A Problemática da Segurança Alimentar – José Augusto Cardoso de Resende

A produção de produtos alimentares, tem sido motivo de grandes interrogações, quando não de fortes reservas relativamente às tecnologias empregues na sua obtenção.

Com efeito, quer a consciência claramente acrescida dos consumidores em matéria tão sensível, quer o conjunto de episódios que com alguma frequência tem sido divulgados, vem colocar este assunto na primeira linha das actuais preocupações das autoridades e dos cidadãos.

Ainda recentemente em Seattle se assistiu à falência do encontro promovido sob a égide da Organização Mundial do Comércio, exactamente por não se levar em conta a opinião da generalidade dos consumidores.

Aqui, também quando entre os dossiers se encontravam matérias que opõem, culturas, interesses comerciais, realidades sociais e políticas diferentes, se verifica que o choque é inevitável e que o conflitos de interesses atingem dimensões que conduzem ao bloqueio de soluções possíveis.

No caso da OMC e da conferência de Seatle, o principio da precaução não foi tido em conta e temas como o bife com hormonas e os materiais transgénicos, faziam parte dos bloqueios, em pé de igualdade com as políticas ditas proteccionistas, no âmbito agrícola.

Na Europa a BSE e as Dioxinas, são dossiers cuja importância e dimensão abanaram os alicerces da União Europeia, puseram em causa os europolíticos, desacreditaram a capacidade da Comissão para pôr em prática uma política credível, fizeram rolar vários políticos em diversos países e mesmo Governos, tudo isto, apesar do sucesso do Mercado Único, da redefinição da Política Agrícola Comum, da Agenda 2000, da consolidação do Euro e até do estabelecimento de uma política externa e de defesa comum.

É perante o verdadeiro terramoto político que constitui a dúvida que se instalou no consumidor, que urge a tomada de iniciativas com vista uma solução global, que satisfaça os mais cépticos e concilie os interesses divergentes.

A alteração da estrutura da Comissão com a criação da Direcção Geral XXIV, dos Consumidores, não deu resposta concludente às questões e problemas existentes, e, hoje, praticamente dois anos após a publicação do livro verde sobre a segurança alimentar, eis que se prepara a apresentação do livro branco sobre a segurança alimentar, numa altura em Portugal irá assumir a presidência da União europeia.

Está em pleno debate a criação da Agência de Segurança Alimentar, cujos modelos se encontram em fase do definição, com o contributo de várias instâncias europeias e a participação de todos os países membros.

É pois de uma importância enorme o período que está a decorrer, não só em termos europeus mas, com influência decisiva no âmbito da OMC, pelo que a clarividência dos interlocutores deverá ser capaz de ultrapassar os interesses regionais e comerciais, redutores de uma solução consistente e realista.

E em Portugal?

Sabe-se que no anterior Governo e face às dificuldades sentidas, foi o Conselho de Ministros chamado a intervir, aprovando uma Resolução que visava desencadear a avaliação de como na Administração, os diferentes organismos intervinham com a finalidade de apresentar a solução para eventuais estrangulamentos.

Decorridos vários meses, em concreto cerca de quinze longos meses é conhecida a posição do grupo de análise, que envolveu representantes do Ministério da Agricultura, da Saúde, do Ambiente e do Comércio, e que avançou com uma proposta, o relatório Caupers que não recolheu a sensibilidade de outros participantes e não avançou também com soluções inovadoras.

Com a tomada de posse do novo Governo, o Partido que o apoia, fez uma proposta ao eleitorado para a criação de uma política de segurança alimentar e o Secretário de Estado da Modernização Agrícola e Qualidade Alimentar anunciou que seria criada uma Agência com essas atribuições.

Mais recentemente o Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, reafirmou a intenção do Governo nesta matéria, por ocasião da visita ao nosso país do Comissário para os consumidores, Senhor David Byrn.

Assim tudo parece ajustar-se, por um lado a conjuntura política favorável, por outro lado a necessidade de resposta a problemas ingentes, designadamente a crescente preocupação com as questões relativas à BSE, (embargos ou classificação dos países ou regiões).

Que garantias para o consumidor?

Tudo isto como dissemos, numa altura em que a Portugal cabe assumir a Presidência, portanto com responsabilidades acrescidas, tanto interna como internacionalmente.

Somos de opinião, que no decorrer do ano 2000, passos decisivos serão dados nesta matéria.

Admitamos contudo que, o avaliar o risco que existe é uma coisa e os franceses assim o entenderam e não foram por arrastamento criar soluções de adicionar a gestão e a comunicação do risco, que são coisa bem diferente, à sua Agência.

Essa tarefa, a dos controlos, atribuíram-na aos organismos sectoriais especializados.

Essa é também a posição da Finlândia que nos antecedeu na Presidência.

Assim, seja Agência, Alta Autoridade ou Instituto, haja a lucidez, quer a nível europeu, quer nacional, de aprender com os erros cometidos.

Por outro lado, não adiantará muito aprovar e homologar designações de origem, marcas registadas e promover comercialmente produtos, é a credibilidade de um sistema independente que está em causa, pois de contrário e uma vez mais serão goradas as expectativas e postos em causa os princípios que garantem a confiança dos cidadãos e valorizam os produtos bem como as tecnologias utilizadas.

Hoje, mais do que em alguma ocasião, a questão não está em produzir produtos alimentares, mas em conseguir vender, em ganhar mercado, em suma, ter capacidade para garantir a segurança da cadeia alimentar.

Queremos crer não estarmos em condições de desperdiçar outra oportunidade, neste debate que se trava na Europa dos excessos de produção, em que somos dos países com forte dependência do exterior, designadamente em termos de balança alimentar.

Decisivamente aguardamos que o ano de 2000 seja de bom augúrio em todos os domínios.

10/01/2000

José Augusto Cardoso de Resende
(Médico Veterinário)


Publicado

em

por

Etiquetas: