Denomina-se por «Requeijão da Madeira», por vezes também chamado de «Requeijão Madeirense», o produto lácteo fresco resultante da precipitação ou coagulação pelo calor do leite de vaca inteiro, acidificado naturalmente pela ação das bactérias lácticas nativas que se desenvolvem no leite cru e que, segundo o modo particular e tradicional de produção regional, é obtido sem adição de qualquer coalho, fermento ou acidificante, apenas adicionado de sal e não submetido a processo de cura.
O modo particular e tradicional de produção «Requeijão da Madeira» determina que este produto preserve a grande maioria dos constituintes do leite, pelo que apresenta teores elevados de proteína (normalmente superior a 15%), de lípidos (acima de 16%) e de cinza (acima de 1,8%), mantendo ainda alguns açúcares (entre os 2% e os 3%), sendo que estes valores podem oscilar ao longo do ano, em função das variações naturais da composição do leite de vaca cru produzido na ilha da Madeira que lhe dá origem. Apresenta um teor normal de sal (entre os 0,2% e os 0,3% de sódio) e uma ligeira acidez (pH entre 5,6 e 6,2), mantendo uma considerável humidade, que pode variar entre os 52% e os 66%.
Apresenta uma coloração intensa e mais ou menos baça, que vai do branco giz ao ligeiramente amarelado e uma consistência cremosa, suave a mais ou menos grumosa e densa ou podendo conter algumas fendas ou cavidades. Normalmente, é bastante firme, o que permite que possa ser cortado para embalamento, mas, quando moldado em cinchos ou placas multimoldes para embalagens individuais, pode ficar mais húmido e menos firme. Apresenta fraca a média coesividade, adesividade e dureza e uma mastigabilidade e elasticidade normal. Ostenta um aroma lácteo a amanteigado, com notas doces e frutadas. O seu sabor é também lácteo e agradável, ligeiramente amanteigado e/ou doce, com gosto salgado normal e levemente ácido. Tanto o aroma como o sabor são de intensidade normal.
Os relatos dos atuais produtores do «Requeijão da Madeira» indicam que, desde o início do século XX, nas zonas altas das freguesias de Santo António de Serra, Camacha e de Gaula os seus antepassados, em simultâneo com a produção de manteiga, mantinham a produção artesanal de um queijo não curado, seguindo técnicas elementares secularmente mantidas pelos criadores de vacas e por alguns leiteiros (distribuidores de leite cru) destas localidades, como forma de aproveitamento do “soro” ou do leite que acidificava nas suas “vasilhas”, como localmente são denominadas as bilhas de leite.
Inicialmente, devem ter sido produzidos a partir do “soro” resultante do leite que era levado aos postos de desnatação para a retirada das natas que eram enviadas para a fabricação de manteiga, atendendo a que os criadores tinham o direito de ficar com o “soro”.
Este “soro”, que na verdade correspondia a leite cru desnatado, mantendo a totalidade das demais componente do leite, acabava por acidificar naturalmente, pelo que, para terem algum aproveitamento, os produtores promoviam a sua “fervura”, recolhendo os coágulos formados, que comprimiam numa “toalha de algodão” para formar pequenos queijos que podiam conservar e consumir por um período mais alargado.
A reestruturação do setor dos lacticínios da Madeira, verificada na sequência da crise de 1936, conduziu ao encerramento da grande maioria dos postos de desnatação por toda a ilha, pelo que é natural que os produtores destas localidades tenham passado a utilizar o leite inteiro de vaca para a produção dos seus queijos, cujo modo tradicional de produção foi preservado e aperfeiçoado durante a segunda metade do século XX, para garantir o cumprimento das disposições legais exigidas na produção artesanal de produtos lácteos.
Porque estes queijos frescos foram inicialmente produzidos a partir do, então, designado por “soro do leite”, os produtores locais passaram a denominar a sua produção de “requeijão” ou de “pães de requeijão” e só posteriormente, já nas últimas décadas do século XX, este produto passou a ser denominado por «Requeijão Madeirense» ou «Requeijão da Madeira» para o distinguir do requeijão proveniente do continente português ou de outras origens e que é produzido apenas a partir do verdadeiro soro de leite.
É o processo particular e tradicional de transformação do leite de vaca inteiro produzido na ilha da Madeira e acidificado naturalmente apenas pelas estirpes de bactérias láticas nativas que se desenvolvem no leite cru, que determina que o «Requeijão da Madeira» apresente as características organoléticas próprias que o distinguem e que, para além de lhe conferirem o aroma e sabor lácteo pouco ácido e ligeiramente amanteigado e frutado, muito apreciados na sua degustação “ao natural”, determinam a presença de altas concentrações das proteínas do soro que lhe atribuem propriedades de elevada humidade, boa coesividade e de baixa capacidade de fusão e que o tornam ideal na produção das principais iguarias da pastelaria tradicional e contemporânea madeirense.
No âmbito dos regimes de qualidade da União Europeia pode ser reconhecida como Indicação Geográfica Protegida ou IGP a denominação (nome) de um produto cuja qualidade, reputação ou outra característica específica se deve essencialmente à sua origem geográfica delimitada. Porque a denominação «Requeijão da Madeira» reúne as condições necessárias para ser registada como IGP ao abrigo dos Regimes de Qualidade da União Europeia, no passado dia 17 de agosto de 2021 foi emitida decisão favorável da Secretaria Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural ao pedido de registo subscrito pelos responsáveis pelas unidades artesanais que se dedicam à produção deste produto no território da ilha da Madeira, que demonstraram ter interesse legítimo nesta produção e que, a título voluntário, procederam à sua inscrição no Agrupamento dos Produtores do Requeijão da Madeira, criado pelo Despacho n.º 43/2020, de 28 de janeiro, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira (JORAM), Série II, de 28 de janeiro.
Assim, dando cumprimento ao procedimento aplicável, foram publicados os avisos oficiais (Aviso n.º 35/2021/M, do Diário da República, de 01 de setembro, e o Aviso n.º 557/2021, do JORAM, de 01 de setembro) que tornam público que os produtores inscritos no Agrupamento dos Produtores do Requeijão da Madeira, solicitaram o registo da denominação «Requeijão da Madeira» como IGP, pelo que se encontra aberto, pelo prazo de 30 (trinta) dias a contar da data destas publicações, o respetivo procedimento de oposição nacional, de modo a que qualquer pessoa singular ou coletiva com interesse legítimo nesta produção e estabelecida ou residente em Portugal, pode consultar os documentos que o instruem o processo e apresentar propostas de alteração ou um ato de oposição devidamente fundamentado, através das páginas eletrónicas da SRA/DRA ou da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR).
Ana Paula Vasconcelos Caires
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural
O artigo foi publicado originalmente em DICAs.