*Texto escrito para o livro dos 50 anos da SEDES “Ambição: Como duplicar o PIB em 20 anos”
Os aspectos mais significativos e, simultaneamente, mais preocupantes da evolução da agricultura portuguesa nas últimas décadas foram a evolução negativa do produto agrícola bruto e a perda de competitividade média das suas explorações agrícolas.
Entre 1990 e 2020, o produto agrícola bruto nacional evoluiu a uma taxa de crescimento média anual de -1,3%, a qual foi consequência de dois factores principais.
Por um lado, do decréscimo da superfície agrícola cultivada (-1,4%/ano) o qual foi, no entanto, parcialmente compensado pela evolução positiva da produtividade do factor terra (+1,9%/ano) e, por outro, pela evolução desfavorável da produtividade dos factores intermédios (-1,8%/ano) que foi consequência de um crescimento do respectivo consumo (+2,4%/ano) muito superior ao do volume da produção agrícola (+0,5%/ano).
Por seu lado, a competitividade média das explorações agrícolas portuguesas sofreu um decréscimo no conjunto das últimas três décadas (-0,6%/ano), que resultou de um ligeiro crescimento da respectiva produtividade (+0,7%/ano) que só muito parcialmente conseguiu compensar o efeito negativo para as explorações agrícolas portuguesas da evolução sofrida pelas relações entre os preços agrícolas e os não agrícolas (-1,3%/ano).
Esta significativa perda de competitividade média das explorações agrícolas foi, no entanto, compensada por uma evolução ligeiramente positiva, entre 1990 e 2020, do respectivo rendimento médio (+0,4%/ano) o que foi consequência da evolução muito favorável verificada para o valor das transferências de rendimento geradas pelos apoios directos em vigor na PAC (+4,9%), o que assegurou a viabilidade económica de um número considerável de explorações agrícolas não competitivas.
É de realçar que, na última década, se verificou uma inversão favorável nas tendências negativas anteriormente identificadas, tendo, entre 2010 e 2020, se assistido a:
- um crescimento de +1,1% no produto agrícola bruto, decorrente de uma evolução favorável quer da superfície agrícola cultivada (+0,8%/ano) quer da produtividade do factor terra (+1,7%);
- um crescimento de +2,9% da competitividade média das explorações agrícolas portuguesas, resultante de um ganho da sua produtividade média (+1,7%) e uma evolução favorável nas relações entre os preços agrícolas e não agrícolas (+0,4%);
- um aumento no rendimento médio das explorações agrícolas (+2,4%/ano) que, no entanto, beneficiou menos do que nas décadas anteriores, da evolução dos apoios directos aos produtores (+1,1%/ano).
Do anteriormente exposto, pode-se concluir que foram quatro os principais factores explicativos do comportamento económico pouco favorável do sector agrícola português nas últimas décadas.
Um primeiro factor diz respeito à importância assumida nos resultados das explorações agrícolas das transferências de rendimento geradas pelas medidas de apoio ao rendimento dos produtores em vigor que, assegurando a viabilidade económica dos sistemas de produção praticados, têm muitas vezes desincentivado a obtenção de ganhos de produtividade capazes de contribuir para a sua competitividade.
Um segundo factor tem a ver com a evolução muito desfavorável da relação entre os preços agrícolas e não agrícolas, em geral, e dos preços dos produtos e dos factores agrícolas de produção, em particular.
Um terceiro factor está relacionado com a acentuada redução observada na superfície agrícola cultivada, motivada, no essencial, por uma progressiva perda de produtividade de grande parte dos nossos solos e pelo crescente agravamento dos seus deficits hídricos.
Um quarto factor diz respeito à predominância de tecnologias e práticas agrícolas baseadas predominantemente num modelo de intensificação tecnológico em que os ganhos de produção implicam uma crescente utilização de factores intermédios de produção quase sempre com impactos negativos do ponto de vista ambiental.
A evolução mais favorável na última década do crescimento e da competitividade agrícolas, foi consequência da inversão positiva ocorrida no conjunto dos factores em causa.
Para se poder estabelecer que caminhos se deverão privilegiar nas próximas décadas vai ser necessário adicionar aos factores de âmbito sectorial em causa, outros de âmbito mais geral, que dizem respeito, no essencial:
- à necessidade de se vir a contribuir para a satisfação das necessidades alimentares de uma população mundial crescente com base em dietas saudáveis e acessíveis a todos, baseadas em sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis;
- aos compromissos assumidos no âmbito dos objectivos da neutralidade carbónica com base em opções produtivas e tecnológicas capazes de contribuir para a mitigação das emissões de GEE, para o sequestro de CO2 no solo e na vegetação e para a adaptação dos sistemas de produção agrícolas e florestais ao processo das alterações climáticas em curso.
Que estratégia adoptar para inverter as tendências negativas do passado e caminhar de forma sustentável para um crescimento significativo da agricultura portuguesa é o que irei abordar de seguida.
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Francisco Avillez
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGROGES
favillez@agroges.pt
O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.