A reforma da Política Agrícola Comum pós-2013, mais concretamente a discussão das propostas da Comissão apresentadas em Outubro de 2011 – praticamente um ano depois da Comunicação ao Conselho e ao Parlamento -, na sequência de um debate público aberto a toda a Sociedade, para além dos tradicionais grupos de interesse nos quais nos incluímos, destinado a legitimar a futura PAC junto dos cidadãos europeus, está claramente na ordem do dia, sendo um dos grandes dossiers de 2012.
Percebe-se a estratégia europeia, se tivermos em conta que os apoios à agricultura têm sido criticados por alguns países e classes sociais tipicamente urbanas, incapazes de compreender que a alimentação deve assumir uma vocação estratégica e que nesta economia globalizada, todos os países ou blocos económicos apoiam, directa ou indirectamente, os seus sectores agrícolas.
Essa lógica de auscultação da parte das instituições europeias vai continuar, com grupos de consulta ao longo do ano, designadamente a organização de um importante Seminário que vai decorrer no próximo dia 12 de Março e que vai abordar, para além da PAC, o contexto internacional da Agricultura e mais concretamente os acordos de comércio livre entre a União Europeia e outros blocos, destacando-se o Mercosul, a Ucrânia, Canadá, Índia e os EUA, para além das negociações na OMC e a integração da Rússia nesta organização mundial.
Numa altura em que tanto se fala de Agricultura, sobretudo no contexto actual de grave crise e de desequilíbrio das contas públicas em que nos encontramos e que não constitui um exclusivo de Portugal mas de muitos países da União Europeia e sobretudo do Sul, a OCDE tem chamado a atenção para o facto de que os apoios públicos ao sector agrícola nunca foram tão baixos, tendo sido reduzidos para 18% nos seus membros em 2010 (na União Europeia a média ronda os 22%).
Os preços elevados das matérias-primas explicam esta quebra sem precedentes mas convêm perceber se os agricultores e a Fileira Pecuária em geral, tem tirado partido deste fenómeno de alta de preços porque, na prática, nos confrontamos com uma alta de custos de produção (matérias-primas, fertilizantes, petróleo, sementes, energia…) e uma tendência para a baixa dos preços dos produtos finais, sem que seja possível repercutir esses acréscimos ao longo da cadeia de valor.
A alta da procura mundial de produtos alimentares, o aumento de preços, a volatilidade crescente dos mercados e a pressão para uma melhor utilização dos recursos põem em causa a situação actual, razão pela qual a OCDE aconselha os seus membros a investirem na melhoria da produtividade agrícola, na sustentabilidade e competitividade a longo prazo, apoiada na inovação, investigação e conhecimento.
A União Europeia não tem de se envergonhar de apoiar a sua Agricultura porque todos os países o assumem e mesmo aqueles onde as ajudas são teoricamente menores como os Estados Unidos (9%) ou Canadá (16%), existem fortes apoios às exportações e uma fortíssima diplomacia económica como tem sido o caso recente do Brasil.
É pois bastante positivo que depois do debate europeu tenham saído algumas conclusões importantes para o futuro: os cidadãos europeus querem uma Política Agrícola, esta deve ser comum, deve ter um orçamento compatível com as ambições e ter em conta, para além da produção de alimentos, os serviços e bens públicos, o ambiente e preservação dos recursos naturais, o território e o combate às alterações climáticas. Emergem, por outro lado, questões ligadas à segurança alimentar, não tanto ao nível dos aspectos sanitários e de impacto na saúde pública (food safety) mas a segurança no plano do abastecimento, disponibilidade de alimentos e dependência da Europa em produções estratégicas para o seu desenvolvimento sustentável (food security).
Por outro lado, é lamentável que ainda não estejam definidas as perspectivas financeiras para o período 2014/2020, estando em aberto os montantes que serão canalizados para a agricultura durante este período.
Se existem Estados-membros, liderados pela França e onde se inclui Portugal, que defendem o congelamento dos apoios ao nível de 2013 – a hipótese mais razoável porque ninguém acredita que as verbas possam aumentar – temos países com uma visão mais liberal como o Reino Unido e a Suécia que defendem precisamente o contrário e um maior apoio na área do desenvolvimento rural e menos suporte aos mercados e ajudas directas, o que põe desde logo em causa os nossos interesses, pelo peso das ajudas na viabilidade das explorações agropecuárias e no combate ao abandono e à desertificação.
Apresentada como uma nova Parceria entre a Europa e os Agricultores, a Comissão avança com um conjunto de propostas cujo processo negocial se iniciou no último trimestre de 2011 e que tenderão a intensificar-se ao longo de 2012 – curiosamente num ano em que a PAC celebra os seus 50 anos – e que deverá ficar encerrado no primeiro semestre de 2013 durante a presidência da Irlanda. No entanto, as eleições em França e a aprovação do orçamento europeu para os próximos 7 anos podem condicionar este calendário.
Pela primeira vez na sua história, o Parlamento Europeu será chamado a intervir neste processo, no âmbito da codecisão, o que significa que, do ponto de vista da organização associativa, teremos de privilegiar os contactos com os eurodeputados, para além da Comissão e do Conselho, o que tem acontecido no âmbito do COMAGRI e nas funções de coordenação deste dossier que desempenhamos, quer no quadro da FIPA (e participação na FoodDrinkEurope), quer da FEFAC.
Trata-se, no essencial, de defender os interesses da indústria europeia de alimentos compostos e agroalimentar mas sobretudo de Portugal e da possibilidade de continuarmos a produzir no nosso País e olhar para o Sector agrícola, pecuário e agroalimentar, com Esperança e Futuro e como uma saída para a difícil situação económica e social em que nos encontramos.
Exige-se, pois, um consenso alargado entre todos os sectores e organizações e uma cumplicidade com os decisores políticos para que em Bruxelas possamos ter elementos de negociação comuns e que falemos “a uma só voz”.
Apesar de tudo, não deixa de ser importante recordar que a evolução da PAC é de facto uma história de sucesso.
Nascida a 14 de Janeiro de 1962, oferecia aos produtores agrícolas ajudas e um sistema que garantia preços elevados e os incitava à reestruturação e modernização das explorações. Até aos anos 80, o objectivo da autossuficiência, um dos seus pilares, estava garantido e iniciámos a era dos excedentes, com todas as consequências conhecidas: as “montanhas” de leite em pó, de carne de bovino ou cereais que custavam muito dinheiro (ECU na altura) para armazenar e para exportar com subsídios, as chamadas restituições. Os excedentes conduziram à introdução das quotas leiteiras em 1983 e, em 1992, com a reforma “Mac Sharry”, na altura Comissário europeu responsável pela pasta da Agricultura – encerrada durante a presidência portuguesa – introduziu uma compensação de ajudas directas ao rendimento, de forma a compensar a baixa dos preços e a harmonização dos preços europeus aos preços mundiais. Esta alteração das orientações, que prosseguiu em 1999 no quadro da chamada Agenda 2000, introduziu uma verdadeira política de desenvolvimento rural, com um plafonamento ao nível do orçamento. Entretanto, em 2003, surge uma primeira “revolução”, pelo menos no plano conceptual: as ajudas directas são desligadas das produções, pelo menos na maior parte das culturas ou actividades e condicionadas ao cumprimento de normas ambientais e práticas ligadas à segurança alimentar.
Agora, para depois de 2013, a Comissão pretende reforçar esse elemento verde e, a par do problema das ajudas directas, a necessidade de aumentar a produção e de participar no mercado mundial, num cenário de globalização sem precedentes, esses serão os principais desafios para a nova PAC.
Volatilidade, disponibilidade de matérias-primas, reequilíbrio das ajudas entre Estados-membros, regulação e apoio aos mercados, promoção da agropecuária, funcionamento equilibrado da cadeia alimentar, preservação do espaço rural, do território, ambiente e produção de bens públicos, ligação e integração da Agricultura com a Sociedade, apoio ao regadio, a exigência das mesmas regras às importações de produtos provenientes de Países Terceiros, emprego e competitividade do tecido agroalimentar, serão estas as nossas preocupações nas negociações sobre a reforma que se vão acentuar a partir de agora. Sem esquecer que a principal razão da agricultura é a de produzir alimentos, existindo a necessidade urgente para Portugal de aumentar as produções agrícolas e pecuárias, criando igualmente condições para a sustentabilidade da nossa indústria agro-alimentar.
Para já, as nossas posições têm sido claras e partilhadas pelo Governo. É importante combater a volatilidade dos preços, reequilibrar as ajudas aos agricultores portugueses, apoiar os mercados, manter os contingentes de importação de milho e os stocks de intervenção, criar condições para aumentar as produções e as produtividades, melhorar o funcionamento da cadeia alimentar, tornar mais coerente os objectivos com as propostas concretas.
Não é afinal a alimentação uma questão estratégica como pensaram os fundadores da PAC há 50 anos atrás? Sobretudo num mercado globalizado e cada vez mais desregulado e onde a Europa está, visivelmente, a perder influência.
É tempo de arrepiar caminho e recordar o dia 14 de Janeiro de 1962, o dia do nascimento da PAC e colocar ponto final nesta crise de falta de coesão e de solidariedade, que é, afinal e acima de tudo, uma crise de valores e de identidade.
Jaime Piçarra
Engº Agrónomo, Secretário-Geral da IACA
Alimentação Animal em Modo de Produção Biológico: Um mercado com futuro? – Jaime Piçarra