Face à recente polémica decorrente da divulgação, por parte do Dr. José Ribeiro e Castro, de uma informação da Comissão Europeia que confirmou a perda de muitas centenas de milhões de euros de fundos agrícolas europeus não utilizados, a que se seguiu uma resposta oficial do Ministério da Agricultura, não só parcial, como habilidosamente orientada para a sua desresponsabilização, importa esclarecer o que verdadeiramente se passou, antes que a falta de explicação dê cobertura à consolidação de um registo histórico marcado pela falta de rigor.
1. Entre os vários montantes, relativos ao período 2000/2006, considerados pela Comissão Europeia como perdidos, ou em vias de o ser, é mencionado o valor de 282 milhões de euros, associado ao chamado Programa RURIS (um dos quatro instrumentos de apoio à agricultura onde não foram utilizados todos os montantes europeus disponíveis). Trata-se de um montante relativo a todo o país, incluindo as Regiões Autónomas, e referente aos sete anos em que o programa esteve em vigor.
2. O RURIS e as quatro medidas que o integravam, (Agro-ambientais; Indemnizações Compensatórias nas Regiões Desfavorecidas; Florestação das Terras Agrícolas e Reforma Antecipada), apesar de serem já antigas, foram negociadas e regulamentadas, para esse período, de forma pouco apropriada à realidade agrícola nacional pelo Governo Socialista que esteve em funções até Abril de 2002.
3. O conteúdo pouco apropriado do programa (limitações várias; apoios reduzidos, regras de acesso irrealistas, etc.), segundo a regulamentação europeia, não podia ser alterado, a não ser em 2003. Isso teve como consequência uma fraca adesão dos agricultores, exclusivamente por esse motivo, e originou despesas públicas inferiores aos montantes europeus disponíveis.
4. Se em 2003, primeiro ano inteiro da responsabilidade da coligação PSD/CDS, nem todo o dinheiro disponível foi utilizado, foi por falta de candidaturas dada a deficiente concepção do programa e não por falta de dinheiro no orçamento para assegurar as necessárias contrapartidas nacionais.
5. Depois de entrarem em vigor efectivo, em 2004, as alterações regulamentares da responsabilidade do Governo PSD/CDS, tudo se modificou. A cobertura das medidas foi alargada; os prémios foram aumentados; o acesso dos agricultores foi facilitado; as indemnizações para os pequenos agricultores duplicaram e as candidaturas passaram a ser informatizadas.
6. Tendo crescido exponencialmente o número de agricultores candidatos e as respectivas despesas públicas, o Governo Socialista (em funções a partir do inicio de 2005) – que reduziu as verbas do Ministério da Agricultura destinadas às contrapartidas nacionais, entretanto cativadas pelo Ministério das Finanças – viu-se obrigado a suspender uma grande parte do RURIS e a não honrar os compromissos anteriores. Por isso, não pagou aos agricultores aquilo que eles julgavam ter direito e desperdiçou um montante considerável de verbas europeias. Esta questão gerou aliás, na altura, uma polémica considerável com os agricultores, tendo os responsáveis do MADRP acusado os seus antecessores de terem dado origem a “gastos excessivos”.
7. A conclusão é óbvia:
Durante o curto período em que governou o PSD/CDS (que no período inicial se viu obrigado a gerir um programa com um conteúdo desadequado às necessidades da agricultura e do qual não foi responsável), nunca se rejeitou uma candidatura, nunca se deixou de pagar um só euro aos agricultores por falta de dotação orçamental e sempre se respeitaram os compromissos;
Durante os Governos do PS as coisas foram completamente diferentes. Antes de 2003 a execução financeira foi de tal maneira reduzida que o Governo da coligação, quando entrou em funções, foi obrigado a pagar uma multa de quase 5 milhões de euros por falta de execução em 2001. A partir de 2005, e em particular nesse ano, o Governo PS não assegurou os compromissos, suspendeu e anulou várias medidas do programa por falta de orçamento nacional e desperdiçou, por sua própria iniciativa, um montante considerável de fundos comunitários disponíveis.
Meter tudo no mesmo saco, como se as responsabilidades fossem idênticas é lançar poeira para os olhos dos portugueses. Espero que apenas daqueles que voluntariamente se querem deixar confundir.
Armando Sevinate Pinto
Ex-ministro da agricultura
(Abril de 2002 a Julho de 2004)
A crise no sector do leite e a supressão do regime de quotas em 2015 – Armando Sevinate Pinto