Água e vida – Luís Mesquita Dias

A água, a sua escassez atual e o receio de uma escassez crescente levam-nos, por vezes, a secundarizar outros aspetos da atividade agrícola, tão ou mais importantes e tão ou mais difíceis de resolver. Na verdade, se formos lúcidos e determinados, conseguiremos resolver o problema da escassez de água no país.

Quando 80% (pelo menos) da água que chega a Portugal, vinda do céu ou de Espanha, vai direitinha ao Atlântico, devemos questionar-nos se é legítimo considerarmo-nos um país com escassez deste recurso. Quando 40% da água que percorre os circuitos de distribuição se perde antes de chegar aos usuários, devemos questionar-nos se é na limitação da água a disponibilizar à agricultura que o nosso foco se deve centrar. Quando cada Português gasta, em média, 190 litros de água por dia e dois terços desse valor deveriam ser mais do que suficientes para as suas necessidades reais, encontraríamos aí, por ano, uma poupança de 230 milhões de metros cúbicos.

Por isso, penso que, sem por um instante minimizar o tema da água, devemos admitir que há mais vida para além dela. Essa vida é a daqueles trabalhadores maioritariamente migrantes cuja chegada, estadia e partida continua a fugir-nos por entre os dedos. Refiro-me, naturalmente, aos que são presas fáceis de gente que não devia ter direito a existir e que faz da exploração dos mais vulneráveis a sua fonte de rendimento.

Continua a custar-me muito ler notícias referenciando os casos de escravatura recentemente detetados no Alentejo interior. Porque são verdade, temos de aceitar que é legitimo e até obrigatório que se escreva sobre eles, mas sempre e quando isso seja feito de uma forma construtiva e não podendo, de todo, generalizar a prática nem os intervenientes.

A nossa preocupação deve centrar-se sobretudo nas pessoas que sofrem esses tratos, mesmo que sejam, como acredito, uma minoria. Em defesa própria, temos, no entanto, também, que nos preocupar com a nossa reputação enquanto produtores e empregadores e a reputação do nosso setor, que não pode ser confundido com este estado de coisas. Para isso, temos de ter um cuidado acrescido na escolha das empresas de contratação de trabalhadores com quem trabalhamos. Devemos ser crescentemente exigentes em relação ao conhecimento da forma como os trabalhadores chegam a Portugal e à forma como aqui vivem. Devemos criar nas empresas um ambiente de liberdade e de transparência que permita que aqueles que nalgum momento são sujeitos a qualquer tipo de pressão ou exploração sintam o à-vontade e a segurança para falar com os seus superiores hierárquicos, ajudando, com isso, a cortar o mal pela raiz.

O tema não se esgota aqui e a AHSA está, em colaboração com a Organização Internacional das Migrações, empenhada em agilizar circuitos seguros que liguem as instituições dos países de origem ao IEFP em Portugal e, através dele, às nossas empresas. Nesse sentido, realizámos duas missões, a Marrocos e à India, das quais resultará, em breve, um relatório com propostas feitas ao nosso Governo quanto às medidas que podem contribuir para a regularização destas migrações laborais.

Até lá, lembremo-nos que, se é certo que não há vida sem água, também não a há sem dignidade na forma como acolhemos os nossos migrantes e lhes proporcionamos condições de trabalho adequadas.

Fonte: AHSA


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