O presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA) diz esperar, em entrevista à Lusa, “algumas melhorias” no terceiro trimestre deste ano, nomeadamente a contenção da inflação, mas a primeira metade do ano ainda será turbulenta.
“Contamos com algumas melhorias a partir do terceiro trimestre de 2023”, nomeadamente “alguma contenção relativamente à inflação, com o abaixamento e, eventualmente, algumas alterações significativas, esperamos nós, naquilo que se refere às questões da energia”, nomeadamente a elétrica, gás natural e combustíveis, afirma o presidente da FIPA e do Conselho Estratégico da Lisbon Food Affair, Jorge Henriques.
Contudo, alerta que, “neste momento, ainda existe alguma incógnita sobre aquilo que vai ser esta conjuntura”.
“Estamos a sair”, mas ainda não totalmente, “de dois anos extremamente complicados”, primeiro com a pandemia e depois com o conflito na Europa, a invasão da Ucrânia pela Rússia, que agravou a “disrupção enorme nas cadeias de abastecimento a nível mundial”, refere Jorge Henriques.
Quando se assistia a alguma retoma depois do pico da pandemia covid-19, “toda a evolução dos produtos em termos das matérias-primas, dos transportes internacionais, das energias e dos combustíveis tiveram o seu ponto de crescimento a partir de setembro de 2021 e depois agravaram-se naturalmente” com o conflito, sublinha.
Isso traduziu-se na “dificuldade na importação de algumas matérias-primas que a indústria agroalimentar portuguesa tem necessidade, falamos sobretudo os cereais, milho e óleos destinados quer à alimentação humana, quer também à incorporação em alimentos compostos para animais”, a par da “continuação do agravamento dos preços das energias, nomeadamente do gás natural, da energia elétrica e também dos combustíveis”.
Este foi o que caracterizou “praticamente” todo o 2022, “a par, naturalmente, de uma inflação galopante”, aponta.
E a indústria agroalimentar, que é impactada com o aumento das matérias-primas e pelas alterações nos padrões de consumo que se vinham a verificar, sofre com isso, não sendo indiferente ao aumento das taxas de juro e suas repercussões – pois não só têm impacto no rendimento das famílias como também nas empresas.
Aliás, Jorge Henriques salienta o “impacto que os juros estão a ter e é agora, sobretudo em 2023 que essas questões se estão na realidade a verificar”.
Ou seja, “o impacto dessas taxas, a par de uma estabilização do aumento das matérias-primas em geral, com algumas flutuações relativamente às questões da energia, mas que se mantêm, não obstante descidas e subidas, enfim, numa situação que não é totalmente ainda clara e que se mantém, de facto em máximos históricos”, além das questões relacionadas com o transporte internacional e logística, que afetam o setor exportador português.
Aponta ainda notícias recentes que dão conta de que “a recessão na Europa não irá acontecer ou não se irá verificar dentro daquilo que se tinha perspetivado”, nomeadamente no caso da Alemanha, mercado de exportação importante para Portugal, em que se indiciam perspetivas “menos negras” do que as que existiam até “há bem pouco tempo”, de que Berlim não entrará em recessão.
“Estamos convencidos que em Portugal vai haver certamente uma correção por abaixamento da inflação, mas continuaremos a ser muito pressionados pelas questões da nossa dependência externa em relação a algumas matérias-primas, sobretudo à sua flutuação”.
Nesse sentido, “estamos a falar de um semestre que será ainda complicado, com uma inflação que se vai manter alta”, prossegue, apontando que há uma dificuldade de perceber o nível da alta de preços, “até porque o BCE [Banco Central Europeu] tem anunciado, por um lado, que para conter a inflação vai continuar a aumentar a taxa de juro”.
As taxas de juro, sublinha, “podem vir a conter inflação, mas o problema é que vão onerar de uma forma bastante extraordinária aquilo que são os encargos das empresas, nomeadamente com juros”, além de condicionar o consumo das pessoas.
Por exemplo, o canal HoReCa – Hotéis, Restaurantes e Cafés – “vem de dois anos extremamente críticos com os encerramentos todos que são conhecidos de restaurantes, de cafés, pastelarias, entre outros, dos bares da noite, e tudo isto teve implicações, embora tenham registado uma recuperação no final de 2022”, aponta.
Agora, “com a pressão do poder de compra das famílias, está a sentir-se, efetivamente, um abaixamento relativamente àquilo que eram os padrões de consumo registados já no final” do último quadrimestre do ano passado, “portanto, vamos continuar a sentir muita turbulência nos mercados de uma forma geral, ao longo do primeiro semestre”, mas espera-se uma melhoria a partir do terceiro trimestre.
No entanto, há dados “extremamente interessantes”, já que as exportações da indústria agroalimentar e de bebidas cresceram até novembro “uma média de 22,7%” em valor, ultrapassando os 6,4 mil milhões de euros, embora isto seja “marginal”, “não é displicente”, destaca.
Antes da pandemia, previa-se que em 2023 o setor iria ultrapassar a fasquia dos 6.000 milhões de euros de exportações.
“Descontando aqui alguma inflação que se regista naturalmente nos preços da exportação, a barreira dos 6.000 milhões que tínhamos previsto para 2023 vai ser conseguida no final de dezembro”, quando forem conhecidos os dados.
“Também achamos que 2023 necessita de mais medidas de apoio, estou a falar da utilização de todos os instrumentos para a promoção externa e para a internacionalização, ou seja, de forma a dar às empresas portuguesas capacitadas para exportar condições para que elas se promovam nos mercados internacionais” e “este pode ser, de facto, para a indústria agroalimentar, um dos aspetos extremamente importantes para a sua sustentabilidade”, rematou.