Neste artigo, vários dirigentes de associações de conservação da natureza dizem “não” à fragmentação das áreas geridas pelo ICNF. É preciso haver “discussão, transparência e abertura política”.
O património natural, que é de todos nós, é único e indiviso. A sua gestão e conservação respondem diretamente a estratégias nacionais, europeias e globais que são implementadas em Portugal fundamentalmente pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que é Autoridade Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ANCNB).
No entanto, a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) publicada no dia 14 de dezembro de 2022, redigida apressadamente e com incoerências, fragmenta as atribuições do ICNF passando parte delas das suas Direções Regionais (descentralizadas) para a alçada das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), serviços periféricos da administração direta do Estado cuja presidência é eleita pelas autarquias.
As alterações aprovadas na RCM incluem a transferência de todas as atribuições dos serviços periféricos do ICNF em matéria de Cogestão de Áreas Protegidas, bem como de importantes atribuições das Divisões de Ordenamento do Território, de Projetos e Licenciamento e de Gestão Administrativa e Logística, e ainda a definição de prioridades de conservação da natureza e de combate a espécies invasoras.
De fora parecem ter ficado as Florestas (com exceção de competências que envolvem a proteção do arvoredo e dos agentes bióticos nocivos) e as áreas abrangidas pelo Sistema Nacional das Áreas Classificadas (SNAC). Mas parece ignorar-se que o SNAC inclui a própria Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP), que muitas Áreas Protegidas são de âmbito nacional, algumas abrangem áreas que transcendem os limites territoriais de cada CCDR e que a maioria se sobrepõe a outras áreas classificadas ao abrigo de Diretivas europeias e tratados intergovernamentais, como é o caso da Rede Natura 2000. A gestão do património natural vai muito além da RNAP e do próprio SNAC e não deve ser fragmentado, ficando a Cogestão nas CCDR e o planeamento e gestão propriamente dita no ICNF.
As organizações da sociedade civil que defendem a conservação da natureza dizem “não” a esta iniciativa de fragmentação – sem hesitações e sem dúvidas. Vários outros setores da sociedade – educação, cultura, agricultura – já se manifestaram contra esta ideia infeliz e insuficientemente amadurecida, considerando-a vazia de argumentação e isenta de valor para Portugal e para as pessoas.
Não existe uma justificação clara, rigorosa ou compreensível para estas mudanças. O modelo anterior foi avaliado? Onde ou o que falhou? Qual a legitimidade para se proceder a estas alterações? Os serviços periféricos que vão ser integrados não foram envolvidos, nem existiu uma discussão transparente e participada com a sociedade civil. Apenas o conveniente Conselho da Concertação Territorial foi ouvido na preparação deste diploma tão impactante, sendo aquele composto pelo próprio governo, CCDR, regiões, Comunidades Intermunicipais, Áreas Metropolitanas e autarquias.
A sociedade civil viu-se assim arredada de uma discussão sobre este tema e sobre o processo, e sobre as consequências para a natureza, que este governo diz que defende. Defende como? Fragmentando? Demitindo-se da sua responsabilidade de proteger o bem […]
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Autores:
- Angela Morgado (Diretora Executiva da ANP
WWF – Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF)
- Nuno Gomes Oliveira (Presidente do FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade)
- João Dias Coelho (Presidente do GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente)
- Filipa de Jesus Gouveia (Direção Nacional da LPN – Liga para a Protecção da Natureza)
- Marta Leandro (Presidente da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza)
- Domingos Leitão (Diretor Executivo da SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves)
- Marcial Felgueiras (Presidente d’A ROCHA – Associação Cristã de Estudo e Defesa do Ambiente)
- José Pereira (Presidente da Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural)
- João Farminhão (Direção da SPBotânica – Sociedade Portuguesa de Botânica)
- Maria Amélia Martins-Loução (Presidente de SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia)