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A agricultura e os fundos comunitários

Sem os mecanismos de compensação da PAC, as oscilações nos preços dos produtos alimentares seriam frequentes e significativas, com óbvios impactos na estabilidade orçamental das famílias.

A agricultura portuguesa tem vindo a acumular saltos qualitativos importantes ao longo das últimas décadas, mas o ponto de viragem do setor em direção à primeira linha da agricultura mundial verificou-se, sem qualquer margem de dúvida, no momento de adesão de Portugal à União Europeia, na altura designada Comunidade Económica Europeia, a chamada CEE, em 1985.

Com efeito, apesar do choque de competitividade da agricultura nacional, ainda pouco mecanizada, com as agriculturas europeias mais desenvolvidas, os mecanismos comunitários destinados a garantir um mercado único coeso, nomeadamente os fundos comunitários destinados ao investimento e à modernização do setor, foram determinantes para os passos que os agricultores deram ao longo dos anos seguintes.

Estes fundos vieram permitir uma transformação tecnológica desta atividade, nomeadamente através da aquisição de maquinaria agrícola, de equipamentos de rega e de todo um conjunto e instrumentos essenciais para assegurar a modernização do setor.

Os agricultores portugueses puderam assim produzir bens agroalimentares com mais qualidade e segurança para os consumidores e, simultaneamente, com menor impacto ambiental. Em simultâneo com uma maior capacidade produtiva veio o aumento das exportações e a integração da agricultura portuguesa no mercado único europeu e, verdadeiramente, na economia mundial.

Esta transformação, com base na mecanização do trabalho agrícola, foi acompanhada naturalmente, por uma diminuição do número de agricultores e de população em geral dedicada às atividades agrícolas, mas também por um aumento da dimensão média das explorações agrícolas, fundamental para que a agricultura portuguesa possa ser competitiva no contexto europeu, ainda que as especificidades mediterrânicas se mantenham e sejam até desejáveis.

Por trás desta lógica dos fundos comunitários destinados à agricultura, nem sempre compreendidos e valorizados pelos cidadãos, está um princípio fundador da Comunidade Europeia que após a Segunda Guerra Mundial, num período de carência de bens agroalimentares, garantiu aos europeus a sua subsistência e, verdadeiramente, a evitar a fome. Falo da Política Agrícola Comum (PAC), que neste momento atravessa um novo processo de revisão, sob a ameaça de uma corte de 17% nos fundos destinados ao setor agrícola.

Ao contrário do que possa parecer, a PAC destina-se a todos os cidadãos europeus, no sentido de garantir uma alimentação segura e a preços acessíveis, e não apenas aos agricultores. Sem os mecanismos de compensação da Política Agrícola Comum, as oscilações nos preços dos produtos alimentares seriam frequentes e significativas, com óbvios impactos na estabilidade orçamental das famílias. Para além disso, não seria possível garantir, pelo menos da mesma forma, a qualidade e a segurança alimentar que existem atualmente no espaço da União Europeia.

Por outro lado, sem a PAC, as garantias relativas ao ambiente e ao bem estar animal – temas de grande relevância para os cidadãos europeus neste momento – seriam naturalmente postas em causa, uma vez que os referidos mecanismos de compensação tornam-se fundamentais para que os agricultores europeus possam produzir de forma competitiva em relação aos agricultores de outras partes do mundo, onde as exigências relativas à proteção do ambiente e dos animais não são de forma alguma comparáveis aos elevados padrões que se praticam na União Europeia.

Assim, é importante termos em conta esta realidade quando, por vezes de forma pejorativa, nos referimos aos fundos europeus ou ao princípio da compensação dos agricultores pela atividade que desenvolvem. É igualmente importante ter noção que foram os fundos comunitários que nos trouxeram ao ponto de desenvolvimento em que nos encontramos, e que estamos a considerar uma redução da PAC numa altura em que as expectativas quanto ao crescimento da população mundial implicam um aumento exponencial da produção agrícola global.

Luís Mira, Secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)


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