O aumento do preço do trigo em Cabo Verde nos últimos dias, com o fim da subsidiação estatal, fez disparar o preço do pão em 55%, diminuindo a procura e as vendas, perante as queixas dos clientes.
Numa ronda pelas mercearias e padarias do Mindelo, ilha de São Vicente, a segunda maior cidade do país, a Lusa constatou que, um pouco à semelhança do que se vai verificando no resto do arquipélago, o preço da carcaça de pão disparou de 18 para 28 escudos (16 para 25 cêntimos de euro), enquanto o Governo se reúne hoje para decidir se volta atrás no fim à subsidiação do trigo.
Se nas padarias poucos querem dar a cara pelos aumentos, nas mercearias que vendem pão no Mindelo o sentimento é de apreensão. Na mercearia Nanda Lima as vendas de pão caíram para metade, mesmo que a carcaça ainda mantenha o preço anterior, pelo menos para já.
“Antes comprava uma quantidade de pão e até à noite vendia tudo, porém agora só consigo vender metade do que compro. Por este andar vou ter que diminuir a quantidade, já que as pessoas não estão a comprar”, disse à Lusa a proprietária do estabelecimento na zona da Ribeirinha, Mindelo.
A situação é de incerteza pelo que Fernanda Lima já começou a avisar os clientes que poderá ter de aumentar o preço.
Desde o início deste ano que o Governo deixou de subsidiar a importação de trigo, alegando os avultados custos com a medida nos últimos meses, o que fez disparar o preço do farinha de trigo, com o saco de 50 quilogramas a passar de 2.890 escudos (26,20 euros) para 4.600 escudos (41,70 euros), levando as padarias a anunciar aumentos no pão.
A população mais carenciada é preocupação da professora reformada Liliana Fonseca, que viu o preço do pão disparar na padaria habitual, em Monte Sossego, também no Mindelo.
Assegura que tem optado por outras alternativas, mas admite que não pode cortar o trigo da dieta alimentar: “O meu gasto diário era de 72 escudos [65 cêntimos de euro] e neste momento passou a ser 112 [um euro] e como mãe de adolescente, apesar de adorar pão, já ensinei minha filha a fazer panquecas de banana e aveia, ou batidos de frutas da época. No entanto, o organismo precisa sempre de carboidratos, portanto terei de comprar pão às vezes”.
“Isto vem mais uma vez desequilibrar os orçamentos das famílias, em especial nos que mais passam por dificuldades financeiras”, acrescentou.
O Governo cabo-verdiano prevê reunir-se hoje para analisar a situação do aumento do preço do trigo, anunciou na terça-feira, na Praia, o primeiro-ministro, referindo que vai ser discutida a possibilidade de voltar a subsidiar a importação.
“Vamos fazer uma avaliação ainda amanhã [hoje] sobre a situação e tomar a melhor decisão. Vamos analisar, é uma possibilidade que estará sempre sobre a mesa”, respondeu Ulisses Correia e Silva, quando questionado sobre a possibilidade de o executivo voltar a subsidiar a importação do trigo.
Na segunda-feira, o ministro da Agricultura, Gilberto Silva, anunciou que o Governo não prevê voltar a subsidiar a importação de trigo, como aconteceu nos últimos meses devidos aos impactos da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia, alertando para os custos desta medida excecional.
O primeiro-ministro disse que o Governo está muito sensível em relação a esses aumentos, mas lembrou que esteve a subsidiar praticamente desde o início da pandemia de covid-19 e agora durante a crise inflacionista provocada pela guerra na Ucrânia, em valores acima dos 176 mil contos (176 milhões de escudos, mais de 17 milhões de euros), não só o trigo, mas também outros produtos.
Enquanto não surge uma decisão, a comerciante Huanita Olobi vai mantendo o preço do pão na sua loja, no Mindelo, nos 18 escudos, mas admite que o inevitável aumento possa ser mais do que o que os bolsos dos clientes podem suportar.
“As pessoas chegam na mercearia a perguntar o preço do pão, já com desconfiança e percebo o alívio na cara delas quando digo que ainda é de 18 escudos. Tenho clientes que têm cinco filhos ou mais, por exemplo, e é difícil conseguirem 100 escudos [90 cêntimos de euro] todos os dias para comprar pão, agora imagina a preocupação de ter que comprar cinco pães por 140 escudos [1,30 euro], se o pão subir para 28 escudos”, questiona a empresária, que pede medidas por parte do Governo para aliviar os bolsos das famílias.
Já António Silva, cliente do pão nas padarias do Mindelo, diz que é tempo de um boicote aos estabelecimentos que aumentarem o preço do pão: “Os consumidores detêm muito mais poder que as autoridades, que é o seu dinheiro. Façam boicote a essa padaria e arregimente outros consumidores para dar combate a esta prática. Não compre nada nessa padaria ou na loja durante um mês mesmo que tenha os preços mais baratos”.
É que, além do preço alto da farinha de trigo, que consequentemente fez disparar o preço do pão, António Silva reclama da diminuição do peso e pede às autoridades para averiguarem a situação, já recorrente em diferentes padarias.
“Tendo a importância do pão na dieta alimentar, o Governo deve agir, regular o mercado e harmonizar os interesses dos consumidores e da indústria do pão”, atira, revoltado.
Cabo Verde recupera de uma profunda crise económica e financeira, decorrente da forte quebra na procura turística – setor que garante 25% do PIB do arquipélago – desde março de 2020, devido à pandemia de covid-19. Em 2020, registou uma recessão económica histórica, equivalente a 14,8% do PIB, seguindo-se um crescimento de 7% em 2021 impulsionado pela retoma da procura turística.
Para 2022, devido às consequências económicas da guerra na Ucrânia, nomeadamente a escalada de preços, o Governo baixou em junho a previsão de crescimento de 6% para 4%, que, entretanto, voltou a rever, para mais de 8% e já no final do ano para 10 a 15%.