Manuel Medeiros

Projecto de financiamento do café em Angola – Manuel Medeiros

Para se ter uma ideia da importância do sector do Café na Economia de Angola, na década de 50 do Seculo XX, o Professor António Maria Godinho escrevia no prefácio de um “ensaio do licenciado Alfredo de Sousa que, em Angola, (números de 1946) num total de exportações de 3.289.026 contos cabem ao café 1.603.553; os números dispensam comentários”.

Neste mesmo ensaio, o futuro Professor Alfredo de Sousa refere que “o café ocupa o segundo lugar no comércio mundial, logo depois do petróleo. Vários países baseiam a sua economia neste produto e muitos outros dedicam à sua produção e comércio, boa parte da sua actividade económica”.

Nessa época, o sistema de produção do café, assente na variedade Robusta (Coffea canephora Pierre), recorria a estratégias de extensificação através de grandes empresas e pequenos produtores, com recurso a árvores de ensombramento, baseada em baixas produtividades e com a utilização reduzida de factores de produção.

A cultura do café em Angola atinge o seu auge no início da década de 1970 quando Angola era o quarto maior produtor mundial, produzindo 230.000 toneladas por ano.

Após a independência, e o impacto devastador da guerra civil, a redução da produção foi brutal e o café angolano deixou de ser marcante no mercado internacional. No entanto, a cultura do café manteve-se, e ainda hoje muitos agricultores, nas tradicionais zonas produtoras mantém os seus cafezais, embora muito envelhecidos.

Segundo dados do Instituto Nacional do Café (INCA), referentes à campanha agrícola de 2020, Angola exportou pelo menos 1.662 toneladas de café o que representa 27,47% da produção.

Para além do café Robusta, de longe, o mais importante em termos de representatividade e de importância económica, o café Arábica (Coffea arábica L.) encontra-se também em algumas zonas de Angola com clima menos quente e de maior altitude.

O Governo de Angola considera prioritária a recuperação do sector do café que deverá assentar nas seguintes medidas:

  • Reconversão do café Robusta replantando cafezais com bom material vegetativo e modernizando as principais operações necessárias à cultura;
  • Desenvolvimento do café Arábica através de novas plantações instaladas em boas condições de solo e clima e com modernas tecnologias de produção, incluindo a rega;
  • Desenvolvimento da produção de bom material vegetativo;
  • Criação de estruturas comerciais locais (Lojas);
  • Promoção da assistência técnica aos agricultores;
  • Investimento nas actividades pós-colheita.

Consciente do enorme potencial da cultura do café em Angola e deste desafio estratégico, o Banco de Fomento Angola (BFA) irá participar activamente no processo de recuperação do sector, definindo e disponibilizando linhas de crédito para apoiar investimentos e meios para fazer face às despesas anuais com a actividade.

Neste âmbito, a AGRO.GES foi convidada pelo BFA a juntar-se a este propósito através da elaboração de um estudo acerca das melhores formas de adaptar as necessidades financeiras do sector, investimento e despesas de funcionamento, propondo a aplicação de linhas de crédito de incentivo ao desenvolvimento do sector do café.

Para a execução deste trabalho, a AGRO.GES organizou uma missão no terreno de forma a constatar de perto a realidade da produção. Para tal, a missão visitou as principais regiões produtoras de café Robusta situadas no Uíge, no Norte do país, a região da Gabela, na Província do Cuanza Sul e as áreas onde o café Arábica se tem instalado, com novas plantações com destaque para a região do planalto da Quibala e Waco Cungo.

Foram visitadas várias plantações, antigas e modernas, estabelecendo-se contactos com pequenos agricultores, empresários e técnicos ligados ao sector.

Actualmente, a fileira do café apresenta-se com algum dinamismo, tanto nas áreas tradicionais do café Robusta como também em novas áreas com boas condições para a produção do Café Arábica, mais produtivo e mais valorizado. No entanto, ainda se constatam algumas dificuldades à concretização de investimentos. Destas limitações salientam-se:

  • Fraca capacidade técnica;
  • Fracas vias de acesso e forte dispersão das áreas de produção, especialmente no Uíge e Cuanza Norte;
  • Dependência dos comerciantes e falta de coordenação da produção;
  • Idade avançada das plantações em produção;
  • Idade avançada dos agricultores, o que dificulta operações manuais de capina e colheita;
  • Pouca capacidade financeira.

A produção de café arábica está relacionada com uma componente empresarial mais acentuada e com tecnologias modernas disponíveis para as novas plantações. Trata-se, na maior parte dos casos, de fazendas de maior dimensão, com recurso a mecanização e rega e com utilização de protocolos fitossanitários e de fertilização mais adequados às necessidades das plantas.

Algumas iniciativas empresariais no café arábico consistiram na plantação de significativas áreas de café em zonas isoladas, com destaque para a Província do Cuanza Sul. Naturalmente que estas iniciativas causaram, na vizinhança, um incentivo para que algumas fazendas de pequena dimensão e de menor capacidade financeira quisessem participar no desenvolvimento desta cultura de rendimento. Esta ligação entre a grande plantação e as mais pequenas tem demonstrado vantagens recíprocas em algumas acções: na troca de experiências tecnológicas, na partilha de alguns equipamentos e, mais concretamente, na cedência de material vegetativo e de produtos fitofármacos específicos para o café.

Actualmente o principal financiador da produção de café é o sector do comércio que coloca à disposição dos agricultores os meios necessários às principais operações da cultura: capina e colheita. Este mesmo sector oferece a enorme vantagem de recolher, na própria exploração, o café produzido e pagando atempadamente a respectiva produção. Este financiamento não é, porém, suficiente para fazer face às necessidades financeiras para se proceder a novas plantações nas mesmas áreas ou em áreas de expansão.

É consensual a necessidade de existência de linhas de crédito, ao investimento e ao financiamento de curto prazo concebidos com períodos de carência e de amortização adaptados à realidade produtiva destes sistemas de produção.
Para além de se garantir o financiamento à produção, a AGRO.GES confirma a necessidade de se prever o apoio com linhas de crédito, a algumas actividades essenciais à recuperação do sector do café:

  • Viveiros, garantindo a produção de bom material vegetativo (mudas);
  • Serviços de pós-colheita com destaque para sistemas de secagem;
  • Lojas que colocam à disposição de pequenos agricultores um conjunto de bens e serviços essenciais que poderão incluir a distribuição de mudas e alguma assistência técnica aos agricultores.

É num contexto de forte concorrência internacional, vinda de dentro e de fora do continente africano, que o sector do café de Angola deve olhar para os seus mercados e as suas perspectivas de desenvolvimento, tirando partido das condições naturais únicas para a produção de café Robusta e de café Arábica e das oportunidades agora criadas pelo BFA para apoiar os investimentos que certamente irão surgir.


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Manuel Medeiros
ENG. AGRÓNOMO, ÁREA INTERNACIONAL

O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.


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