Joao Pacheco

A Sustentabilidade de Alqueva – João Pacheco

Artigo de opinião, em reação ao programa Grande Reportagem da SIC de 23 de Abril 2021 – “Alentejo, azeite e água”.

Muito se fala de sustentabilidade em Alqueva, conceito este sem fórmula certa ou variáveis fixas, o que o torna fácil de manipular. Podemos mesmo afirmar que a sustentabilidade poderá ter as variáveis que entendermos dentro de cada pilar – economia, sociedade e ambiente – desde que no final tenhamos um casamento feliz entre os três. O problema é que casamentos a três normalmente não funcionam! Existe sempre um pilar mais vulnerável, daí não ser fácil alcançar uma sustentabilidade forte e duradoura, que garanta a preservação dos recursos naturais para as gerações futuras. Simplificando: ser sustentável é utilizar os recursos naturais disponíveis, tirando partido deles, mas de forma consciente, o que é bastante mais complexo do que possa parecer à primeira vista.

A sustentabilidade económica passa com distinção. No pilar da sociedade começam a verificar-se alguns problemas, tais como a destruição de património arqueológico, a exploração laboral e a instalação de amendoais/olivais e de unidades de transformação junto à periferia das povoações. A emissão de gases poluentes coloca em risco a sociedade e o ambiente. Por razões de saúde pública, é imperativo que, num futuro próximo, estas questões sejam resolvidas e que se apliquem multas avultadas aos infratores.

Ao entrar na vertente do ambiente, o cenário agrava-se, com o arranque de milhares de sobreiros e azinheiras centenárias, em várias zonas. Ainda assim, considero que, independentemente da cultura a instalar, iríamos ter sempre dificuldades desta natureza, na medida em que o problema não é inerente aos olivais ou amendoais, mas sim à forma serena como a justiça funciona no nosso País.

Nos últimos anos, a tecnologia tem sido uma aliada para a agricultura, ajudando a minimizar os custos e melhorando a eficiência de utilização de recursos de produção. No entanto, mesmo utilizando as últimas tecnologias ao nível de fertilização, a cada ano que passa os lençóis freáticos continuam contaminados, o que começa a levantar problemas mais sérios. “Os problemas a jusante, vêm de montante!”, já me dizia o meu pai, como bom agrónomo e agricultor. Se analisarmos todas estas áreas, quantas árvores foram plantadas além de oliveiras ou amendoeiras? Quantas linhas de água permanentes e temporárias foram recuperadas e ali plantadas espécies adequadas? Quantas zonas de descontinuidade existem em todos estes hectares? Quantas sebes biológicas foram feitas em todas estas áreas?

Atendendo à estimativa de que em 2050 a população terá aumentado 25%, nunca fez tanto sentido produzir muito em pouco espaço. É, portanto, urgente acreditar em modelos intensivos sustentáveis, que permitam obter boas produções, tendo a natureza como aliada e não como uma farsa numa equação em que a biodiversidade ocupa um lugar pouco relevante.

Apesar do olival e o amendoal serem as culturas mais promissoras, e nas quais acredito plenamente, entendo que estas deveriam ser instaladas de forma diferente. O próprio estudo da EDIA aborda o tema da perda de habitats à medida que intensificamos a cultura, neste caso o olival.

Tanto os pequenos e médios empresários agrícolas como os grandes grupos económicos precisam de entender que, para termos uma sustentabilidade forte, temos de ter a presença de biodiversidade. A água funciona como fio condutor entre solo/planta/biodiversidade e, faltando um destes elementos – curiosamente o mais sensível, a biodiversidade (talvez por não dar lucro) – a sustentabilidade fica gravemente afetada.

Como silvicultor e agricultor, tenho a perfeita consciência do difícil que é, por vezes, colocar todas as variáveis na balança. Temos uma exploração de romãzeiras em regime intensivo e, cada ano que passa, tentamos melhorar as nossas práticas agrícolas. Fizemos a requalificação de linhas de água permanentes e temporárias, instalação de sebes biológicas e zonas de descontinuidade, entre outras medidas. Este tipo de práticas faz cada vez mais sentido e, ao contrário de todas as expectativas, nos últimos três anos deixámos de utilizar inseticidas, simplesmente porque permitimos que todo o ecossistema funcionasse. Na natureza é preciso tempo e paciência, algo que o ser humano tem uma certa dificuldade em compreender.

Deixo algumas fotos de boas e más práticas agrícolas, nomeadamente o uso de herbicida em linhas de água temporárias. Esperemos que, num futuro próximo, tenhamos estes locais tão verdes quanto os nossos olivais e amendoais.

Gostaria que este texto fosse lido como uma crítica construtiva, visando o melhoramento das culturas já instaladas e as boas práticas ambientais, pois estamos sempre a tempo de fazer cada vez melhor e de retificar erros. Agricultores e ambientalistas precisam de deixar de ser vistos como água e azeite que não se misturam, mas sim andar cada vez mais de mãos dadas, para que os nossos filhos e netos tenham um futuro mais promissor.

Má prática agrícola em linha de água (uso de herbicida)
Linha de água sem herbicida e requalificada
Olival com uso total de herbicida
Olival com enrelvamento na entre linha

João Pacheco

Agricultor e Silvicultor


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