“Aqui, nas vinhas, há especulação como no imobiliário. Um hectare pode chegar aos 80 mil euros”

Rui Reguinga sabe do que fala. Foi o primeiro enólogo da nova geração da chegar à Serra de São Mamede, em Portalegre, onde a disputa pelas vinhas de altitude está ao rubro. Explica que “há muita procura, os preços sobem e as pessoas não querem vender porque percebem que há um potencial”. Destas cepas saem vinhos raros, que atraem produtores de outras regiões. Mas quem desde sempre lá fez vinho, há muito que sabe as características daquela uva serrana

José Andrade, 81 anos, é feito da mesma terra que faz a vinha crescer. Em São Salvador de Aramenha, com vista para a encosta da Serra de São Mamede polvilhada com o Marvão no topo, há décadas que faz vinho dentro de enormes talhas centenárias. Um trabalho sem folga, que se estende pelo ano inteiro e começa na poda – acabada de fazer por estes dias –, segue nos “tratamentos”, depois na vindima, até à adega e à vinificação do vinho, dentro dos gigantes de barro. Nos últimos anos, começaram a aparecer produtores de fora interessados nas suas uvas e nas vinhas – e os preços da terra não pararam de subir. Nas suas e nas de outros viticultores que há anos estão naquele território único.

Um labor que vem do avô, que José retomou depois de saltar a geração do pai. E que já tem seguidor no seu filho, também José, porque “quem não é José não é bom chefe de família”. Há uma década que José Filho está a tempo inteiro na quinta. Fez a escola agrária em Castelo Branco e ainda trabalhou uns anos fora. Agora, pai e filho juntos cuidam não só da vinha, mas também das ervas aromáticas que produzem e exportam para França, do olival, dos animais que lhes servem de alimento, e gerem ainda um pequeno agroturismo, a Quinta do Vaqueirinho.

Nos últimos anos, “talvez uns seis, não mais que dez”, começaram a aparecer produtores de outras zonas interessados nas uvas e nas suas vinhas. Não venderam vinhas – além desta, em socalco, têm outra em Escusa –, mas vendem-lhes parte da colheita de uva. A procura por aquelas uvas raras fez aumentar os preços. “Éramos a região demarcada mais coitadinha de Portugal, ninguém nos ligava. Neste momento há as mudanças climáticas, e aquilo que se tem passado em termos de clima vem influenciando as vinhas do baixo Alentejo, que é onde está o grosso da produção do vinho alentejano. Eles estão a ter vinhos que os enólogos chamam de vinhos muito quentes, e então têm necessidade de fazer vinhos mais frescos, e têm de vir buscar as nossas uvas, porque são uvas de serra”, diz José Andrade filho.

O pai sorri ao escutar a descrição, e lança: “Há tanto tempo que as uvas eram boas e só agora é que descobriram”. Caminhamos até à vinha. Dali tiram a uva com que fazem vinho que vendem a seis euros a garrafa. As cepas têm 40 anos e despenteiam-se, aramadas, como se fossem uma pauta de música numa momentânea harmonia. […]

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