A Angústia de ser Agricultor – Carlos Neves

Nos últimos meses de 2005, a hipótese de fazer um investimento na minha exploração agrícola levou-me a ponderar sobre as perspectivas para o sector nos próximos anos. Enfim, o que deve fazer qualquer empresário antes de investir. Tentar perceber se os “ventos da história” me levam para onde quero ir. Estive mais atento ao que diziam os colegas de profissão, às notícias e aos políticos, tentando complementar a vinha visão do futuro com outras perspectivas. Por esses dias, os líderes europeus chegaram finalmente a acordo sobre o orçamento para 2007-2013, o que permitiu anunciar “novos” milhões para o desenvolvimento rural. Contudo, no mesmo “pacote” dos milhões que hão-de vir, veio a condição da Comissão Europeia começar a preparar uma revisão da PAC em 2008. A mesma PAC que é (ou era?) para estar em vigor até 2013, mas que sofre cada vez mais pressões para ser revista. É fácil perceber que essa revisão se vai traduzir na redução dos apoios à agricultura, pela pressão interna dos países contribuintes, pela dificuldade de aplicar esta PAC numa Europa cada vez mais alargada e pelas pressões e acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

Se temos aqui uma boa e uma má notícia que podem gerar sentimentos opostos, pensemos na realidade portuguesa que as vai acolher: Um país rural desertificado, envelhecido, muitos terrenos abandonados. Um país que tem o fado como “música oficial”. Uma agricultura que depende de uma PAC baseada no apoio ao rendimento dos agricultores, aliás, compensações pelas baixas de rendimento, onde os representantes dos agricultores têm de lembrar constantemente o pior da sua realidade porque “quem não chora não mama”. Um país rural devastado pelo fogo, abalado pela seca, abandonado ao seu destino.
Em Janeiro de 2006, já se anunciaram os milhões para 2007 mas não se pagou o subsídio da electricidade verde desde 2004, nem as agro-ambientais iniciadas em 2005. Os cereais anunciados para combater a seca em Abril do ano passado talvez venham em Janeiro deste ano. Coloca-se a cereja no bolo com a suspensão das candidaturas em 2006 a novas medidas agro-ambientais e às medidas 1 e 2 do programa AGRO, que apoiavam a instalação de jovens agricultores e o investimento nas explorações agrícolas.

Com todo este enquadramento, não admira que o sentimento generalizado dos agricultores seja uma grande angústia em relação ao futuro. A falta de confiança dos agentes económicos é um problema geral no nosso país, mas será difícil encontrar discursos mais pessimistas do que na agricultura. No fundo, estamos mal mas sentimo-nos ainda pior do que isso. Vemos o futuro negro. E esta angústia é perigosa porque nos paralisa e leva ao desânimo. Não reagimos, não investimos. “Não vale a pena”, “isto é para acabar”, são as frases que se ouvem de todos os lados.

Por tudo isto, talvez não fosse um disparate propor um “plano de combate ao desânimo na agricultura”. Confesso que ainda não sei como enquadrar esta proposta no fundo europeu de desenvolvimento rural. Admito que seja uma ideia estranha e seja preciso tempo para amadurecê-la. Contudo, por trás do melhor e do pior da nossa agricultura está a diferença de atitude entre lutar e desistir; entre a união e o individualismo; entre inovar ou estagnar. A nossa capacidade para vencer os problemas do dia-a-dia depende da nossa auto-estima, auto-confiança, capacidade de resiliência. Resiliente é aquela pessoa que apesar de cair é capaz de levantar-se e recomeçar. Recomeçar perante a seca, o incêndio, a colheita perdida, os preços baixos, os pagamentos atrasados, a cooperativa falida, os serviços incompetentes…”

Para além dos objectivos “psicológicos” que se possam incluir num plano nacional para o desenvolvimento rural, seria importante que organizações agrícolas e governantes fossem capazes de integrar estes objectivos na sua actuação. As primeiras com um discurso mais incisivo e positivo, os segundos com mais coerência entre as promessas, as decisões e os pagamentos efectivos…

Carlos Neves
Jovem Agricultor

A imagem da agricultura em Portugal – Carlos Neves


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