João Sousa

A falta de conteúdo prático e o esquecimento de tradições no sistema educacional atual

Existem várias interpretações e conceitos de educação, sendo que um dos meus prediletos é o de Carlos Vianna que nos diz que “educação, em sentido amplo, representa tudo aquilo que  pode ser feito para desenvolver o ser humano e, no sentido estrito, representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades” (Vianna, 2008; Rego, 2018).

Hoje em dia o fenómeno educacional apresenta constantes atualizações, mas uma das suas grandes qualidades é também umas das suas maiores fragilidades pois é “vítima” constante de “opiniões”, tudo e todos sabem o que é bom, atual ou como se deve ensinar.

Para dar o meu exemplo, eu sou do concelho de Vila Verde (distrito de Braga) e apesar de algum recente abandono agrícola e pastorício, Vila Verde ainda mantém um vivo ambiente rural. Assim, felizmente, ainda sou do tempo onde no ensino primário havia a preocupação do contacto com as gentes da nossa terra, de viver as várias experiências sazonais e recreativas e sobretudo de passagem de conhecimento sem o esquecer das tradições. Entre o meu ensino pré-escolar e o ensino primário (1997-2003), tive a sorte de pertencer a uma escola que apresentou a ruralidade e as atividades agrícolas como pilares do quotidiano e as enquadrou num bonito método de aprendizagem; ao longo desses anos, nós alunos, participamos em várias vindimas, apanhas do milho, festividades e concursos de colheitas de frutos e até idas ao monte para apanhar faúlha (denominação utilizada no Minho, também vulgarmente conhecida por caruma) que era utilizada tanto para o aquecimento da escola assim como para o grande magusto anual. Para além do gosto pelo campo que em mim e em muitos meus colegas estas atividades fortaleceram, também nos deram grandes conhecimentos sobre a nossa terra, a nossa agricultura, biologia, ecologia, história, para além de conceitos de sazonalidade, tão importantes a nível sociológico e cultural para as povoações ao longo de milénios.

Infelizmente têm-se verificado o declínio constante destas atividades tanto no ensino primário e básico, assim como um desinteresse generalizado no ensino secundário e universitário.   Sem nenhum desprimor pela teoria (até porque primo procurar saber sempre mais), há várias atividades em que a prática é a sua vida e sem a experiência de campo, por muito que se saiba teoricamente, não há/pouco há como “fazer” as ideias irem para a frente.

A Agricultura e Pastorícia são atividades basilares para o ser humano e bem antes do conhecimento escrito foram elas que garantiram o sustento mundial da espécie humana e permitiram a fixação dos povos. Apesar de serem consideradas “atividades secundárias” para a maior parte dos governos mundiais, a Agricultura deveria ser uma forte prioridade e não só a grande economia/finanças ou os grandes avanços tecnológicos, por um motivo tão simples mas ao mesmo tempo tão “esquecido”: O Homo sapiens sapiens precisa de se alimentar e sem se alimentar, pode até ter criado carros voadores ou robôs falantes mas não consegue sobreviver!! Sim, parece uma frase retirada de texto humorístico, mas só revela o quão as prioridades estão trocadas atualmente!

Com o constante envelhecimento da população, desertificação do terreno e constantes desafios a nível climático é preciso cada vez mais trazer de novo as novas gerações de volta aos fundamentos, temos de aliar o bom conhecimento teórico atual à experiência prática das gerações anteriores; de pouco adianta saber que “estes e aqueles produtos” são nefastos para o solo se não sabemos trabalhar a terra (e vice-versa), de pouco adianta saber toda a teoria por detrás da rotação de culturas se não se sabe pegar numa enxada (e vice-versa). Assim, o verdadeiro conhecimento é isto mesmo, aliar a teoria à prática, formar cidadãos capazes de tornar o amanhã num futuro sustentável mesmo que as condições não sejam favoráveis.

Está na altura de quebrar preconceitos, está na altura de voltar ao passado para criar um novo futuro. Várias instituições de ensino tem nas suas posses hortas, campos e terrenos associados, ponham os alunos a “trabalhar a terra” como parte integrante das suas disciplinas/cadeiras, aliem o conhecimento dos antigos e dos académicos para transmitir uma mensagem culta e de esperança para os jovens, façam-nos mexer e ter atividade física assim como os ensinem a ter uma alimentação saudável com os frutos do seu conhecimento e suor. Enquanto isto for ignorado iremos continuar a ter mais gerações com pouca saúde e de gravata, sem conhecimento de causa e a “comandar” e legislar o mundo natural através do seu escritório nas profundezas da cidade.

“Pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas.

Muito conhecimento, faz que se sintam humildes.”

(Leonardo da Vinci)

João Sousa

Mestre em Ecologia

Estarão as “novas culturas” a ameaçar os Sistemas agro-silvo-pastorais? – João Sousa


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