Francisco Avillez

A agricultura portuguesa teve em 2016 um dos piores resultados económicos da última década e meia – Francisco Avillez

1. No passado dia 13 de Dezembro foi publicada pelo INE (consultar aqui) a primeira estimativa das Contas Económicas da Agricultura (CEA) para o ano de 2016, cujos resultados económicos alcançados foram globalmente muito negativos, apesar do rendimento da actividade agrícola ter crescido 5,8% em relação a 2015. Dada a aparente contradição das duas afirmações anteriores, torna-se necessário proceder à sua análise mais detalhada, o que procurarei fazer nos pontos seguintes.

2. Primeiro, de acordo com os dados da referida estimativa, o produto agrícola bruto em volume, medido pelo valor acrescentado bruto a preços no produtor constantes, sofreu em 2016 um decréscimo de 11,7% em relação a 2015, o qual contrasta muito desfavoravelmente com as taxas de crescimento médio anual (t.c.m.a.) verificadas no período 2000-10 (-1%) e 2010-14 (-0,7%) e, principalmente, com o acréscimo de 8,7% alcançado no ano de 2015 em relação a 2014 (Quadro 1).

Quadro 1

Evolução do produto agrícola bruto e do rendimento do sector agrícola entre 2010 e 2016

Variação média anual (%)
2000-10 2010-14 2014-15 2015-16
Produto agrícola bruto
em volume1) -1,0 -0,7 +8,7 -11,7
em valor2) -0,9 -0,6 +5,8 -6,7
Rendimento do sector agrícola3) +0,2 -1,3 +2,0 +0,9
1) Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a preços no produtor constantes
2) Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a preços no produtor correntes nominais
3) Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a custo de factores a preços nominais

Fonte: Contas económicas da agricultura do INE

Significa isto que o sector agrícola português terá tido em 2016 uma contribuição muito negativa para o crescimento do PIB, invertendo-se, assim, a tendência de evolução positiva verificada nos últimos cinco anos.

Este decréscimo do VAB a preços constantes em 2016 foi, de acordo com os dados da estimativa em causa, consequência da redução de 4,7% no volume de produção agrícola, a qual resultou das correspondentes quebras verificadas para os cereais (-5%), vegetais e produtos hortícolas (-4,2%), batatas (-5,3%), frutos   (-11,2%), leite (-3,5%) e vinho (-20%), todas elas muito superiores à redução observada no volume dos consumos intermédios agrícolas (-1,4%).

Importa, ainda, sublinhar que esta variação de -4,7% no volume de produção agrícola em 2016, segue-se a um acréscimo de 4,0% no ano 2015 em relação a 2014.

3. Segundo, o produto agrícola bruto em valor, medido pelo valor acrescentado bruto a preços no produtor correntes nominais, decresceu 6,7% em 2016 em relação a 2015, quando no ano anterior a variação anual tinha sido de um acréscimo de 5,8% e, em média, nos períodos 2000-10 e 2010-14, respectivamente, de -0,9%/ano e -0,6%/ano.

Comparando os decréscimos em valor e em volume no ano de 2016 para o valor acrescentado bruto agrícola, pode-se afirmar que a relação entre os preços recebidos e pagos pelo produtor foi, este ano, mais favorável em média aos produtores, se bem que de forma bastante desigual entre produtos.

4. Terceiro, o rendimento do sector agrícola medido pelo valor acrescentado bruto a custo de factores e a preços nominais, apresentou uma variação positiva de +0,9% no ano de 2016 em relação a 2015, a qual, tendo sido mais favorável que a t.c.m.a. entre 2000-10 (+0,2%/ano) e entre 2010-14 (-1,3%/ano), foi menos de metade da observada para o ano de 2015 em relação a 2014 (+2,0%).

Importa realçar que o comportamento favorável do sector agrícola em 2016 só foi possível porque a quebra observada no produto agrícola em valor (-6,7%) foi mais que compensada pelo aumento anormal (+38,1%) dos pagamentos directos aos produtores desligados da produção (a que o INE designa por outros subsídios à produção).

Em minha opinião, o aumento em 2016 deste tipo de transferências de rendimento geradas pelas políticas agrícolas em vigor, só pode ser explicado pelo deferimento do seu pagamento de 2015 para 2016, o que, certamente, explica em grande medida a variação de -12,2% que esta rubrica das contas económicas sofreu no ano de 2015 em relação a 2014.

Significam estes números que, apesar dos deferimentos ocasionais (atrasos nos controlos) ou intencionais (motivos orçamentais) ocorridos que favoreceram os resultados económicos de 2016 em relação a 2015, o rendimento do sector agrícola cresceu menos do que no ano anterior.

5. Quarto, o rendimento da actividade agrícola, medido pelo rendimento dos factores deflacionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total, teve acréscimos de 5,8% em 2016, o dobro do observado em 2015 (2,9%) e ainda bastante mais elevado do que as t.c.m.a. verificadas nos períodos 2000-10 (0,4%/ano) e 2010-14 (2,0%/ano).

Este indicador, que eu prefiro designar por rendimento dos produtores agrícolas, pode ser decomposto em dois indicadores distintos:

  • a competitividade dos produtores agrícolas, medida pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor, deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total;
  • o suporte directo aos produtores, medido pelo valor total dos pagamentos directos aos produtores, deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total.

Procedendo a esta decomposição com base nos dados fornecidos pela primeira estimativa das Contas Económicas da Agricultura, pode-se concluir que (Quadro 2):

  • no ano de 2016, o acréscimo de 5,8% no rendimento dos produtores agrícolas portugueses teve subjacente uma perda de 5,8% nas respectiva competitividade, a qual foi, no entanto, largamente compensada por um acréscimo de 31,9% no suporte directo aos produtores em relação a 2015;
  • no ano de 2015 o acréscimo de 2,9% no rendimento dos produtores agrícolas, resultou de um ganho de competitividade de 8,3%, o qual foi muito penalizado por um decréscimo de 7,3% no respectivo suporte directos aos produtores em relação a 2014.

Quadro 2

Evolução do rendimento e da competitividade dos produtores agrícolas e da produtividade dos factores de produção agrícolas

Variação média anual (%)
2000-10 2010-14 2014-15 2015-16
Rendimento dos produtores agrícolas1) +0,4 +2,0 +2,9 +5,8
Competitividade os produtores agrícolas 2) -1,2 +1,9 +8,3 -5,8
Suporte directo aos produtores3) +4,6 +2,1 -7,3 +31,9
Produtividade do factor trabalho4) +0,9 +6,0 +17,3 -12,7
Produtividade dos factores intermédios e de capital5) -2,3 +0,7 +8,9 -14,3
Volume de mão-de-obra agrícola total6) -3,1 -3,8 -3,5 -6,5
1) Equivalente ao indicador do INE designado por Rendimento da Actividade Agrícola e medido pelo rendimento dos factores deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total
2) Medido pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor correntes deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total
3) Medido pelos pagamentos directos aos produtores líquidos dos impostos sobre os produtos e a produção deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total
4) Medido pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor constantes deflacionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total
5) Medido pelo valor acrescentado líquido agrícola gerado por unidade de valor da produção ambos a preços no produtor constantes
6) Equivalente ao número total de unidade de trabalho ano (UTA) agrícola assalariada e não-assalariada

Fonte: Contas económicas da agricultura do INE

Importa ainda realçar que a evolução mais favorável do rendimento dos produtores em 2016 face a 2015, foi reforçada pelo facto de o volume de mão-de-obra agrícola total ter, de acordo com a estimativa do INE, diminuído 6,5% no ano que agora termina, enquanto que esta redução foi de, apenas, 3,5% no ano passado.

Significa isto que, apesar de muito superior ao do ano de 2015, o acréscimo de rendimento dos produtos agrícolas em 2016 foi economicamente bastante menos sólido, uma vez que:

  • foi acompanhado por uma muito mais elevada perda de empregos agrícolas;
  • foi alcançado exclusivamente à custa de um aumento de 30 para 38% da sua dependência em relação aos pagamentos directos aos produtores em vigor, fruto do deferimento para 2016 de parte dos pagamentos relativos a 2015;
  • assentou numa evolução muito mais negativa, quer da produtividade do trabalho (-12,7% em 2016 face a +17,3% em 2015), quer da produtividade dos factores intermédios e de capital (-14,3% em 2016 face a +8,9% em 2015).

Para fazer realçar ainda mais a distorção introduzida pelo deferimento para 2016 dos pagamentos directos aos produtores devidos em 2015, fiz uma simulação dos rendimentos dos produtores agrícolas nos últimos dois anos, baseada naquilo que seria o mais provável, ou seja, na média dos valores entre 2015 e 2016, da qual resultou que:

  • em 2016 o rendimento dos produtores agrícolas teria sofrido um decréscimo de 3,7% e não o aumento de 5,8% estimado pelo INE;
  • em 2015 o rendimento dos produtores agrícolas teria tido um acréscimo de 6,7% e não, apenas, um aumento de 2,9%, como foi estimado pelo INE.

 

6. Por todos estes motivos, concluiria reafirmando que, apesar do titulo do destaque do INE de 13 de Dezembro (Rendimento da Actividade Agrícola deverá aumentar 5,8% em 2016) dar a entender o contrário, a agricultura portuguesa apresentou, em 2016, um dos piores resultados económicos da última década e meia e, nomeadamente, uma quebra muito acentuada em relação ao comportamento económico do sector no ano de 2015.

 

Francisco Avillez

Professor Emérito do ISA, UL

 

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