À procura do veneno no vinho: será que estamos condenados? – João Paulo Martins

Voltou de novo a ser notícia a sugestão europeia de colocar nas garrafas uma indicação sobre os malefícios do álcool. Por analogia com os maços de tabaco que trazem fotografias horrorosas de gargantas cancerosas e pulmões que mais parecem carvão, as garrafas passariam a incluir, vamos lá imaginar, que tipo de fotografias? A foto de um sujeito deitado na sarjeta podre de bêbado? Um corpo a boiar no rio que afinal tinha o estômago carregado de álcool? Ou o tal aviso vai limitar-se a alertar para os malefícios do álcool? E a quem interessa a campanha? Às cervejeiras alemãs? Holandesas? E na campanha estão incluídas as cervejas artesanais belgas, algumas delas com teores de álcool quase idênticos ao vinho? O assunto não é tão linear como se possa imaginar à primeira vista. O álcool em excesso faz mal à saúde. Isto é uma verdade de La Palisse mas, em boa verdade, há álcool e álcool. Sugerir que um vinho faz tão mal como um uísque ou um bagaço é, no mínimo, risível. É verdade que vivemos uma época onde o politicamente correto atingiu níveis quase demenciais e o vinho, naturalmente, não escapa. Espera-se então o quê? Que se deixe de consumir álcool? Nem na Lei Seca nos Estados Unidos isso foi conseguido, até porque, como sabemos, a proibição aguça o apetite. Deitar fora milénios de cultura e de saber, à conta de uns tansos que acham que ah e tal, o vinho é um veneno? O álcool em excesso é prejudicial à saúde! Obrigado, agradeço o aviso mas há muito tempo que isso é sabido e não é por tal vir indicado nas garrafas que as pessoas passarão a consumir uma beberagem que por aí circula com o nome “vinho sem álcool”. Por definição o vinho é uma solução hidroalcoólica, logo, sem álcool não se pode chamar vinho. Pode-se consumir menos? Pode, sobretudo se se consumir melhor, uma vez que o vinho é um acompanhante da refeição, não uma refeição em si. Pode ter-se uma refeição sem vinho? Claro que sim, mas, como nos lembrou Alexandre Dumas, “o vinho é a parte intelectual da refeição (…)”. Quando se começa a chamar veneno a algo que tem uma carga histórica tão importante, há sempre umas campainhas que começam a tocar e algo me diz que alguém, algures, vai esfregar as mãos de contente por esta campanha antialcoólica ir para a frente. Esperamos todos que os próximos visados com o carimbo “faz mal à saúde”, venham a incluir: refrigerantes, aperitivos salgados, bolos e todo o tipo de doçaria industrial, frangos com nitrofuranos e porcos criados à pressa. A listagem, a ser exaustiva, abrangeria mais de metade de tudo o que se vende nos supermercados (e onde se inclui a fruta…), tal é a quantidade de ‘veneno’ que nos querem impingir. O consumo do tabaco terá diminuído, creio, pela proibição do consumo em espaços fechados, não pelas fotos dos maços de tabaco. Será que o vinho corre o mesmo risco? Não creio. Os produtores mundiais de destilados — estamos a falar de muitos, mas mesmo muitos milhões de litros, não estão a dormir. Só a Índia consome mais de metade de todo o uísque fabricado no planeta; uma média de 1,2 litros por ano per capita, contando com 1,3 biliões de habitantes. É só fazer as contas. E, é verdade, viver faz pessimamente à saúde […]

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