Investigadora diz que medidas para erradicar ‘Xylella fastidiosa’ “não são adequadas”

Uma investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto afirmou hoje que as medidas de erradicação da Xylella fastidiosa “não são as adequadas”, defendendo que as plantas que não manifestam danos podem ser fundamentais para resolver o problema.

Em declarações à agência Lusa, a investigadora Ana Aguiar do centro GreenUPorto e docente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), salientou que “destruir plantas que não manifestam danos [depois de infetadas pela ‘Xylella fastidiosa’] poderá ser um erro”.

Cientificamente classificada como uma “bactéria grã-negativa que tem uma relação endofítica com a planta”, a ‘Xylella fastidiosa’ “vive dentro da planta”, mais concretamente, nos vasos xilémicos que transportam água e nutrientes das raízes para os caules e folhas.

Árvores, arbustos e plantas herbáceas – vulgares em espaços urbanos e rurais ou de “elevado valor económico” – podem ser hospedeiras desta bactéria que, com algumas plantas desenvolve “uma relação de parasitismo” (a bactéria vive na planta e causa danos), e com outras, “uma relação de comensalismo” (a bactéria vive na planta sem causar danos).

Destacando que com algumas plantas pode ser desenvolvida uma “relação de comensalismo”, Ana Aguiar defendeu a importância de se “preservar” esse material vegetal que “poderá ser fundamental na resolução do problema”.

“Antes de destruir as plantas, e nesta fase em que a ‘Xylella fastidiosa’ está presente, mas não causa prejuízos para a agricultura, é urgente envolver os investigadores, financiando o trabalho da ciência”, observou.

Entre as medidas de erradicação da ‘Xylella fastidiosa’, que constam do plano da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), destaca-se a obrigatoriedade de abater, num raio de 50 metros, as plantas que testem positivo à bactéria e todas as da mesma espécie que, num raio de 2,5 quilómetros, tenham testado positivo.

À Lusa, Ana Aguiar afirmou que em Portugal há “muito conhecimento acumulado na área da proteção das plantas” e defendeu que, à semelhança de outras doenças que afetam espécies vegetais, “importa olhar não só para a bactéria, mas para todos os elementos que compõem o tetraedro epidemiológico”, nomeadamente, a planta, o agente causal da doença, o ambiente e os vetores.

“Temos uma lista de mais de 500 plantas suscetíveis, mas, à semelhança do que está a ser feito no Brasil com os citrinos, nos Estados Unidos da América com a vinha e em Itália com a oliveira, importa encetar programas de identificação de variedades resistentes a ‘Xylella fastidiosa’”, referiu, notando que uma vez estabelecida a relação bactéria/doença, importa “conhecer a estirpe e mapear o seu genoma”.

Caracterizar o ambiente em que a bactéria foi detetada (condições meteorológicas, solo, vegetação circundante e práticas agronómicas) e conhecer os “hábitos” dos vetores da ‘Xylella fastidiosa’, como a cigarrinha das espumas, são também aspetos que a investigadora considera importantes incluir no combate a esta bactéria.

“Perante um problema tão sério que levou à definição pela União Europeia de um conjunto de medidas de aplicação imediata, é essencial que a ciência dê a sua contribuição para encontrar soluções para, em estreita colaboração com os serviços do Ministério da Agricultura, evitar uma catástrofe económica como a que aconteceu na região da Apúlia em Itália ou o abate desnecessário de plantas onde a bactéria não causou prejuízos”, acrescentou Ana Aguiar.

A investigadora integra, neste momento, um projeto que visa estudar o ciclo de vida e o comportamento da cigarrinha das espumas, inseto considerado por vários especialistas como o “principal vetor” da ‘Xylella fastidiosa’ na Europa.

Financiada em 200 mil euros pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), a investigação, intitulada “Biology of xylem-sap feeding insect vectors and potential vectors of Xylella fastidiosa in Portugal”, pretende estudar a cigarrinha das espumas, espécie presente em toda a Europa e “muito frequente” em Portugal, que se alimenta do xilema de uma multiplicidade de plantas hospedeiras, desde árvores a arbustos ou plantas herbáceas.

“Com o seu estilete característico da armadura bucal picadora-sugadora, [a cigarrinha das espumas] perfura o xilema da planta para extrair água e nutrientes”, esclareceu a investigadora, acrescentando que nos estados juvenis, a espécie envolve-se numa “massa de espuma”, facilmente visivel nas folhas e nos caules das plantas.

A investigação, que decorre até 2025 e é liderada pelo Instituto Politécnico de Bragança, envolve o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, o Instituto Nacional de Investigação Agrária, a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e o Laboratório InovPlantProtect.

Classificada como “bactéria de quarentena” pela Organização Europeia para a Proteção das Plantas (EPPO), em Portugal, a ‘Xylella fastidiosa’ foi detetada, em janeiro de 2019, em plantas de lavanda num ‘zoo’ em Vila Nova de Gaia, no Porto.


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