O solo está em perigo e o nosso estilo de vida é o principal responsável!
A importância do solo provém da vida que nele existe – na biodiversidade do solo. Uma colher de chá de um solo vivo pode conter milhares de espécies, milhões de indivíduos e uma centena de metros de hifas de fungos. Os cientistas estimam que, pelo menos, cerca de um quarto das espécies do planeta Terra vive no solo. Este ecossistema diverso desempenha múltiplas funções. É responsável pela reciclagem dos resíduos orgânicos que sustentam a vida acima do solo, desde plantas e animais até ao homem; regula o fluxo de carbono e o ciclo da água; repele pragas e doenças; descontamina terras poluídas e fornece matérias-primas para o fabrico de novos produtos farmacêuticos utilizados na medicina humana. Esta é rede alimentar do solo! Os seus membros são microrganismos, pequenos e grandes invertebrados, pequenos mamíferos e até mesmo as raízes das plantas.
O principal objetivo da rede alimentar é criar e renovar o solo, a fonte alimentar essencial do planeta. Esta rede alimentar fornece os nutrientes que as plantas precisam para crescer e sustentar os animais, contribuindo para a produção dos nossos alimentos. O solo depende da presença de uma vasta comunidade de organismos para permanecer fértil. Esses organismos constituem a biodiversidade do solo.
Quando fornecemos material vegetal suficiente, a matéria orgânica, os microrganismos, decompõem esses resíduos em húmus, que não é mais que matéria orgânica complexa com os nutrientes necessários para alimentar as plantas a longo prazo. O húmus não pode ser feito pelo homem, ele é criado pela biodiversidade do solo!
Se considerarmos que a população mundial está em crescimento e que, consequentemente, as pressões sobre o planeta Terra são crescentes devido à expansão urbana, à produção de biocombustíveis, à extração de recursos naturais e à degradação do solo pela perda de matéria orgânica, a existência de solos vivos, saudáveis e férteis, é imprescindível para assegurar a nossa alimentação num futuro próximo.
Os organismos do solo trabalham com as partículas minerais (areia, argila e limo), de modo a formar novas estruturas e habitats que promovam o arejamento do solo e a maior circulação de água dentro deste.
Algumas espécies de fungos, por exemplo, produzem uma proteína pegajosa que une as partículas do solo, estabilizando assim os agregados do solo. O trabalho realizado pelos organismos também permite que o solo armazene e liberte carbono, ajudando na regulação do fluxo de gases de efeito estufa. Esta regulação tem um impacto direto sobre a saúde humana, a produtividade agrícola, os recursos hídricos e a segurança alimentar. O solo armazena carbono, principalmente na forma de matéria orgânica, e é o segundo maior reservatório de carbono da Terra, depois dos oceanos.
No que diz respeito à proteção das culturas, um solo rico em biodiversidade é mais eficiente no controlo de pragas e doenças, uma vez que contém uma maior variedade de espécies predadoras e uma oferta variada de nutrientes. Geralmente, uma maior biodiversidade no sistema irá proporcionar um melhor equilíbrio de espécies e uma maior capacidade de impedir o desenvolvimento de pragas e doenças. A incidência de pragas e doenças é comum em plantas cultivadas em sistemas de monocultura, onde as funções do solo foram modificadas. Pelo contrário, a policultura, com a produção de diferentes espécies vegetais, apoia comunidades naturais e reduz o impacto de inimigos das culturas. O aproveitamento deste serviço natural de controlo de pragas e doenças também pode substituir a necessidade de aplicar produtos fitofarmacêuticos de amplo espetro que, além de prejudicar os insetos benéficos, pode ter consequências nefastas para o ambiente e para a saúde humana.
Embora muitos organismos do solo ainda não tenham sido identificados, a compreensão do seu papel e importância está a aumentar, à medida que se descobre como interagem entre si e na envolvência dentro de um sistema complexo e interdependente.
De acordo com as funções que desempenham, os organismos do solo podem ser classificados em três grupos principais: engenheiros químicos, reguladores biológicos e engenheiros do ecossistema.
Os engenheiros químicos são os organismos que decompõem a matéria orgânica (folhas caídas, plantas mortas e restos de culturas) e transformam esses resíduos em nutrientes, como nitrogénio, fósforo e enxofre. Possuem a capacidade de quebrar e transformar moléculas de carbono e nitrogênio em dióxido de carbono e nutrientes que as plantas precisam. A sua atividade sustenta o crescimento de todos os organismos vivos, desde as plantas aos animais (incluindo seres humanos) que se alimentam deles.
No entanto, os engenheiros químicos dependem de condições particulares para a sua sobrevivência e crescimento, incluindo a humidade, ar e espaço entre as partículas de areia, argila ou limo. São mais prevalentes em zonas com quantidades significativas de matéria orgânica ou com estrumes provenientes de animais e ao redor das raízes (rizosfera). Os menores organismos do solo, como as bactérias e os fungos, compõem a maior fatia populacional do grupo, que também inclui algas e vírus.
As bactérias vivem nos poros cheios de água no solo. Elas reproduzem-se rapidamente e podem duplicar o seu número em minutos. Caso as condições não sejam favoráveis, podem entrar em dormência. Os fungos compreendem um grupo eclético que varia de leveduras a estruturas complexas visíveis a olho nu, como é o caso da podridão nos frutos. Os fungos habitam os espaços ao redor das partículas do solo, raízes e rochas. Algumas espécies reciclam matéria orgânica morta ou em decomposição, enquanto outros quebram açúcares, amidos e celulose na madeira.
Os reguladores biológicos regulam a abundância e a atividade dos engenheiros químicos, principalmente através da alimentação e formam um elo crucial na cadeia alimentar do solo. Alguns agem como pragas e parasitas das plantas, enquanto outros ativam a microflora. Ao mesmo tempo, o seu movimento pelo solo ajuda a fragmentar o material orgânico, criando mais superfície aparente, aumentando assim os nutrientes disponíveis para os micróbios. Os protozoários vivem na camada de água que circunda as partículas do solo e controlam as populações de bactérias através da sua ingestão. Os nemátodos são pequenas criaturas parecidas com minhocas com cerca de 1 mm de comprimento. São seres altamente adaptáveis e podem ser encontrados em todos os tipos de solo. Alimentam-se de algas, bactérias, fungos, raízes de plantas, protozoários e de outros nematodes. Os microartrópodes são pequenos invertebrados (animais sem coluna vertebral) que habitam na camada superficial do solo e que se alimentam da vegetação, de bactérias e fungos, bem como de protozoários e nemátodos. Variam em tamanho, desde formas microscópicas (certos ácaros) até vários milímetros de comprimento (como os colêmbolos, por exemplo, que saltam como pulgas, quando o habitat é perturbado).
Assim como para os engenheiros químicos, a presença dos reguladores biológicos no solo depende do tipo de solo, da disponibilidade de água e das práticas culturais. A capacidade de crescimento e de reprodução flutua com as estações do ano e com a disponibilidade de recursos. Os protozoários e os nemátodos que se alimentam sobretudo de bactérias, surgem em poucas semanas, após a adição de matéria orgânica no solo.
Os engenheiros do ecossistema projetam a estrutura do solo, de modo a permitir que outros grupos construam passagens e túneis, e transportem partículas em torno da movimentada comunidade subterrânea. Estes seres passam o tempo a misturar e mover o solo, enquanto pastam, e criam espaços habitáveis e condições para outros organismos do solo. A contribuição indireta na reciclagem dos nutrientes tem um papel fundamental na melhoria da fertilidade do solo e na produtividade vegetal. Minhocas, formigas, térmitas, isópodes (por exemplo, bicho de conta) e as raízes das plantas enquadram-se no grupo dos engenheiros do ecossistema, assim como os milípedes (como a bicha vaca), centopeias, besouros e lagartas. Os ratos, os lagartos e os coelhos também fazem parte deste grupo, já que movem o solo enquanto procuram comida e abrigo. Os canais e túneis construídos pelas minhocas e os montes das térmitas e formigas promovem o arejamento do solo e o aumento da porosidade, permitindo assim uma maior infiltração da água, com incremento da disponibilidade de habitat para outros organismos.
Sem a rede alimentar, não seria possível termos um solo fértil capaz de nutrir e proteger as plantas. Compreende-se, assim, porque é que a agricultura, quer convencional quer biológica, deve antes de tudo respeitar e estimular o desenvolvimento da vida do solo e que ,para isso, a incorporação de matéria orgânica de qualidade e de modo regular é fundamental.
Bibliografia consultada:
The factory of lyfe, why soil biodiversity is so importante (2010). Office for Official Publications of the European Union, Luxemburgo.
Rodet, Jean Claude – A agricultura biológica. Edições ITAU, Coleção Estudos Ecólógicos-6, Portugal.
Márcia Melim
Direção de Serviços de Desenvolvimento da Agricultura
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural
O artigo foi publicado originalmente em DICAs.