A calamidade dos incêndios florestais

Há duas coisas que os responsáveis políticos deveriam dizer aos portugueses: 1. vamos ter cada vez mais incêndios com perdas humanas e grandes prejuízos materiais; 2. não somos um país de incendiários que andam pela calada da noite a promover ignições. Afirmar “vamos atrás deles” é populismo do pior.

Portugal nunca mais voltará a ter uma vida rural como a que vivemos até há poucos décadas atrás. A litoralização e o abano, associados à realidade da ocupação humana do espaço, vão agravar-se. Só algumas luminárias lisboetas acham que o mundo se faz a partir das suas cabeças e os cidadãos são soldadinhos de chumbo a cumprirem as ordens voltando à aldeia.

Entre 2006 e 2009, foi criado um sistema que fazia assentar a prevenção estrutural da floresta numa Autoridade Florestal, a prevenção operacional na GNR e o combate aos incêndios na Autoridade de Proteção Civil. Foi revista toda a estrutura jurídica deste último universo, estruturada a operação inter-sistemas da Guarda e criada uma orgânica no Ministério da Agricultura com setores claros – Gestão da Floresta, Economia da Floresta e Prevenção Estrutural.

Foi aprovado um novo Código Florestal que revogava legislação de 1903 e obrigava a que houvesse um registo dos apoios públicos ao longo dos anos. O medo e o conservadorismo da direita e da esquerda radicais pararam o código e obrigaram à sua revogação sem que algo de diferente se fizesse. A floresta continua com legislação do início do século XX.

A prof. Assunção Cristas acabou com isto tudo e enfiou a Autoridade Florestal no Instituto da Conservação da Natureza fazendo com que a economia da floresta ficasse entregue às certezas dos ambientalistas.

Vieram os governos da “geringonça” e, em vez de colocarem as coisas no sítio, criaram a AGIF, um ente externo que não tem qualquer futuro.

Fizeram-se muitos investimentos? Sim! Mas foram no bom sentido? Na maior parte dos casos não. Porque a centralização das políticas florestais nunca dá bom resultado.

A grande decisão que os governos vão ter de tomar é vencer o minifúndio florestal associado ao minifúndio mental. As pessoas não vendem as terras porque não lhes custa nada tê-las. É o sentimento português de apego à propriedade. Só um sistema pesado de tributação da propriedade rústica pode vencer a situação em que nos encontramos.

Mas a reforma 2006/2009 também carece de uma profunda alteração no âmbito da proteção civil. É preciso triplicar o número de equipas permanentes nos corpos de bombeiros, profissionalizar todos os comandos, incentivar a cooperação entre corpos, promover a qualificação humana e do material, separar transporte de doentes, emergência hospitalar e atividades da comunidade da atividade de proteção e socorro hard.

É necessário ter atenção à saturação estratégica da GNR no âmbito da proteção civil, incrementar a valia da Força Aérea e criar, no Exército, dois regimentos de emergência no Centro/Norte e no Centro/Sul para podermos enfrentar todas as catástrofes que virão. E encontrar uma linha programática que faça ligar o sistema de Emergência Médica ao sistema de Proteção e Socorro, deste ao sistema de Proteção Civil, seguindo este para o sistema de Segurança Interna e posteriormente para o sistema de Defesa Nacional e por último estruturar um verdadeiro sistema de Gestão de Crises. Isto serve para incêndios e terramotos, pandemias, ataques terroristas e guerras.

E precisamos de estancar urgentemente a ociosidade da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. Sente-se que parou no tempo, que tem cada vez mais recursos para o nível de serviço que presta. Isso vê-se nas conferências de imprensa, onde tudo se diz sem dizer nada. O uso de modelos iterativos para uma informação online que descanse ou mobilize os portugueses é urgente, como o é a formação permanente dos profissionais da comunicação social que são cada vez mais precários.

Tudo isto não se faz sem ministros das Florestas e das Emergências que saibam o que estão a fazer, sem uma relação permanente e valiosa com os autarcas e, em especial, com a sociedade civil.

Quase duas décadas depois da grande reforma iniciada em 2005, importa que o país deixe os remendos e vá fundo no que há a fazer.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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