A Fileira do Tomate Indústria tem futuro? – Ilídio Martins

A produção de tomate para indústria em Portugal deveria ser um caso de estudo, que para políticos e decisores, poderia ser exemplar.

Os agricultores que hoje produzem tomate para abastecer o sector industrial de transformação deste produto são profissionais altamente qualificados e com provas dadas de grande capacidade empresarial. Estes agricultores atingem produções ao nível ou acima da média mundial, demonstrando que podemos e conseguimos produzir em quantidade, com qualidade.

Portugal em 2012 foi o 4º maior exportador mundial de concentrado de tomate, produzindo 1,2 milhões de toneladas, sendo reconhecido internacionalmente a excelência da qualidade do nosso produto. Com a entrada em funcionamento do sistema de rega de Alqueva poderíamos aumentar consideravelmente a produção.

Apesar disto, nesta altura, corre-se o risco desta fileira desaparecer. Parece estranho que assim seja, mas de facto, tal pode acontecer, …. e não será por culpa dos agricultores.

Ao nível do agricultor a grande mudança deu-se em 1996 com a obrigatoriedade de pertencerem a um agrupamento/organização de produtores para poderem comercializar as suas produções. Foi uma imposição a nível da união europeia que, obrigando a deveres, também veio proporcionar muitos benefícios aos produtores de tomate. Em muitas regiões esta obrigação foi uma oportunidade de trabalharem em conjunto, de ganharem escala, de evoluírem tecnologicamente, de serem acompanhados por técnicos especializados e de poderem negociar melhor com os fornecedores e com a indústria.

Como fundador de uma dessas organizações acompanhei todo o processo e posso afirmar que de facto foi positivo, tendo-se transformado um sector agricola desorganizado, disperso e amador, numa fileira produtiva altamente especializada, com capacidade de organização conjunta, com todos os meios necessários para dar resposta á necessidade da industria.

No caso da AlenSado, em 1996 a média produtiva era de 40 t/ha, apenas em 25% da área eram utilizadas plantas seleccionadas produzidas em viveiro certificado, apenas 30% da área cultivada foi regada com sistema gota a gota, penas 5% da produção foi colhida por máquinas especializadas e o transporte para as indústrias efectuou-se com viaturas de pequena tonelagem, de forma desorganizada, gerando o caos nas entregas, com graves prejuízos na qualidade do produto. Não existia qualquer registo ou planeamento da produção, nem controlo dos adubos e fitofármacos aplicados.

Hoje, nesta organização de produtores toda a área de tomate produzida pelos associados obedece a um plano de produção rigorosamente concebido, planeado e acompanhado por técnicos. A escolha das variedades, a produção das plantas, a época de plantação e o seu escalonamento, e os produtos agroquimicos utilizados e todos os factores de produção, ou são fornecidos, ou são aconselhados pela AlenSado, sendo feito um acompanhamento e um controle produtivo permanente, por forma a que seja obtida, por parte de cada associado, uma produção de qualidade e em quantidade, de acordo com as exigências da industria e com pleno respeito pelas regras ambientais. Hoje esta cultura está plenamente mecanizada, desde a plantação até à colheita. As colheitas são coordenadas com os transportes, de acordo com o planeamento efectuado conjuntamente com a indústria. A média produtiva situa-se nas 100 t/ha de tomate indústria com certificação de qualidade Globalgap.

Os agricultores fizeram o seu trabalho, investiram, mudaram, evoluíram e obtiveram resultados.

Mas estamos na Europa e em Portugal. Produzir muito, produzir com qualidade pode não ser suficiente se a estrutura de custos for insuportável e se o preço pago pela indústria estiver ao nível tão baixo que não permita suportar esses custos. Hoje um Kg de tomate entregue na industria vale em média 0,075 €, quando em 1996 valia 0,095 €, sabendo-se que em 17 anos todos os factores de produção têm aumentado anualmente. Hoje produzir um ha de tomate é um pesado investimento e um investimento de alto risco. Em média, será necessário investir 6000 a 6500 €/ha, esperando que S.Pedro seja benévolo ou que não ocorra qualquer anormalidade que permita obter pelo menor 90 t/ha para poder recuperar o investimento e poder obter alguma remuneração do seu trabalho. É um risco demasiado elevado, com muito pouca “rede” uma vez que os seguros ou não existem ou estão desenquadrados das reais necessidades de cobertura, sendo cada vez menos os agricultores que se dispõem a arriscar, sobretudo quando encontram alternativas produtivas de menor investimento e menor risco, como por exemplo o milho.

Com o recente desligamento total e a perspectiva da vinda da nova PAC, com incertezas que tardam em ser esclarecidas, com um mercado liberalizado e altamente concorrencial de países com claras vantagens competitivas, nomeadamente ao nível das suas estruturas de custos, a produção de tomate poderá ser altamente problemática nos próximos anos.

Há que tomar medidas que acautelem o futuro da cultura, medidas politica e decisões estratégicas que possam melhorar a competitividade industrial e apoios dirigidos aos agricultores que possam compensar os desequilíbrios de uma concorrência desleal de outros países em que as exigências laborais e ambientais são menosprezadas.

Os produtores de tomate não querem “ajudas”, querem simplesmente que a sua conta de cultura seja positiva, que possam obter, como em qualquer sector de actividade, a justa remuneração do seu trabalho e o retorno do seu investimento. Cabe á industria e aos decisores políticos estar atentos e criar as condições para a manutenção e expansão de uma cultura que tem um elevado potencial de exportador e de criação de valor acrescentado para Portugal.

Ilídio Martins
Presidente da Assembleia Geral da AlenSado.

A gestão estatal do Alqueva (EFMA) – Ilídio Martins


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