Não nos dias de cheias, em dias como hoje, que ora chove sem grande intensidade, ora faz Sol, talvez se consiga ter uma ideia mais clara do que pretendo dizer quando digo que votarei no presidente de câmara que me prometer, de forma a que eu acredite, que a sua prioridade é manter as sarjetas a funcionar impecavelmente.
Em dias como este, é muito fácil encontrar sarjetas que até foram bem projectadas, mas que uma pequena obra posterior, com um mau acabamento, acaba de prejudicar a sua função, é fácil encontrar sarjetas que simplesmente estão bloqueadas com folhas ou lixo e, aqui e ali, sarjetas que não fazem bem a sua função porque foram mal planeadas.
O essencial não são os pequenos incómodos que isso gera, o essencial é que isso traduz de falta de atenção e rigor na gestão do espaço público.
O post, na verdade, até nem seria sobre isso, que é uma mera manifestação de um problema mais fundo, os efeitos deletérios que o enfraquecimento da autoridade e presença do Estado estão a ter, sem que os partidos centrais proponham soluções. O Chega tem proposto soluções irrealistas e, nesse sentido, também não tem soluções.
Diga-se que há uma boa razão para que ninguém tenha soluções, é que é muito difícil, complicado e caro reparar o erro de estarmos há muitos anos a retrair o investimento do Estado em matéria de segurança.
Os primeiros a sentir foram os produtores agrícolas, agricultores, pastores e etc., que há muitos anos são vítimas da ausência da segurança garantida pelo Estado e vêm animais, cortiça, azeitonas, equipamentos, combustíveis, metais, etc., serem roubados das suas propriedades. A situação é táo grave e tão evidentemente conhecida do Estado, que o Estado, por exemplo, regulamentou a apanha de pinhas para facilitar a fiscalização dos roubos, em vez de reforçar a presença da polícia no território.
Mas para quem é pouco sensível ao verdadeiro faroeste que caracteriza o mundo rural actualmente, pode ver o mesmo efeito no trânsito das grandes cidades, em que a quase ausência da polícia, potenciada pela entrada de um grande grupo de condutores com uma cultura rodoviária bem diferente, tem levado à desvalorização das regras com o progressivo aumento do risco rodoviário (cheio de manobras perigosas) e a progressiva diminuição da fluidez (um bom exemplo é o efeito absolutamente absurdo que o desrespeito das zonas amarelas dos cruzamentos têm vindo a gerar).
Por mim, não percebo por que razão um autocarro de um clube de futebol circula pela cidade com escolta policial, a mandar parar os outros condutores independemente da cor dos semáforos, ao mesmo tempo que não há polícia para forçar o respeito por regras básicas de trânsito.
Suspeito que seja porque uns pagam (os clubes de futebol) e outros (os contribuintes nem por isso), acabando para distorcer a disponibilidade da polícia, migrando-a do serviços a todos (e, consequentemente, os mais pobres) parao serviço a quem paga.
Provavelmente isso implica acabar com os gratificados, o que implica pagar convenientemente aos polícias e respeitar a sua função.
Só que isso não se faz com proclamações bombásticas sobre a autoridade da polícia, faz-se com mais polícia, melhor polícia e melhor gestão, tudo coisas manifestamente caras e, de maneira geral, impopulares no Orçamento de Estado (a popularidade da polícia só existe quando as vítimas somos nós).
Não admira que nenhum partido tenha uma política séria para o problema, é que para haver recursos para isto, seria preciso que o Estado deixasse de os gastar em companhias de aviação, empresas de transportes, televisões, agências noticiosas e ineficiência, muito ineficiência, em serviços fundamentais.
E para isso há pouco políticos disponíveis.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.