A política comercial da UE em jogo

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As duas competências exclusivas da União Europeia que verdadeiramente contam são a política de concorrência e a política comercial. A última é fundamental para a riqueza da Europa. Em primeiro lugar, as negociações colectivas, por parte de Bruxelas, permitem melhores acordos comerciais para todos os países da União. Se negociassem individualmente, os acordos seriam piores. Vejam o que aconteceu com o Reino Unido desde o Brexit. Não conseguiu assinar qualquer acordo comercial relevante, como prometerem os defensores do Brexit. Além disso, com um peso negocial reduzido, assinou um mau tratado comercial (para os interesses britânicos) com a União Europeia.

Os países europeus são em geral potências comerciais. Grande parte da riqueza da Europa resulta do comércio. Em 2023, o comércio externo (fora do mercado comum) representava cerca de 23% do PIB da União Europeia; ou seja, quase um quarto da riqueza da Europa.

Tudo isto vem a propósito do acordo comercial entre a UE e o Mercosul. Já foi assinado há mais de um ano, mas ainda não foi aprovado na Europa. Os culpados são a França e alguns sectores agrícolas. A oposição dos agricultores franceses foi decisiva para se adiar a aprovação do acordo comercial no Conselho. É o maior exemplo de chantagem de um sector quase insignificante sobre toda a economia europeia. O sector agrícola vale menos de 2% do PIB da União Europeia. Em França a situação é idêntica. Em França, as indústrias, os serviços, ou seja 98% do PIB, estão todos a favor do acordo com o Mercosul. Mas nem sequer são todos os sectores agrícolas franceses que se opõem ao acordo com o Mercosul. Os produtores de vinho e de queijos são a favor. Por exemplo, o vinho constitui a maior exportação agrícola francesa. Os sectores agrícolas franceses contra o acordo com o Mercosul são os produtores de carne de vaca e de frango. O primeiro vale menos de 7% do total do sector agrícola no PIB francês. O segundo vale menos de 5% do sector agrícola. Ou seja, dois sectores que valem 12% de menos de 2% do PIB francês travaram a aprovação do acordo comercial com o Mercosul.

Em princípio, o acordo será aprovado em meados de Janeiro, com o voto de Itália. Meloni garantiu a Von der Leyen que a Itália votará a favor. Mas, o mais provável, será que a França vote contra. Como é óbvio, a oposição francesa não tem nada a ver com a economia. Pelo contrário, a economia francesa pede mais comércio externo. A oposição francesa resulta de uma razão: a fraqueza de Macron e do governo francês. Deixaram de ter força para defender os interesses económicos franceses.

Mas a Alemanha não está disposta a permitir que um sector minoritário da agricultura francês prejudique a economia alemã e europeia. Na semana passada, um deputado da CDU afirmou que sem a aprovação do acordo comercial com o Mercosul, a Alemanha não aumentará a sua contribuição para os futuros orçamentos da União Europeia. Depois de uma ameaça deste tipo, a Alemanha poderá colocar em causa a política comercial comum se sectores minoritários continuarem a travar os interesses económicos da UE. Esperemos que o acordo comercial com o Mercosul seja aprovado em Janeiro. Será bom para a economia europeia, tal como para a economia portuguesa (incluindo para sectores agrícolas como o azeite e o vinho). E será fundamental para impedir uma crise da política comercial da União Europeia. Uma crise que poderia significar o início da fragmentação da integração europeia.

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