Luís Mira

‘Manifestações foram convocadas devido à incompetência e má gestão do Ministério da agricultura’

A primeira arranca em Mirandela no dia 26 mas vai alargar-se a todas as regiões. Luís Mira admite fazer uma grande manifestação se não houver respostas por parte Governo. Garante que a adesão dos agricultores está a ser grande porque o ‘desespero é total’.

O descontentamento dos agricultores não é de agora, mas vai ganhar maior dimensão com as manifestações que foram convocadas para este mês…
A CAP não faz manifestações desde 2009, na altura estava no Ministério Jaime Silva e para voltarmos a fazer é porque a situação é muito grave. Aguardámos o ano de 2022 para ver se as coisas se recompunham, mas as coisas não melhoraram. A CAP anda a chamar a atenção do Governo e dos portugueses para a incapacidade de execução dos fundos comunitários no setor agrícola. A agricultura é um setor económico diferente dos outros, porque tem uma política agrícola comum que disponibiliza para Portugal 1 100 milhões de euros por ano. Este apoio existe em todos os países da Europa e permite compensar o rendimento aos agricultores, mas também permite aos consumidores pagarem mais barato pelo produto agrícola que compram. Ora, se não existir um Ministério da Agricultura com capacidade para executar esses fundos isso é mau para o setor. Chegámos a um ponto que nunca se verificou desde que entrámos em 1986 para a União Europeia e já vamos no sétimo quadro comunitário de apoio. O quadro que terminou, digo que terminou porque começou outro. O Programa de Desenvolvimento Rural [PDR] teve início em 2014 e o seu término em 2020, mas como houve a pandemia prolongou-se até 2022. Além desse período, alguns dos países com maiores dificuldades orçamentais têm mais três anos para fechar o programa. Mas estes três anos já estão em sobreposição com o seguinte, que já arrancou em janeiro. O que acontece? Terminámos este programa, que devia ter acabado normalmente em 2020, em 2022, com 1 300 milhões de euros por executar, num total de 5,7 mil milhões de euros. Para facilitar as contas falta executar 24% do programa.

A falta de execução deve-se a quê?
Incapacidade, incompetência e má gestão. É uma situação muito preocupante.

Corre-se o risco de perder este dinheiro? 
Obviamente, se Portugal não executar, porque o dinheiro nem sequer chega cá. Há uns anos mudou-se a gestão dos dinheiros comunitários desde que a Grécia cometeu um erro, porque até aí a Comissão pagava sempre antecipado e os países acertavam depois as contas. Agora não, os países executam e depois pedem a verba. Ou seja, corremos o risco de perder este dinheiro se não tivermos capacidade para o executar. Os gestores dos programas consideram que quando se chega aos términos do programa com 5% por executar dá para resolver, quando se chega com 10% é preocupante, chegar com 24% é uma situação desastrosa. E atenção que o tempo continua a correr. A CAP anda a chamar a atenção para esta situação desde 2018 e isto não evolui, antes pelo contrário, está-se a acumular mais dinheiro por cada ano.

Mas há projetos para alocar esses 1 300 milhões?
Há projetos, mas se as coisas não se executam há aqui um problema qualquer. A CAP já mostrou várias vezes a sua disponibilidade ao Ministério da Agricultura para vermos qual era o problema.

Essa verba poderia servir para modernizar o setor, por exemplo?
Poderia ser para investir, para fazer obras de regadio, etc. A resposta é sempre ‘há projetos aprovados’, mas isso não é nada porque não são executados, o que precisamos é de execução. Isto é como uma equipa de futebol estar a perder três-zero e acha que nos descontos vai ganhar por quatro-três ou vai empatar. É impossível? Não. É difícil? É muito difícil. Se nada for feito, em 2023, esta situação é irrecuperável. Essa é a nossa preocupação e quando decidimos manifestar é porque as coisas não estão bem.

Mas se estes alertas estão a ser feitos desde 2018, tudo indica que, em 2023, vai ficar tudo na mesma… 
Esperemos que não, porque o país ficaria altamente prejudicado. As pessoas são todas muito sensíveis e bem à TAP, onde foram colocados três mil e qualquer coisa de milhões de euros, isto é metade da TAP e devia merecer atenção, consideração e respeito dos políticos e do resto dos cidadãos, porque é dinheiro. E o dinheiro vale o mesmo, a não ser que como é para o mundo rural vale menos do que para a TAP. Isso preocupa-nos. Não estamos a pedir dinheiro. Isto são verbas que são disponibilizadas pela União Europeia. Tem de se ter capacidade e competência para o fazer e o que está demonstrado é que não há nem capacidade, nem competência, nem estrutura, mas o Governo é que tem de resolver o problema. A CAP já se disponibilizou para auxiliar, para ajudar no possível, mas até agora nem uma coisa nem outra.

Não seria preferível passar o problema diretamente para o primeiro-ministro?
O primeiro-ministro também lê os jornais, também conhece as coisas. Mas talvez agora, com as manifestações, dê atenção a esta matéria. Isto não é uma questão política partidária. Às vezes, a opinião pública acha que há aqui uma questão política com a ministra. Não, há aqui uma questão de incompetência. Não é uma questão de diferenças de opiniões. No PEPAC, que é o plano estratégico da PAC, há erros e erros não são questões que se possam dizer ‘Ah, a CAP defende mais uma situação e o Governo outra’, não. Isto é incompetência e é por isso que nos vamos manifestar.

A manifestação começa em Mirandela…
Começa em Mirandela, no dia 26. Depois no dia 30 em Castelo Branco, nas Caldas da Rainha dia 17. E ficou a data do Alentejo por marcar. As manifestações vão-se realizar durante um mês e temos de percorrer, pelo menos, as cinco regiões do país.

E vai causar muito impacto?
Acho que vai. A mobilização está a ser muito grande.

Não faria mais sentido que essas mobilizações fossem feitas todas no mesmo dia?
Não somos funcionários públicos, nem estamos concentrados nas cidades. Estamos dispersos pelo território do interior e a movimentação das pessoas é difícil e cara. Se não houver sinal nenhum do Governo durante as manifestações que vamos fazer nas regiões, com certeza que iremos realizar uma grande manifestação. E recorremos à manifestação porque já não há mais nada a que recorrer. O desespero é total. E não é pouca coisa. Estou a falar da incompetência relacionada com o que já passou, mas também há incompetência para o que aí vêm, no PEPAC. Houve uma grande propaganda por Portugal ter sido dos primeiros a apresentar o programa em Bruxelas, é pena que até agora ainda não se conheçam as regras que os agricultores portugueses têm de cumprir.

Não serviu de nada sermos os primeiros a apresentar…
Tentou-se passar a imagem que ao apresentarmos em Bruxelas em primeiro e a Comissão ter aprovado que era um grande programa e que éramos muito bons. Errado, não é nada disso. O programa vai, de uma forma geral, diminuir as compensações aos agricultores e prejudicam aqueles que eram abrangidos pela PAC. Isto é uma questão técnica. Ora, estas opções vão ser sentidas pelos agricultores numa diminuição da compensação e essa é uma parte da incompetência que chamamos a atenção. A outra é que num ano em que o Ministério devia estar focado na aplicação de uma nova política, que tem um pilar social, que tem novas regras e novos desafios, o Governo optou por anunciar a extinção das direções regionais.

Qual é o impacto desta extinção?
Isso tem de perguntar ao Governo, porque ninguém nos veio explicar como é que ia funcionar, o que foi dito publicamente nas notícias é que essa competência passa para as CCDR. E tenho que chamar a atenção para uma coisa, Portugal acabou de apresentar o plano estratégico da PAC em Bruxelas e só contemplava três regiões: Açores, Madeira e Continente. Não é possível executar o PEPAC como se está a dizer, em que cada CCDR tem poder de decisão sobre essas matérias. É mentira, não é possível. O programa que apresentaram em Bruxelas diz que do Algarve a Trás-os-Montes as regras são as mesmas e aquilo que se está a dizer não é exequível. Se houver essas decisões regionais, a Comissão não vai pagar. Isto demonstra o desnorte e a incompetência de quem propõe um plano para sete anos, até 2027, e já não são sete, são cinco porque perdemos dois com a covid. Estamos sempre a dar factos concretos da incompetência, não vamos discutir coisas no vácuo.

Há também o risco dessa verba se perder?
Nem […]

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