A inteligência coletiva e a criatividade dos territórios. O novo espírito do capitalismo – António Covas

Tecnologia, arte e desenvolvimento sustentável dos territórios pode ser uma convergência muito prometedora se soubermos contextualizar e integrar devidamente todas as variáveis envolvidas.

E aqui reside a dificuldade, a década 2020-2030 é atravessada por grandes transições – climáticas, energéticas, ecológicas, digitais, laborais, migratórias, demográficas, socioculturais, geopolíticas – que, pela sua complexidade inusitada, poderíamos designar como mudanças paradigmáticas. Em particular, as relações entre cultura e desenvolvimento são, desde há muito, um assunto recorrente, mas, desta vez, o capitalismo digital mudou o paradigma em que assentava a relação entre cultura e desenvolvimento, no sentido em que a criatividade se torna um recurso cada vez mais distribuído e abundante e com ela a emergência de uma economia criativa cada vez mais abrangente e compreensiva, muito para lá das indústrias culturais e criativas mais convencionais ligadas, genericamente, às artes do lazer, do espetáculo e da cultura. No contexto desta década, ao mesmo tempo tão sobrecarregada e prometedora, há, portanto, lugar para uma metanarrativa do capitalismo digital e da economia criativa, isto é, um novo espírito do capitalismo para as relações entre cultura e desenvolvimento.

Criatividade e processo criativo, o novo espírito do capitalismo

Como dissemos, o capitalismo digital mudou o paradigma que ligava cultura e desenvolvimento territorial. No estádio atual do nosso desenvolvimento, a relação entre os processos de patrimonialização, turistificação e digitalização parece ser a mais promissora no que diz respeito à conexão entre cultura e desenvolvimento territorial, sobretudo nas áreas de baixa densidade. Vejamos algumas características que favorecem estas interações, se quisermos, o novo espírito do capitalismo aferido pelas relações entre cultura e desenvolvimento.

– Em primeiro lugar, o triângulo virtuoso entre tecnologia, património e cultura precisa de ser conduzido com muita inteligência e maestria: a tecnologia, e em especial as artes digitais, recoloca a relação entre património e cultura num patamar mais elevado e abre a porta a uma economia criativa e performativa muito mais diversificada;

– Em segundo lugar, a ligação hipertextual que o património mantém com muitas outras disciplinas e linguagens através da sua capilaridade tecnológica e digital cria as condições contextuais favoráveis para a produção de conteúdos artísticos e culturais de maior valor

acrescentado, por exemplo, para a valorização das artes e ofícios tradicionais e, correlativamente, para a denominação dos produtos locais e regionais;

– Em terceiro lugar, a tecnologia e a transformação digital podem ajudar a reduzir os efeitos externos de algumas intervenções na medida em que a divisibilidade tecnológica e a miniaturização permitidas pela transformação digital ajudam a conceber um padrão de internalização desses efeitos, além de que este facto é um grande avanço para a gestão do património natural e cultural, material e imaterial;

– Em quarto lugar, a ética do cuidado previne os excessos de uma lógica de patrimonialização abusiva, se, para o efeito, definirmos um protocolo de regras, processos e procedimentos, de tal modo que não sejam irreversíveis os danos causados sobre os recursos patrimoniais por via de uma espécie de industrialização do património pressionada muitas vezes pelo processo de turistificação;

– Em quinto lugar, a nova cadeia de valor gerada pelo processo de patrimonialização pressiona as opções de reabilitação e restauro, mas, também, a introdução das tecnologias digitais altera a repartição dos rendimentos internos à cadeia de valor, quase sempre em benefício de interesses exteriores aos próprios territórios, um problema que o território necessita de acautelar;

– Em sexto lugar, a profissionalização em redor do processo de patrimonialização pode não ser pacífica e colidir com o processo de industrialização e turistificação, na medida em que a coabitação entre novas profissões e interesses setoriais, por exemplo, entre conservadores, gestores, operadores, animadores e […]

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