quais revelam a importância da terra na formação do líder africano.
Para Cabral, que foi morto há 50 anos, “defender a terra é defender o homem”. E foram estas as palavras que escreveu no relatório final do curso de engenheiro agrónomo, intitulado “O problema da erosão do solo. Contribuição para o seu estudo na região de Cuba (Alentejo)”, datado de 1951.
A obra faz parte do repositório do ISA e pode ser consultada. De capa rija e bordeaux, letras douradas e fita de cetim, o relatório é dedicado “aos jornaleiros do Alentejo, trabalhadores da terra dos latifúndios, homens de vida incerta que a erosão ameaça”.
Amílcar Cabral, que concluiu a licenciatura com 15 valores, uma das mais altas classificações no ISA na altura, foi bolseiro da Casa dos Estudantes do Império e, em 1948/49, venceu o Prémio Mello Geraldes atribuído ao aluno mais classificado na disciplina de Tecnologia Colonial.
Aquele que é lembrado como o “pai” da independência de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, foi autor de vários estudos na área em que se licenciou, sendo talvez o mais determinante para o seu percurso profissional e político o “Recenseamento agrícola da Guiné” (1954).
Fez este trabalho de campo “estudando, medindo e inquirindo” num país que vivia da terra e desejando uma terra livre para o seu povo.
Num outro artigo disponível no repositório do ISA “Acerca da contribuição dos ´povos` guineenses para a produção agrícola da Guiné”, que Amílcar Cabral escreveu no “Boletim Cultural da Guiné Portuguesa”, em 1954, lê-se: “Os ´povos` da Guiné são agricultores. Dessa realidade vive a Guiné: do trabalho daqueles que, secular e socialmente anónimos, com base na tradição e no conhecimento empírico do meio, e servindo-se de instrumentos rudimentares, cultivam a terra e são, por isso mesmo, o elemento essencial da economia guineense”.
“Acerca da utilização da terra na África negra” (1954), Cabral escreveu que, “para os povos afro-negros, a terra é um bem comum. A propriedade privada incide apenas sobre os bens produzidos pelo indivíduo ou pela família. Leis alicerçadas na tradição regulam as relações do homem com a terra”.
Cabral escreveu outros artigos e prosseguiu investigação em vários domínios, obtendo sucesso no trabalho desenvolvido em Angola, entre 1956 e 1957, de “Cartografia de solos e recuperação de solos salgados”, nomeadamente no Vale de Catumbela, Cassequel, e no Vale de Dondo (Tentativa) e no Vale de Dombe (São Francisco).
Mais tarde investigou, também em Angola, a morte súbita do cafeeiro, no Amboim e em Selas.
Em 1959 aborda os problemas centrais da cultura industrial da beterraba sacarina, apresentando soluções, tendo antes disso trabalhado no desafio da conservação dos alimentos conservados
Pensador, escritor e poeta, Cabral foi autor de poemas imortalizados por grandes nomes da música da Guiné-Bissau e Cabo Verde, como o “Regressar” – cantado por Cesária Évora, entre outros – que fala precisamente da problemática da seca e da importância da chuva: “A chuva amiga mamãe velha, a chuva/Que há tanto tempo não batia assim/Ouvi dizer que a cidade velha, a ilha toda/Em poucos dias já virou jardim”.
As crises de fome em Cabo Verde, acentuadas pela seca, marcaram Cabral, filho de pais cabo-verdianos, que nasceu em Bafatá, na Guiné-Bissau, a 12 de setembro de 1924.
E é dele a defesa de obras como represas, albufeiras, cisternas e até barragens para a retenção da água, como resolução do problema da seca, proposta inovadora na altura (1950) e ainda hoje politicamente polémica em Cabo Verde.
Pensador e um dos primeiros nacionalistas africanos, Amílcar Cabral deixou a engenharia agrónoma, mas não negligenciou o poder da terra. Fundou as nacionalidades guineense e cabo-verdiana e elegeu a educação como a base do poder de um povo, influenciando pedagogos, como o brasileiro Paulo Freire.
“As crianças são as flores da nossa luta, a razão principal do nosso combate”, afirmou Cabral que, a 20 de janeiro de 1973, foi assassinado na Guiné Conacri. Tinha 49 anos.