Afonso Bulhão Martins

A Agricultura de Precisão odeia o RPB; Tomasi di Lampedusa apoia o nosso PEPAC – Afonso Bulhão Martins

A Agricultura de Precisão pretende “tratar diferente o que é diferente”; pretende que se aplique exactamente e exclusivamente o necessário em cada local. Desta forma optimiza-se o uso dos recursos e dos factores de produção, minimizando em larga escala os impactos ambientais ao mesmo tempo que se contribui para o aumento do lucro e da competitividade.

À luz dos princípios da Agricultura de Precisão a transformação planeada para o RPB no PEPAC é totalmente incompreensível. Ao pretender que em 2026 todos os hectares elegíveis passem a receber exactamente o mesmo valor está-se a “tratar por igual um Portugal cheio de diferenças”.

Alertar que a crítica subjacente não é despoletada pelo término dos valores históricos e dos “direitos a pagamento” – com que se concorda em absoluto – mas sim devido à medida mais relevante de apoio ao rendimento dos agricultores deliberadamente omitir que as condições para exercer actividade agrícola em Portugal são muito variáveis. É óbvio para todos que há situações em que o apoio é quase dispensável, como nas áreas beneficiadas por regadios públicos, e outras em que ele é absolutamente crucial para a manutenção da actividade, como nas zonas de sequeiro mais expostas a condições climáticas rigorosas.

A aplicação proposta para o RPB, para além de não ser “Precisa”, demonstra até alguma falta de consideração para com os agricultores. Ao considerar, por exemplo, que quem explore uma pastagem sem deter qualquer animal é merecedor de um apoio como agricultor nivelam-se as exigências produtivas marcadamente por baixo. Há que pensar que se há detentores de barcos que não são pescadores, também existem exploradores de terra que não são agricultores.

A nula exigência produtiva para se receber o apoio torna ainda esta política muitíssimo nociva para o mercado de arrendamento e, por consequência, para o aumento de dimensão e escala das explorações agrícolas. É sintomático que as palavras “rendeiro” ou “arrendatário” não apareçam nem uma vez em toda a documentação produzida no âmbito do nosso PEPAC e que “arrendamento”, na raras vezes que consta, é sempre referido sem qualquer profundidade. Querer utilizar o PEPAC para tornar a agricultura portuguesa mais competitiva e ao mesmo tempo negligenciar a figura do rendeiro é quase semelhante a formular políticas de habitação sem reflectir sobre o mercado de arrendamento urbano.

Nas restantes áreas de intervenção, embora haja situações a saudar, como o alargamento dos pagamentos ligados, entre outros, transparece a ideia que faltou imaginação para formular novas políticas capazes de fomentar o desenvolvimento da agricultura portuguesa. A dificuldade em distinguir com clareza o que são “Ecoregimes” (apoios tendencialmente anuais e abrangentes) do que são Medidas Agro-Ambientais (tendencialmente plurianuais e mais restritas) é um pouco prova disso. O não alargamento dos Programas Operacionais a outros sectores, conforme possibilitado, e mesmo a ausência de reflexão sobre essa matéria também desilude.

No global, o PEPAC proposto não consegue transmitir entusiasmo ao sector (sendo que, verdade seja dita, também não o deprime profundamente). Em calão dir-se-á que “É mais do mesmo”. De forma mais erudita e adaptando Tomasi di Lampedusa dir-se-ía que o pensamento “É preciso que algo mude para que fique tudo na mesma” vingou.

Alteram-se medidas mas o documento deixa ainda mais vincada a marca, a tónica e a opção de privilegiar uma estratégia de distribuição de verbas de forma a agradar a todos (ou ao maior número) em detrimento de se lançarem bases e incentivos que promovam a produção, a criação de valor, o crescimento e o desenvolvimento agrícola do país e dos territórios rurais.

Parece que o PEPAC Português não será excepção e, um pouco à semelhança do comentado sobre a aplicação de todos os programas de apoio comunitários em Portugal, ficará para a história como mais uma oportunidade desperdiçada.

Afonso Bulhão Martins

Engenheiro Agrónomo e jovem agricultor

A Ministra que o Sector precisa(va)! – Afonso Bulhão Martins


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