“A Ciência já demonstrou que os eucaliptos não são a causa para os incêndios”

O Agroportal entrevistou Francisco Gomes da Silva, Diretor Geral da Biond, ex CELPA, organização que representa a fileira da Pasta, Papel e Cartão. Com nova imagem, a Biond apresenta-se no lado da solução para o desafio da Sustentabilidade, e com uma conjunto de projetos para o desenvolvimento sustentável da floresta do Eucalipto.


A Biond vai avançar com um novo projeto para ajudar a desenvolver uma “Melhor Floresta”. Do que se trata, em concreto?

Trata-se de um projeto que iremos concretizar com o mesmo objetivo dos restantes projetos que a Biond desenvolve no terreno: demonstrar a utilização de boas práticas de gestão florestal, e evidenciar que as abordagens que propomos são exequíveis no terreno e em escala, mesmo com os constrangimentos que todos conhecemos e de que destacaria a fragmentação da propriedade e o desconhecimento de quem são, e se existem, muitos dos proprietários.

É um projeto que envolve diversos parceiros com envolvimento no território, tais como organizações de produtores florestais como a Forestis e a UNAC, entidades da academia e investigação como a Escola Superior Agrária de Coimbra, o ForesWise, INIAV, Instituto Superior de Agronomia e a UTAD, e contamos ainda com a participação da Comunidade Intermunicipal de Coimbra. Insere-se numa agenda mobilizadora – a agenda TransForm – financiada pelo PRR. O projeto baseia-se na instalação de áreas piloto com uma escala interessante e também de áreas de demonstração de algumas práticas de silvicultura em concreto. Estão já identificadas diversas localizações, de norte a sul do país, e já se iniciaram os trabalhos no terreno, com a identificação das manchas de território a serem intervencionadas e a subsequente identificação de proprietários.

O grande objetivo é o de mostrar que é possível fazer mais e melhor pela nossa floresta, assim o Estado assegure instrumentos de política pública (para financiamento, mas não só) adequados e de simples aplicação. Temos aversão à burocracia nas nossas intervenções, sendo esta uma das causas do sucesso que temos alcançado na nossa ação no território, como o comprovam os mais de 55.000 ha nos quais a Biond interveio ao longo dos últimos 4 anos.

Este novo projeto complementa uma série de outros projetos já em curso. Com quantos e quais é que a Biond conta presentemente?

Tem toda a razão. Como referi, é um projeto que vem na sequência das diversas ações que a Biond tem vindo a implementar no terreno. Dos restantes programas, o mais expressivo em termos de dimensão territorial, é o Limpa e Aduba, um projeto que apoia pequenos proprietários florestais (é condição para acederem ao Programa) na melhoria da gestão dos seus povoamentos de eucalipto. Nesta iniciativa, que vai agora para a sua 5ª campanha, fica a cargo do proprietário a “limpeza” da parcela (controlo de vegetação espontânea e seleção de varas) e a Biond oferece o adubo e apoia no custo da sua aplicação. Com isto, conseguimos reduzir de forma significativa o risco de incêndio (e, consequentemente a sua incidência efetiva) e aumentar a produtividade dos povoamentos. Realço que a adesão a este programa, com aliás a qualquer outro programa da Biond, não compromete o proprietário com o destino da madeira, sendo completamente livre de a comercializar com quem entender.

Embora com menos impacto territorial (o Limpa e Aduba já cobriu mais de 50 mil hectares), temos também um projeto que denominámos de Replantar Pedrógão, que juntou dezenas de proprietários da área ardida em 2017 numa ação de arborização conjunta. É uma área que pretendemos que seja contínua, abrangendo atualmente mais de 150 hectares, que conta com diversas manchas de eucalipto, medronheiro, pinheiro-bravo e carvalhos. Para além da rearborização seguindo as melhores práticas, melhoraram-se os caminhos florestais e, no final, teremos também as linhas de água devidamente limpas e protegidas com as espécies mais indicadas para as respetivas galerias ripícolas.

Finalmente, iniciámos na campanha passada e contamos terminar na atual campanha, uma ação que visa a recuperação de áreas ardidas nos incêndios de 2017, também exclusivamente de pequenos proprietários, mas sem recurso à replantação. Tem duas frentes distinta. Uma primeira frente no Município de Mortágua, que tem contado com o entusiasmo da Autarquia nas pessoas do seu Presidente e Vice-presidente, que cobre uma mancha com cerca de 800 hectares que estamos a recuperar como áreas produtivas através de limpezas de vegetação espontânea e de correção de densidade de árvores (por seleção de varas e abate de arvores em excesso). Este projeto tem um enorme impacto, pois a situação que encontrámos no terreno era de um abandono absoluto após os incêndios de 2017, com o desenvolvimento de verdadeiras “paredes” de árvores de pequeno diâmetro. Enfim, um verdadeiro paraíso para as chamas, caso algum incêndio aí deflagrasse. Escusado será dizer que, para além de passarmos a ter uma floresta produtiva que irá gerar rendimento aos seus proprietários e gestores, conseguimos reduzir de forma impressionante o risco de incêndio. A segunda frente, centra-se num núcleo de 4 aldeias no município de Pedrógão, no qual se inclui a aldeia-mártire do Nodeirinho. Aí estamos a concretizar as faixas de defesa em torno nas aldeias, bem como a recuperação da área de floresta que fica dentro do polígono por elas definido. De realçar, nesta ação, o importante papel da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão e das juntas de Freguesia em causa.

Sente que este esforço levado a cabo pelo setor é acompanhado pelas necessárias políticas públicas para que o país tenha mais e melhor floresta?

Respondendo de forma construtiva dir-lhe-ia que tenho a esperança de que essas políticas públicas venham a trilhar esse caminho. Precisamos claramente de acordos setoriais, baseados em contratos programa com entidades que evidenciem capacidade de execução de obra no terreno, cumprindo cadernos de encargos que enquadrem os diversos interesses em questão. Precisamos de políticas simples e desburocratizadas, que se centrem em objetivos bem definidos, mensuráveis e controláveis. Precisamos de políticas públicas que reconheçam, sem tibiezas, que a floresta dita de produção é essencial para gerar equilíbrio e desenvolvimento no nosso território, e imprescindível para garantir o adequado desenvolvimento e gestão de áreas de proteção e conservação. Mas gostaríamos muito que tal pudesse acontecer por via dos estímulos positivos das boas práticas, e não apenas pela via da penalização fácil e da taxação de atividades económicas que diariamente procuram gerar valor.

A título de exemplo, é com muita apreensão que assistimos à regulamentação da chamada “taxa das celuloses”, embora com um nome mais fofinho de “contribuição extraordinária para a conservação dos recursos florestais”. Estamos certo que muito melhores resultados se poderiam obter com base em compromissos políticos de longo-prazo, que envolvessem também as indústrias de base florestal como motores da indução de maior diversidade e resiliência da nossa floresta.

Enquanto representante da bioindústria de base florestal, calculo que a sua atenção esteja muito focada na floresta de eucalipto. Sabendo da proibição de plantação de novas áreas desta espécie, de que forma é que vê o futuro?

Vejo com apreensão. Primeiro porque a proibição se baseia apenas num preconceito ideológico, ou seja, não há nenhuma base sustentada no conhecimento de que devamos ou não ter mais ou menos área de eucalipto do que aquela que existe hoje. Depois porque, a este preconceito veio juntar-se o mito urbano de que a causa para os incêndios que temos em Portugal são os eucaliptos. A Ciência já demonstrou que assim não é (e atenção, porque temos alguns dos melhores cientistas que trabalham nesta área do comportamento e ecologia do fogo), e estamos há pelo menos 5 anos virados para a perseguição de moinhos de vento em vez de nos centrarmos no que é verdadeiramente importante: reintroduzir níveis mais intensos de gestão nos espaços florestais, cuja exigência é acrescida pela alteração das principais variáveis climáticas.

Preocupa-me também quando, por vezes, me parece que não se têm a noção do impacto daquilo que está em causa. Portugal demorou cerca de 25 anos a ganhar a posição que hoje tem na indústria que a Biond representa, graças à excecionalidade da fibra do Eucalipto globulus que tão bem se adapta ao nosso território. Se não agirmos de forma correta daqui para a frente, é muito fácil em poucos anos desbaratar esse ganho. Digo isto na plena convicção, sedimentada no conhecimento científico, de que podemos produzir em Portugal mais 20 ou 30% de madeira de eucalipto do que aquilo que produzimos hoje sem que isso represente qualquer contributo ambiental negativo para as variáveis ambientais e do clima. Pelo contrário, com o conhecimento que hoje temos, podemos produzir valores ambientais relevantes (também chamado serviços dos ecossistemas) em povoamentos de eucalipto geridos de forma adequada.

Numa votação aberta a todos os portugueses, foi recentemente eleito um eucalipto (Eucalipto de Contige – Satão) como Árvore Nacional do Ano. Poderemos estar a entrar numa nova fase da perspetiva que os portugueses têm desta espécie?

É, seguramente, um sinal interessante de que alguma coisa possa vira a mudar em relação à perceção que os portugueses têm desta espécie, uma vez que uma parte muito significativa dessa perceção é induzida por inverdades que a Ciência ajuda a desmascarar.

Para além disso, temos que ter a noção que as alterações climáticas estão em curso. Isto significa, entre outras coisas, que as condições naturais que teremos daqui a 50 anos são diferentes das que temos hoje ou das que tínhamos há 100 ou 200 anos. Ora, é natural que algumas das espécies autóctones e/ou daquelas que, não o sendo, se naturalizaram há muito tempo (por estarem bem-adaptadas a essas condições) passem a estar menos bem-adaptadas. É aí que a diversidade introduzida por espécies exóticas sem comportamento invasor (como é o caso do eucalipto) nos pode ser muto útil na adaptação às novas condições que vamos experimentando.

Se cada vez caminhamos mais para um mundo inclusivo, que sentido faz acharmos que a “natureza boa” é apenas aquela que é construída com espécies autóctones?

Uma derradeira questão: A Biond apresenta-se como sinónimo de Sustentabilidade. Em que é que fundamenta essa afirmação?

Fundamento-a no orgulho que tenho em poder representar uma fileira que responde aos desafios da sustentabilidade do presente e que tem um potencial imenso de revolucionar as respostas que precisamos para os desafios que ainda estarão para nos ser colocados. De facto, usamos recursos renováveis que ajudamos a conservar cujo crescimento promovemos, traduzimos um processo quase 100% circular (são muito poucos, e cada vez menos, os resíduos do processo que vão para aterro), produzimos produtos que são totalmente reutilizáveis e recicláveis, geramos um enorme valor acrescentado para a economia nacional e promovemos a criação de emprego cada vez mais qualificado.

Sobre este paradigma da Sustentabilidade que a indústria que a Biond representa constitui, temos ainda a cereja no topo do bolo e que responde a muitos dos desafios que nos serão colocados nos próximos anos: é nas fibras vegetais, e em particular nas fibras de origem florestal, que radica o potencial uma substituição abrangente das matérias-primas de origem fóssil. De forma simples, e para quem nos lê e tem formação nas áreas da biologia e na química este facto é facilmente percetível, tudo o que hoje se produz a partir de matérias-primas fósseis pode ser produzido a partir das fibras de origem florestal. Como costumamos dizer, é na floresta que existe o super-material do futuro!


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