Estou convencido que não é boa a imagem que os portugueses têm da sua agricultura e dos seus agricultores. Desconheço se alguém já estudou a fundo este assunto no nosso país. Fiz várias pesquisas na Internet e quase nada encontrei. A nível europeu, o CEJA, Conselho Europeu de Jovens Agricultores, realizou há poucos anos uma sondagem junto das crianças europeias concluindo que estas viam o agricultor europeu como “pobre e idoso”, entre outros adjectivos. Desse trabalho resultou uma iniciativa designada “Missão Tellus” que pode ser visitada em http://www.ceja.educagri.fr/por/ac.htm e se destina a apresentar a agricultura aos mais novos. Tem o mesmo objectivo que as várias quintas pedagógicas que já existem no nosso país, nascidas por iniciativa das autarquias e direccionadas para a comunidade escolar.
Sendo iniciativas muito válidas, estas quintas pedagógicas por vezes são apenas museus agrícolas que mostram, e bem, como se fazia agricultura antigamente, mas não mostram a agricultura actual. Contribuem assim para reforçar a imagem “estereotipada” da agricultura que os portugueses urbanos conheceram do tempo dos seus avós, uma agricultura tradicional, que produzia os alimentos naturais do “antigamente é que era bom”, mas com baixos rendimento e muito sacrifício, uma vida de pobreza e dificuldades que por isso mesmo foi abandonada por muitos que nasceram no campo e hoje vivem nas cidades. Como todos sabemos, esse abandono progressivo da terra é uma das causas da extensão e da gravidade que os incêndios atingiram nos últimos anos.
A esta imagem de uma agricultura tradicional “pobre, pura e natural”, a comunicação social dos nossos dias contrapõem uma agricultura moderna que é notícia pelas piores razões: crises de segurança alimentar, poluição do ambiente e maus-tratos dos animais. Estes problemas são muitas vezes apontados como consequência da PAC, cujo aspecto mais saliente são os subsídios aos agricultores. Deste “caldo” resulta que a população portuguesa, que vive maioritariamente no litoral urbano-industrial, além de pensar que a agricultura está quase a acabar no país, tem pena dos agricultores pobres, raiva dos ricos e medo daquilo que uns e outros produzem.
Esta imagem negativa da agricultura acaba por criar um ciclo vicioso, ao desmotivar os mais novos de se instalarem numa actividade que é pouco conceituada pela sociedade actual. Além disso, contribui também para agravar problemas de vizinhança entre os agricultores e os novos moradores dos espaços rurais e semi-urbanos. Quem deixa a cidade e se desloca para “viver no campo”, procurando a tranquilidade e a natureza intacta que lhe prometeram na agência imobiliária, não aceita o barulho do tractor ou o cheiro do estrume. Noutros casos de conflito, o “novo vizinho” é o emigrante que partiu pobre, cujos antepassados trabalharam para os ascendentes do agricultor e que agora regressa com outro nível de vida, querendo conforto e afirmação social. Estes novos vizinhos, quando se sentirem incomodados, terão uma atitude mais compreensiva se tiverem uma imagem positiva do agricultor e do seu trabalho, ou seja, se tiverem respeito por ambos.
Penso que muitos sectores da nossa agricultura já venceram o desafio da produção. É tempo de encarar o desafio da comunicação, como parte importante da comercialização dos produtos e da manutenção dos apoios à agricultura. Os “outros”, os urbanos, que nos desconhecem, são os nossos clientes e patrocinadores, através do mercado e da PAC. Precisam da agricultura, por causa da produção de alimentos e de todos os outros serviços prestados, mas precisam ser lembrados que é do nosso trabalho que resulta aquilo que comem, o oxigénio que respiram e as paisagens que lhes enchem o olhar. Esta comunicação só é possível através dos meios de comunicação social. Lamentamos muitas vezes que estes ignorem os aspectos positivos da agricultura e se limitem a divulgar os escândalos. Lembrando um antigo provérbio chinês: “faz mais barulho uma árvore a cair do que uma floresta inteira a crescer”, temos de perceber que o “negativo e escandaloso” se vende sozinho, ao passo que o positivo tem de ser levantado em ombros. Portanto, temos de promover o bom que fazemos e os bons que temos entre nós. Há aqui uma enorme tarefa para todos, desde o nível individual da “imagem” de cada agricultor e cada exploração agrícola, passando pelas organizações agrícolas, empresas agro-industriais e sendo apoiada e incentivada pelo Governo e Comissão Europeia.
É neste sentido que aguardo com expectativa a primeira edição da “Portugal Rural – Feira de Actividades Agrícolas de Vila do Conde”, a decorrer nesta cidade entre 9 e 12 de Setembro de 2004. Com uma organização conjunta da Câmara Municipal, Associação de Agricultores, Cooperativa Agrícola e Associação de Jovens Agricultores, esta feira tem como primeiro objectivo apresentar a agricultura à sociedade envolvente. É isto que a distingue de muitas feiras agrícolas que se realizam no país, e é essa diferença que poderá garantir o seu sucesso. Vila do Conde é um das regiões do país com a agricultura mais produtiva, dinâmica e inovadora. È também uma região onde o rural e o urbano se encontram, confundem e por vezes chocam, como referi atrás. Será certamente um pequeno passo, mas é tempo de começar. Temos um longo caminho a percorrer.
Carlos Neves
Jovem Agricultor
QUOTAS LEITEIRAS: Reflexões em tempos de paz… – Carlos Neves