Passem os anos que passarem continua a ser praticamente impossível falar do caso Maddie McCann sem falar em Gonçalo Amaral. O ex-inspetor da Polícia Judiciária foi, durante três meses, o homem que esteve encarregado da investigação ao desaparecimento da menina inglesa, em 2007, e, depois de ter sido afastado, tornou-se rosto reivindicativo dos trabalhos das autoridades inglesas e alemãs.

Escreveu dois livros sobre o caso, deu dezenas de entrevistas e nunca se submeteu ao silêncio. Dezasseis anos depois, em entrevista à SÁBADO, falou sobre os trabalhos que estão a ser feitos na Barragem do Arade.


Como é que vê estas novas investigações da polícia alemã em relação ao caso do desaparecimento de Maddie McCann?

A pergunta deveria ser como é que a polícia alemã está envolvida? Como é que a Policia Judiciária concordou com isso e porquê? Numa simples análise verifico que não existe nenhuma nova investigação, o que está em causa é mais um ato de construção do perfil, de um bode expiatório e uma culpabilização virtual do mesmo seguindo um raciocínio e uma lógica de demonstração de poder. A mensagem a passar para a opinião pública, para os mais incautos e aqueles que nada sabem de investigação criminal e muito menos leram o processo português, é que: as polícias só investiram muito dinheiro, meios materiais humanos, porque existe provas contra o suspeito portanto o suspeito é culpado.

Passaram-se dezasseis anos desde o desaparecimento de Maddie. Tanto tempo depois, a nível de prova, o que é que é possível encontrar?
Se ali existisse alguma coisa era possível encontrar ossos, porventura cabelos e até parte do pijama da menina desaparecida. Por outro lado, encontrar os restos mortais da criança só seria possível se ela não tivesse sido cremada, como parece ter acontecido.

O que é que acha que a polícia alemã está à procura? Que tipo de amostras ou vestígios poderão ser relevantes neste momento?
Não sei se a polícia alemã procura alguma coisa. Sei que a intenção é culpabilizar o suspeito.

As buscas estão a ser efetuadas numa zona que, em 2007, estaria submersa. Este facto poderá condicionar o terreno ou aquilo que poderá ser descoberto?
É uma questão técnica, as condições do terreno, do clima e do meio ambiente são sempre condicionantes.

Em 2008 o advogado Marcos Aragão Correia chegou a fazer buscas, em nome próprio, neste local. O que fez com que a Polícia Judiciária, na altura, não o fizesse? Consideravam que não era um local de interesse ou relevo para o caso?
Por principio, a Polícia Judiciária não trabalha com videntes ou informação vinda do além, esta era a opinião daquele tempo. Hoje em dia desconheço se a Polícia Judiciária mudou de estratégia. Aliás, parece que as atuais buscas estão a seguir a informação das videntes, porque dizer-se que o suspeito acedia àquela zona não constitui fundamento para este tipo de buscas.

Chegou a dizer publicamente, várias vezes, que Christian Brückner estava a ser usado pela polícia alemã como “bode expiatório” neste caso. Continua a acreditar nisso?
Escrevi um livro, Maddie: Basta de Mentiras, onde analiso a investigação alemã e provo essa afirmação. Não se trata de acreditar mas verificar e interpretar factos à luz das boas regras e procedimentos de uma investigação criminal.

Quando a polícia britânica começa a considerar Christian Brückner como suspeito, o mesmo vivia em Portugal e por aqui andava em liberdade. A investigação deveria ter-se focado no indivíduo através de técnicas especiais de investigação, nomeadamente, intercetações telefónicas e computadores, vigilâncias pessoais e electrónicas, agentes infiltrados, etc., de modo a avançar na investigação da eventual responsabilidade do suspeito, no desaparecimento e posterior morte da criança.

Mas, pasme-se, a polícia alemã tratou de o enfiar numa cadeia alemã, isolando-o do mundo exterior, impossibilitando qualquer tipo de investigação centrada no suspeito.

Pouco a pouco os alemães foram construindo o perfil de violador, pedófilo e assassino do suspeito, juntando casos portugueses desse tipo e acusando-o dos mesmos, com o grande momento em que dão a conhecer ao mundo o seu nome e identidade.

Em conclusão, não permitiram uma investigação profissional e séria e tornaram este indivíduo num bode expiatório considerando-o suspeito, sem qualquer prova ou indícios. 

Na sua perspetiva, o que motiva a polícia alemã a agarrar-se a este suspeito e a esta tese. É a procura por uma resposta que, dezasseis anos depois, ainda não foi dada?
Se não fosse este individuo, a sua relação com o caso de desaparecimento da criança, não existia, e deixavam de estar perante os holofotes mediáticos. 

Em setembro do ano passado, em declarações à Renascença acusava a Polícia Judiciária de estar a “bloquear” o caso que já deveria ter sido revisto “à séria”. No seu entender o que justifica esta inação da Polícia Judiciária? O que é que acha que deveria ter sido revisto e não foi?
A revisão do caso, com base no processo português, tem de ser efectuada. No meu livro, Maddie:Basta de Mentiras, procedo a uma revisão e elaboro um conjunto de diligências de investigação que estão por realizar, nomeadamente a reconstituição dos factos ocorridos na noite de 3 de maio de 2007, data em que se diz, que Madeleine desapareceu, com os pais e todos os acompanhantes de férias. Repare que nestes últimos 16 anos nunca foi solicitada nenhuma entrevista aos amigos, nunca estes apareceram a falar nos jornais ou televisões, nunca se colocaram em condições de se contradizerem, foi sempre o casal a aparecer numa clara estratégica de “esconder” os outros. Por isso, a reconstituição dos factos ainda se justifica.

A inação da Polícia Judiciária e do Ministério Público está patente, desde logo, em satisfazer todos os pedidos das outras polícias à luz de uma cooperação internacional, que apenas parece ter um sentido. O grande exemplo é a investigação centrada em Christian Brückner.

Quando se tornou uma pessoa de interesse, e quiçá suspeito, o caso não foi entregue à Polícia Judiciária, mas à polícia alemã que não tinha qualquer relação com a investigação do desaparecimento da criança, nem tinha competência para tal. Portugal era e é compete para investigar e não pode delegar essa competência em polícias estrangeiras. Isso é no mínimo inação.

Disse ainda que o atual diretor da polícia, Luís Neves, foi um dos inspetores que fez parte da investigação na altura do desaparecimento e que, apesar de ser uma pessoa “que não se deixa manietar” deveria “não estar muito ligado à investigação” atual. Continua a defender isto?
O Dr. Luís Neves era diretor da DCCB  e atualmente é Diretor Nacional da Polícia Judiciária, é um excelente profissional e  tenho por ele uma grande admiração, não gostaria de o ver a dar cobertura ao que se está a passar.

Defendeu várias vezes a tese de que o rapto de Maddie McCann “foi simulado” e que os pais da menina seriam os “principais responsáveis pelo desaparecimento”. Dezasseis anos depois continua a acreditar nesta teoria?
Dezasseis anos depois as únicas conclusões válidas da investigação são aquelas que estão contidas no Relatório Intercalar do Sr. Inspetor-Chefe Tavares de Almeida, elaborado em setembro de 2007. Estas nunca foram ultrapassadas por qualquer tipo de investigação entretanto ocorrida e apontam no sentido de a principal responsabilidade do desaparecimento ser de quem era responsável pela guarda da criança.

Acredita que este caso algum dia poderá ter um fim? Que vão existir respostas concretas a dar e que existirão culpados?
Se terminarem as pressões políticas este caso terá um fim e irão existir respostas.

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