A propósito de Alqueva e do seu aproveitamento agrícola – Carlos Mattamouros Resende

A leitura do artigo publicado no jornal Público de 9 de Janeiro último e intitulado “O que fazer com a água que quase enche a albufeira de Alqueva?” impulsionou-me a dar público conhecimento dos trabalhos e diligências levados a cabo, no âmbito do Ministério da Agricultura, no sentido de ser dada resposta atempada à questão colocada no referido título.

Em Fevereiro de 2003, o então Ministro da Agricultura fez publicar um Despacho(1) no Diário da República em que considerava aconselhável o desenvolvimento de “todos os esforços para incrementar os estudos, as investigações e as experiências que permitam concluir, dentro do mais curto prazo possível, quais as culturas, sistemas, métodos de rega e práticas agrícolas mais apropriadas para rentabilizar o empreendimento e para o tornar um instrumento de reconversão e de modernização agrícola com a maior utilidade possível, quer numa óptica privada, quer numa óptica pública”, pelo que criou, junto do IDRHa(2), um grupo de projecto denominado «Alqueva agrícola» que tinha por missão, no prazo de dois anos, “programar, lançar, coordenar e acompanhar o conjunto de todas as acções necessárias para que sejam atingidos” os seguintes objectivos:

Avaliar o que foi feito relativamente à futura ocupação agrícola das áreas irrigadas;

Identificar todas as actividades agrícolas que as características naturais das diferentes áreas a irrigar permitirão desenvolver sem restrições agronómicas e seleccionar o conjunto dessas actividades que, de um ponto de vista teórico, pareçam melhor adaptadas a essas condições;

Equacionar todos os elementos que condicionarão a envolvente da produção agrícola do Alqueva, designadamente os aspectos relacionados com a economia e com os mercados de destino dos produtos susceptíveis de aí serem produzidos;

Identificar as acções a empreender para experimentar e divulgar as actividades agrícolas seleccionadas que maximizem os resultados agrícolas do empreendimento;

Concluir das condições a concretizar para que os agricultores possam reconverter com êxito os sistemas culturais actuais, possam transformar, escoar e vender os seus produtos e utilizar plenamente os recursos públicos associados ao empreendimento.

Tendo em vista a preparação do Plano de Intervenção para a zona do Alqueva, o Grupo de Projecto Alqueva Agrícola (GPAa) desenvolveu diversos trabalhos, designadamente:

– Definição da metodologia de elaboração do Plano de Intervenção;
– Caracterização da zona;
– Identificação dos agentes intervenientes;
– Identificação de problemas e objectivos;
– Auscultação das expectativas dos agentes;
– Potencialidades do regadio do Alqueva
– Quadro de referência dos produtos e cenários de ocupação cultural;
– Plano de Intervenção do Alqueva
– Documento Base para discussão e análise com os agentes e instituições

Na sequência da apresentação em Junho de 2004 de um relatório ao Ministro de então, e por solicitação do mesmo, foi preparado pelo GPAa um documento relativo à criação do “Centro Alqueva Agrícola”.

O Centro Alqueva Agrícola (CAa) seria uma unidade vocacionada para a execução de actividades com os produtores e para os produtores da Zona de Intervenção de Alqueva. O CAa teria por objecto a implementação de uma rede de campos de demonstração e experimentação orientada para os produtos estratégicos e os outros produtos considerados no cenário delineado para a Zona de Intervenção de Alqueva.

O Centro deveria assegurar a divulgação dos produtos junto dos agricultores, nomeadamente, através de campos de demonstração, assim como dos resultados que fossem sendo obtidos na experimentação. Seriam ainda divulgadas informações sobre mercados e potenciais compradores dos produtos. Por último, o CAa deveria promover acções de formação para produtores sobre o conjunto de culturas incluídas nos cenários.

A apresentação pública deste documento e de uma versão preliminar do “Plano para a Zona de Intervenção de Alqueva” ficou agendada para 16 de Julho de 2004, cerimónia que não chegou a concretizar-se porque entretanto o XV Governo caiu, em consequência da saída do Primeiro ministro para Bruxelas.

Em Novembro de 2004, o IDRHa – organismo que tutelava o GPAa – apresentou ao novo Ministro (XVI Governo Constitucional) uma proposta relativa ao Plano de Intervenção para o Alqueva Agrícola e ao Centro Alqueva Agrícola, contemplando os seguintes aspectos fundamentais:
a) Continuidade do Grupo de Projecto Alqueva Agrícola (GPAa);
b) criação e instalação do Centro Alqueva Agrícola (CAa), incluindo nomeadamente a problemática do estatuto e do modo de funcionamento do Centro assim como o respectivo programa de actividades e financiamento.

Quanto ao ponto a) foi considerado que os trabalhos do GPAa deveriam prosseguir de acordo com as atribuições definidas no Despacho n.º 4043/2003… No que respeita ao ponto b) – implementação do Centro Alqueva Agrícola -, e atendendo a que o Governo tinha entrado em gestão e que o CAa se projectava até ao ano de 2015 e comportava inovação e compromisso político significativos, o Ministro entendeu que a decisão sobre o seu funcionamento e financiamento deveria ser tomada pelo Governo seguinte, sem prejuízo da apresentação prevista de candidaturas no âmbito dos Programas AGRO e PEDIZA.

Realizadas as eleições legislativas que levaram à nomeação do XVII Governo Constitucional, três dias após a sua tomada de posse, foi entregue por mim, em mão, ao novo Ministro da Agricultura, um dossier em que era solicitada reflexão e decisão urgente relativamente a esta temática, e onde era exposto o nosso entendimento sobre:

i) A necessidade da existência de um Plano de intervenção para a Zona do Alqueva, sendo fundamental que fosse ultimado com a máxima urgência por forma a poder ser considerado no âmbito da estratégia nacional para o desenvolvimento rural, e respectiva programação, para o período 2007-2013;

ii) A conclusão do Plano de Intervenção para a Zona do Alqueva devia ser garantido numa perspectiva de continuidade do trabalho até então desenvolvido pelo GRAa, sem prejuízo dos ajustamentos considerados adequados quer em matéria de objectivos e prioridades quer no que se referia à metodologia de trabalho;

iii) A aplicação do Plano de Intervenção atrás referido devia ser perspectivado no quadro das competências que viessem a ser atribuídas aos diversos serviços do MADRP em matéria de desenvolvimento rural;

iv) A problemática do Centro Alqueva Agrícola, caso se decidisse pela respectiva criação, não podia ser dissociada da Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA) atentas, por um lado, as respectivas competências em matéria de promoção do desenvolvimento económico e social da ZIA, por outro lado, as vantagens acrescidas resultantes da possibilidade de articular de forma completa e eficaz o desenvolvimento integrado e sustentável da ZIA com a concepção, execução e construção das infra-estruturas e, finalmente, a flexibilidade de actuação que lhe seria permitida na base de uma inserção de natureza empresarial.

Ao longo dos onze meses em que exerci funções de Presidente do IDRHa (MAR2005 a FEV2006) na vigência do XVII Governo, não tive conhecimento de qualquer decisão ministerial sobre o “Alqueva Agrícola”. Face ao sentimento de total desinteresse por parte da tutela política, o GPAa foi-se desintegrando pela saída dos diversos elementos que nele trabalhavam.

Hoje não está disponível ao público, pelo menos de forma expedita, a vasta informação e documentação reunida e produzida pelo GPAa, tendo desaparecido o “site” então criado na Internet.

É lícito perguntar-se para que se gastaram centenas de milhares de euros?; para que se empenharam técnicos e políticos? Será que o trabalho não tinha interesse e era de má qualidade, ou será que a razão tinha mais a ver com o facto de se tratar de uma iniciativa do partido da oposição, ou então, de uma razão mais pessoal?

Confesso a sensação de desgosto ao ler a notícia do Público, mesmo sabendo que já se tornou um hábito nacional ignorar ou criticar o que o antecessor fez, e tornar a fazer de novo, eventualmente pior.

Carlos Mattamouros Resende
Eng.º Agrónomo
ex-Presidente do IDRHa

 

(1) Despacho n.º 4043/2003 (2.ª série). D.R. n.º 49, Série II de 2003-02-27

(2) Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica, organismo entretanto extinto e cujas competências transitaram para o GPP e a DGADR

O apelo da “coisa” pública – Carlos Mattamouros Resende


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